quarta-feira, 2 de novembro de 2016

No serviço de animação aos católicos, o cartão de identidade cristã

Embora o escopo da visita apostólica do Papa à Suécia fosse o início da celebração luterana-católica do V centenário da Reforma de 1517, Francisco não deixou de cumprir o ministério de confirmação e animação na fé do pequeno núcleo de católicos – cerca de 115 mil, 80% dos quais são emigrantes – que ali vivem, trabalham e testemunham a fá católica em união com a Igreja de Roma.
Assim, no segundo e último dia da sua visita à Suécia (31 de outubro a 1 de novembro), o Papa, respondendo ao fervoroso pedido da comunidade local, celebrou a santa missa para os católicos, prolongando o tempo da viagem.
A tomada desta decisão teve alguma dificuldade dado que o Pontífice não queria que a missa fosse celebrada no mesmo dia e muito menos no mesmo lugar do encontro ecuménico para evitar confundir os planos, pois, como justificou, “o encontro ecuménico deve ser preservado no seu profundo significado, segundo o espírito da unidade”.
Francisco despediu-se da Residência Papal em Igelösa às 8 horas e 30 minutos e percorreu cerca de 36 quilómetros até ao Swedbank Stadium, que dista 3 km do centro da cidade de Malmö e tem capacidade para acolher 18 mil pessoas.
Segundo a informação da Rádio Vaticana, “a alegria pela presença do Pontífice era perceptível pelos cantos e gritos de alegria e boas-vindas em espanhol, visto que a Suécia conta com uma grande comunidade sul-americana, formada especialmente por chilenos e mexicanos”. Com efeito, os católicos, que representam pouco mais de 1% da população sueca, formam uma comunidade constituída também por muitos estrangeiros, principalmente por polacos, seguida pelos croatas, latino-americanos e cristãos do Médio Oriente de diversos ritos. A Igreja local conta com uma única circunscrição eclesiástica, a Diocese de Estocolmo, liderada por Dom Anders Arborelius.
A missa  na Solenidade de Todos os Santos foi celebrada em latim e sueco, com a oração dos fiéis em espanhol, sueco, árabe, inglês, alemão e polaco. O Papa proferiu a homilia em espanhol.
Estiveram presentes o Presidente e o Secretário-Geral da Federação Luterana Mundial e o Arcebispo da Igreja da Suécia, bem como os membros das delegações ecuménicas e do Corpo Diplomático.
Com esta celebração, Francisco concluiu a sua 17.ª Viagem Apostólica internacional, dedicada à santidade, em consonância com a índole da solenidade que a Igreja celebra no dia um de novembro, a Solenidade de Todos os Santos.
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Na sua homilia, o Santo Padre deu o sentido da celebração de Todos os Santos, evocando “não só os que foram proclamados santos ao longo da história, mas também muitos irmãos nossos que viveram a sua vida cristã na plenitude da fé e do amor através duma existência simples e reservada”. Nesta multidão imensa se incluem certamente “muitos dos nossos parentes, amigos e conhecidos”.
Esta é, no dizer do Papa, a “festa da santidade”, sobretudo daquela santidade “que, às vezes, não se manifesta em grandes obras nem em sucessos extraordinários, mas que sabe viver, fiel e diariamente, as exigências do Batismo” – “uma santidade feita de amor a Deus e aos irmãos”. E este é aquele “amor fiel até ao esquecimento de si mesmo e à entrega total aos outros, como a vida das mães e pais que se sacrificam pelas suas famílias sabendo renunciar de boa vontade, embora nem sempre seja fácil, a tantas coisas, tantos projetos ou programas pessoais”.
Não obstante, o que marca esses santos e santas é a verdadeira felicidade, outorgada não pelo mundo, mas por Deus que lha inscreve “no fundo da alma” e cuja fonte é o próprio “amor de Deus”. Por isso, os Santos são chamados felizes ou bem-aventurados. E assim as Bem-aventuranças, que Jesus “proclamou perante uma multidão num monte junto do lago da Galileia”, constituem o seu caminho rumo ao seu destino celeste; “são o caminho de vida que o Senhor nos indica, para podermos seguir os seus passos”; são o perfil de Cristo e do cristão.
As Bem-aventuranças são o perfil de Cristo e, consequentemente, do cristão. Justamente porque definem o perfil do ser cristão é que são apresentadas como uma espécie de cartão de identidade do cristão na sua qualidade de seguidor de Cristo.
Chamados a ser bem-aventurados, seguindo Jesus, os cristãos enfrentam “os sofrimentos e angústias do nosso tempo com o espírito e o amor de Jesus”. Assim, o Papa assinala “novas situações” de bem-aventuranças “para as vivermos com espírito renovado e sempre atual”:
- Felizes os que suportam com fé os males que outros lhes infligem e perdoam de coração;
- Felizes os que olham nos olhos os descartados e marginalizados fazendo-se próximo deles;
- Felizes os que reconhecem Deus em cada pessoa e lutam para que também outros o descubram;
- Felizes os que protegem e cuidam da casa comum;
- Felizes os que renunciam ao seu próprio bem-estar em benefício dos outros;
- Felizes os que rezam e trabalham pela plena comunhão dos cristãos...
“Todos eles” – diz o Bispo de Roma – “são portadores da misericórdia e ternura de Deus, e d’Ele receberão sem dúvida a merecida recompensa”.

Sem dúvida que esta formulação papal das bem-aventuranças, em que fica evidenciada a dimensão ecuménica, a capacidade de inclusão, a generosidade da renúncia, a componente da misericórdia e a vertente ecoeconómica em prol da justiça, radica nas bem-aventuranças apresentadas por Mateus, de que Francisco destaca a da mansidão. E a razão desse destaque é que o Mestre diz de Si mesmo para nós: “Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). É a mansidão que constitui o seu retrato espiritual e tem de servir de cartilha para a nossa aprendizagem, a aprendizagem da “riqueza do seu amor”
Ora, a mansidão é mesmo “uma maneira de ser e viver que nos assemelha a Jesus e nos faz estar unidos entre nós” e “faz com que deixemos de lado tudo o que nos divide e contrapõe, a fim de procurarmos formas sempre novas para avançar no caminho da unidade”. E o Papa não se furta a indicar como exemplos da realização deste quesito da mansidão os santos filhos e filhas da Suécia, entre os quais se conta “Santa Maria Elisabeth Hesselblad, recentemente canonizada, e Santa Brígida, Brigitta Vadstena, copadroeira da Europa”. Assume Francisco que estas duas santas, no âmbito ecuménico, “rezaram e trabalharam para estreitar os laços de unidade e comunhão entre os cristãos”. E evidencia o trabalho e oração dos santos e santas das terras suecas como causador desta comemoração conjunta do V centenário da Reforma aqui, num país “caraterizado pela convivência de populações muito diferentes. Este é, segundo o Papa, o sinal de que “os Santos obtêm mudanças graças à mansidão do coração”; e com a mansidão, enquanto “atitude de quem não tem nada a perder, porque a sua única riqueza é Deus”, nós “compreendemos a grandeza de Deus e adoramo-Lo com sinceridade”.
Na verdade, é a uma comunidade católica pequena que o Bispo de Roma vem confiar o encargo de viver e testemunhar a fé nos afazeres diários e na atenção ao próximo, garantindo que esta norma da santidade, radicada nas bem-aventuranças herdadas do Evangelho e nas que podemos hoje formular em consonância com essas, é o verdadeiro manual de vida cristã e apostólica, utilizável por todos os que receberam o Batismo e têm Jesus como referência de vida. Por isso, o Santo Padre conclui, fazendo ressoar diante de todos o capitulo V da Lumen gentium – sobre a vocação de todos à santidade na Igreja:
“Queridos irmãos e irmãs, a chamada à santidade é para todos, e temos que a receber do Senhor com espírito de fé. Os Santos encorajam-nos com a sua vida e a sua intercessão diante de Deus, e nós precisamos uns dos outros para nos tornar santos. Ajudemo-nos a tornar-nos santos! Juntos, peçamos a graça de acolher, com alegria, esta chamada e trabalhar unidos para a levar a cumprimento. À nossa Mãe do Céu, Rainha de todos os Santos, confiamos as nossas intenções e o diálogo em busca da plena comunhão de todos os cristãos, para que sejamos abençoados nos nossos esforços e alcancemos a santidade na unidade.”.
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E, antes da recitação do Angelus, o Papa Francisco agradeceu as palavras de saudação de Dom Anders Arborelius, Bispo de Estocolmo e os esforços das autoridades e de todos aqueles que trabalharam na preparação e realização da visita papal.
Depois, saudou o Presidente e o Secretário-Geral da Federação Luterana Mundial e o Arcebispo da Igreja da Suécia, bem como os membros das delegações ecuménicas e do Corpo Diplomático presentes nesta ocasião e todos os que quiseram estar na Celebração Eucarística.
Dando graças a Deus por lhe ter dado a oportunidade de vir à Suécia encontrar-se com todos, muitos dos quais vindos de várias partes do mundo, declarou que, “como católicos, fazemos parte duma grande família, sustentada por uma mesma comunhão”. Por isso, animou os presentes a viverem a fé “na oração, nos Sacramentos e no serviço generoso a quem passa necessidade e sofre”; e encorajou-os a serem “sal e luz, nas circunstâncias concretas” onde vivem, com o seu “modo de ser e agir segundo o estilo de Jesus e com grande respeito e solidariedade para com os irmãos e irmãs doutras Igrejas e Comunidades cristãs e todas as pessoas de boa vontade”.
Garantiu que, “na nossa vida, não estamos sozinhos”, pois “temos sempre o auxílio e a companhia da Virgem Maria, que hoje nos aparece como a primeira de entre os Santos, a primeira discípula do Senhor”. Por isso, confiando-nos “à sua proteção” e apresentando-Lhe “as nossas penas e alegrias, os nossos temores e anseios…”, “tudo colocamos sob o seu amparo, com a certeza de que nos vê e cuida de nós com amor de mãe”.
Nada melhor que a animação, o apelo à fé, o exercício da oração e a entrega à Mãe de Deus.

2016.11.02 – Louro de Carvalho

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