Embora o
escopo da visita apostólica do Papa à Suécia fosse o início da celebração
luterana-católica do V centenário da Reforma de 1517, Francisco não deixou de
cumprir o ministério de confirmação e animação na fé do pequeno núcleo de
católicos – cerca de 115 mil, 80% dos quais são emigrantes – que ali vivem,
trabalham e testemunham a fá católica em união com a Igreja de Roma.
Assim, no segundo e último dia da sua visita à Suécia (31 de outubro a 1 de novembro), o Papa, respondendo ao fervoroso
pedido da comunidade local, celebrou a santa missa para os católicos,
prolongando o tempo da viagem.
A tomada desta decisão teve alguma dificuldade dado que o
Pontífice não queria que a missa fosse celebrada no mesmo dia e muito menos no
mesmo lugar do encontro ecuménico para evitar confundir os planos, pois, como
justificou, “o encontro ecuménico deve ser preservado no seu profundo
significado, segundo o espírito da unidade”.
Francisco despediu-se da Residência Papal em Igelösa às 8
horas e 30 minutos e percorreu cerca de 36 quilómetros até ao Swedbank Stadium, que dista 3 km do
centro da cidade de Malmö e tem capacidade para acolher 18 mil pessoas.
Segundo a informação da Rádio Vaticana, “a alegria pela
presença do Pontífice era perceptível pelos cantos e gritos de alegria e
boas-vindas em espanhol, visto que a Suécia conta com uma grande comunidade
sul-americana, formada especialmente por chilenos e mexicanos”. Com efeito, os
católicos, que representam pouco mais de 1% da população sueca, formam uma
comunidade constituída também por muitos estrangeiros, principalmente por
polacos, seguida pelos croatas, latino-americanos e cristãos do Médio Oriente
de diversos ritos. A Igreja local conta com uma única circunscrição eclesiástica,
a Diocese de Estocolmo, liderada por Dom Anders Arborelius.
A missa na Solenidade de Todos os Santos foi celebrada
em latim e sueco, com a oração dos fiéis em espanhol, sueco, árabe, inglês,
alemão e polaco. O Papa proferiu a homilia em
espanhol.
Estiveram presentes o Presidente e o Secretário-Geral da
Federação Luterana Mundial e o Arcebispo da Igreja da Suécia, bem como os
membros das delegações ecuménicas e do Corpo Diplomático.
Com esta celebração, Francisco concluiu a sua 17.ª Viagem
Apostólica internacional, dedicada à santidade, em consonância com a índole da
solenidade que a Igreja celebra no dia um de novembro, a Solenidade de Todos os
Santos.
***
Na sua
homilia, o Santo Padre deu o sentido da celebração de Todos os Santos, evocando
“não só os que foram proclamados santos ao longo da história, mas também muitos
irmãos nossos que viveram a sua vida cristã na plenitude da fé e do amor
através duma existência simples e reservada”. Nesta multidão imensa se incluem
certamente “muitos dos nossos parentes, amigos e
conhecidos”.
Esta
é, no dizer do Papa, a “festa da santidade”, sobretudo daquela santidade “que,
às vezes, não se manifesta em grandes obras nem em sucessos extraordinários,
mas que sabe viver, fiel e diariamente, as exigências do Batismo” – “uma
santidade feita de amor a Deus e aos irmãos”. E este é aquele “amor fiel até ao
esquecimento de si mesmo e à entrega total aos outros, como a vida das mães e
pais que se sacrificam pelas suas famílias sabendo renunciar de boa vontade, embora
nem sempre seja fácil, a tantas coisas, tantos projetos ou programas pessoais”.
Não
obstante, o que marca esses santos e santas é a verdadeira felicidade,
outorgada não pelo mundo, mas por Deus que lha inscreve “no fundo da alma” e
cuja fonte é o próprio “amor de Deus”. Por isso, os Santos são chamados felizes ou bem-aventurados. E assim as Bem-aventuranças, que Jesus “proclamou
perante uma multidão num monte junto do lago da Galileia”, constituem o seu
caminho rumo ao seu destino celeste; “são o caminho de vida que o Senhor nos indica, para
podermos seguir os seus passos”; são o perfil de Cristo e do cristão.
As
Bem-aventuranças são o perfil de Cristo e, consequentemente, do cristão. Justamente
porque definem o perfil do ser cristão é que são apresentadas como uma espécie
de cartão de identidade do cristão na
sua qualidade de seguidor de Cristo.
Chamados
a ser bem-aventurados, seguindo Jesus, os cristãos enfrentam “os sofrimentos e
angústias do nosso tempo com o espírito e o amor de Jesus”. Assim, o Papa assinala
“novas situações” de bem-aventuranças “para as vivermos com espírito renovado e
sempre atual”:
- Felizes os que suportam com fé os males que
outros lhes infligem e perdoam de coração;
- Felizes os que olham nos olhos os descartados e
marginalizados fazendo-se próximo deles;
- Felizes os que reconhecem Deus em cada pessoa e
lutam para que também outros o descubram;
- Felizes os que protegem e cuidam da casa comum;
- Felizes os que renunciam ao seu próprio
bem-estar em benefício dos outros;
- Felizes os que rezam e trabalham pela plena
comunhão dos cristãos...
“Todos eles” – diz o Bispo de Roma – “são
portadores da misericórdia e ternura de Deus, e d’Ele receberão sem dúvida a
merecida recompensa”.
Sem
dúvida que esta formulação papal das bem-aventuranças, em que fica evidenciada
a dimensão ecuménica, a capacidade de inclusão, a generosidade da renúncia, a
componente da misericórdia e a vertente ecoeconómica em prol da justiça, radica
nas bem-aventuranças apresentadas por Mateus, de que Francisco destaca a da mansidão. E a razão desse destaque é que
o Mestre diz de Si mesmo para nós: “Aprendei
de Mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). É a mansidão que constitui o seu retrato espiritual e tem de
servir de cartilha para a nossa aprendizagem, a aprendizagem da “riqueza do seu
amor”
Ora,
a mansidão é mesmo “uma maneira de ser e viver que nos assemelha a Jesus e nos
faz estar unidos entre nós” e “faz com que deixemos de lado tudo o que nos
divide e contrapõe, a fim de procurarmos formas sempre novas para avançar no
caminho da unidade”. E o Papa não se furta a indicar como exemplos da realização
deste quesito da mansidão os santos filhos e filhas da Suécia, entre os quais
se conta “Santa Maria Elisabeth Hesselblad, recentemente canonizada, e Santa
Brígida, Brigitta Vadstena, copadroeira da Europa”. Assume Francisco que estas
duas santas, no âmbito ecuménico, “rezaram e trabalharam para estreitar os
laços de unidade e comunhão entre os cristãos”. E evidencia o trabalho e oração
dos santos e santas das terras suecas como causador desta comemoração conjunta
do V centenário da Reforma aqui, num país “caraterizado pela convivência de
populações muito diferentes. Este é, segundo o Papa, o sinal de que “os Santos
obtêm mudanças graças à mansidão do coração”; e com a mansidão, enquanto “atitude
de quem não tem nada a perder, porque a sua única riqueza é Deus”, nós “compreendemos
a grandeza de Deus e adoramo-Lo com sinceridade”.
Na
verdade, é a uma comunidade católica pequena que o Bispo de Roma vem confiar o
encargo de viver e testemunhar a fé nos afazeres diários e na atenção ao próximo,
garantindo que esta norma da santidade, radicada nas bem-aventuranças herdadas
do Evangelho e nas que podemos hoje formular em consonância com essas, é o
verdadeiro manual de vida cristã e apostólica, utilizável por todos os que
receberam o Batismo e têm Jesus como referência de vida. Por isso, o Santo
Padre conclui, fazendo ressoar diante de todos o capitulo V da Lumen gentium – sobre a vocação de todos à santidade na Igreja:
“Queridos irmãos e irmãs,
a chamada à santidade é para todos, e temos que a receber do Senhor com
espírito de fé. Os Santos encorajam-nos com a sua vida e a sua intercessão
diante de Deus, e nós precisamos uns dos outros para nos tornar santos.
Ajudemo-nos a tornar-nos santos! Juntos, peçamos a graça de acolher, com
alegria, esta chamada e trabalhar unidos para a levar a cumprimento. À nossa
Mãe do Céu, Rainha de todos os Santos, confiamos as nossas intenções e o
diálogo em busca da plena comunhão de todos os cristãos, para que sejamos
abençoados nos nossos
esforços e alcancemos a santidade na unidade.”.
***
E, antes da recitação do Angelus,
o Papa Francisco agradeceu as
palavras de saudação de Dom Anders Arborelius, Bispo de Estocolmo e os esforços
das autoridades e de todos aqueles que trabalharam na preparação e realização da
visita papal.
Depois, saudou
o Presidente e o Secretário-Geral da Federação Luterana Mundial e o Arcebispo
da Igreja da Suécia, bem como os membros das delegações ecuménicas e do Corpo
Diplomático presentes nesta ocasião e todos os que quiseram estar na Celebração
Eucarística.
Dando graças
a Deus por lhe ter dado a oportunidade de vir à Suécia encontrar-se com todos, muitos
dos quais vindos de várias partes do mundo, declarou que, “como católicos,
fazemos parte duma grande família, sustentada por uma mesma comunhão”. Por isso,
animou os presentes a viverem a fé “na oração, nos Sacramentos e no serviço
generoso a quem passa necessidade e sofre”; e encorajou-os a serem “sal e luz,
nas circunstâncias concretas” onde vivem, com o seu “modo de ser e agir segundo
o estilo de Jesus e com grande respeito e solidariedade para com os irmãos e
irmãs doutras Igrejas e Comunidades cristãs e todas as pessoas de boa vontade”.
Garantiu
que, “na nossa vida, não estamos sozinhos”, pois “temos sempre o auxílio e a
companhia da Virgem Maria, que hoje nos aparece como a primeira de entre os
Santos, a primeira discípula do Senhor”. Por isso, confiando-nos “à sua
proteção” e apresentando-Lhe “as nossas penas e alegrias, os nossos temores e
anseios…”, “tudo colocamos sob o seu amparo, com a certeza de que nos vê e
cuida de nós com amor de mãe”.
Nada melhor
que a animação, o apelo à fé, o exercício da oração e a entrega à Mãe de Deus.
2016.11.02 – Louro de Carvalho
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