segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Sarkozy fora da corrida à presidência francesa apoia Fillon

O ex-Presidente francês Nicolas Sarcozy não vai à segunda volta nas eleições primárias, tendo já reconhecido a derrota e anunciado a sua retirada da vida política.
Os franceses começaram a escolher este domingo, dia 20, o candidato de centro-direita a disputar as eleições presidenciais do próximo ano (7 de maio). E, contrariando todos os prognósticos, a primeira volta das primárias da direita e do centro, encarada como um ensaio das presidenciais de 2017, deu como vencedor o antigo primeiro-ministro François Fillon com um pouco mais de 44% dos votos, contra o também antigo primeiro-ministro Alain Juppé – até ontem o grande favorito – que recolheu apenas 28,6% dos votos.
Outra surpresa que marcou este escrutínio foi a participação massiva de 4 milhões de eleitores, facto digno de referência para o politólogo de origem angolana Felício Manu, que fez comentários ao programa radical de Fillon tanto do ponto de vista social como económico.
Alain Juppe foi durante meses o favorito nestas primárias. Aos 71 anos, tem reputação invejável entre os eleitores de centro-direita, mas o vencedor é, para já François Fillon, ex-primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy. E SarKozy levou apenas 20,7% dos votos, o que o induziu a declarar o seu apoio a Fillon na segunda volta das primárias, dizendo:
“Gostaria de parabenizar Fraçois Fillon e Alain Juppé. São duas personalidades de grande qualidade, que honram a direita francesa. Apesar de algumas divergências (…), as minhas escolhas políticas estão mais próximas das de François Fillon. Votarei em Fillon na segunda volta das primárias.”.
E, em jeito de despedida, revelou:
“Não tenho qualquer sentimento amargo, nem de tristeza. Desejo o melhor para o meu país e para aquele que terá de liderar este país. A direita deu uma boa imagem, estou feliz por ter participado nesta luta. Adeus a todos.”.
A aposta numa campanha desbragada e centrada em assuntos críticos para França, especialmente nos últimos dois anos, como a imigração e o terrorismo, parece dar resultado. Segundo as sondagens, a direita assumirá o poder a 7 de maio, fruto da pouca popularidade dos socialistas em resultado da governação de François Hollande. A questão que se coloca agora é que tipo de direita assumirá o poder: o UMP de Fillon, Juppe e Sarkozy ou a Frente Nacional de Marine Le Pen? As mais recentes sondagens nacionais dão a vitória a Marine Le Pen. Porém, Alain Juppé promete lutar na segunda volta. Com efeito, o segundo candidato mais votado nesta primeira volta das primárias da coligação de direita e centro-direita garantiu que vai “continuar a lutar” por “todos aqueles” que acreditaram na sua campanha, reiterando:
“Acredito que, mais do que nunca, os franceses precisam de se unir para virar a página desastrosa dos últimos cinco anos e para bloquear a Frente Nacional. Quero unir os franceses à volta de reformas credíveis. Quero implementar reformas justas de que todos os franceses vão beneficiar.”.
Apesar da intenção de Juppé, o grande favorito para ocupar a vaga de candidato da coligação desenhada entre Os Republicanos e o Partido Cristão-Democrático parece ser mesmo François Fillon, que assegurou:
“Sou o escolhido por aqueles que querem fortalecer França. Essa esperança vem de um povo, livre de pensamento. É preciso romper com este período de cinco anos de falhanços. O meu projeto trará uma nova esperança. Trago comigo os eleitores da direita e do centro que querem a vitória dos seus valores.”.
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Estará Fillon em condições de anular o favoritismo da Frente Nacional (FN), de Le Pen, que as sondagens lhe dão para as presidenciais em França, em 2017? Meses após o “Brexit” e após a eleição de Trump, Marine Le Pen é (com alguma margem) a favorita à primeira volta das eleições presidenciais de maio.
Já não é demasiado cedo embora continuem por conhecer todos os candidatos, da esquerda à direita. Mas à extrema-direita, a candidata será Marine Le Pen. E Marine é, por agora, a favorita. A sondagem divulgada pela Ipsos (que analisa 5 cenários eleitorais com candidatos diferentes) prevê que a FN pode mesmo chegar ao poder. Marine Le Pen surge com 29% das intenções de voto, seguida pelo partido Les Républicains, de Nicolas Sarkozy (21%) e por Jean-Luc Mélenchon (14%), do Parti de Gauche.
E, ao ser questionado sobre a ascensão de Marine Le Pen e da extrema-direita ao Palácio do Eliseu, o Primeiro-Ministro Manuel Valls confirmou que esta é “uma possibilidade”, mas alertou depois para “riscos” de tal eleição.
Marine lidera desde 2011 o partido que o pai, Jean-Marie Le Pen, fundou em 1972. Um partido populista, anti-imigração e antieuropeísta. É assim que se assume sem peias – e quando não o “assume”, di-lo nas entrelinhas – a FN no seu programa político, que vale a pena espreitar.
Nas presidenciais de 2012, eleição à qual Marine concorreu – a exemplo do pai, que sempre assim fizera –, a FN acabou por ficar em 3.º lugar da primeira volta com 17.9% dos votos, tendo Sakozy obtido 27.18% e François Hollande, que foi eleito depois, 28.63%. Do micropartido que era, a FN tornou-se o partido que, em 2002, deixou a França e a Europa boquiabertas, como hoje, sob a ação de Marine, também as deixa. E, para evitar que chegue ao Eliseu, mais do que desacreditarem a FN até maio de 2017, o PS de Hollande e o LR de Fillon vão aguardar que ela, se desacredite a si mesma. É que nunca a extrema-direita dos Le Pen governou em França. E ser oposição (populista como Jean-Marie ou assumidamente política como Marine) não é o mesmo que ser governante. Os olhos dos eleitores são mais atentos aos segundos do que aos primeiros. E também mais penalizadores dos segundos em eleições seguintes.
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O programa de Le Pen é xenófobo, racista, acérrimo antieuropeísta, profundamente populista (nem sempre popular), mas moderou o seu discurso e traz também políticas antieuropeístas de extrema-esquerda. Saudosista da França de Vichy – França de que nenhum francês sentirá saudades, a não ser Le Pen – move-se em torno de 5 núcleos temáticos: autoridade do Estado; futuro da nação; política estrangeira; recuperação económica e social; e refundação republicana.
No primeiro, onde se discute a Defesa, o Estado, a Imigração ou a Justiça, mais do que em qualquer dos outros quatro, distinguem-se os ideais de extrema-direita (sobretudo anti-imigração) que a FN defende. Mas em áreas como o “futuro da nação” ou a “política estrangeira”, os extremos tocam-se e o partido de Le Pen defende, como a extrema-esquerda, a saída francesa da moeda única, maior controlo do Estado (a FN fala de um “Estado forte”) sobre a economia ou a saída da França da NATO – numa 1.ª fase só a saída do comando integrado, como aconteceu, em 1966, com o general De Gaulle. Mas a FN propõe igualmente a reforma da Constituição francesa, a que chama “refundação republicana”.
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Na refundação republicana, equacionam-se as questões da democracia e da laicidade. Em relação à democracia, a FN vê na UE (e nos Tratados) perda da soberania francesa, pelo que exige a recuperação da República democrática. Para que a superioridade da Constituição sobre Tratados internacionais seja efetiva propõe-se criar o ministério das Soberanias para restaurar a soberania nacional em todas as áreas onde desapareceu. Advoga que o mandato no Eliseu não seja renovável, mas que dure 7 anos e não cinco, como garantia de honestidade e eficiência na política do Chefe de Estado, que “deve agir apenas de acordo com os seus compromissos para com os franceses e não com vista a uma reeleição.” Propõe também que as reformas na Constituição sejam referendadas e que sejam investigadas cuidadosamente as nomeações políticas e administrativas. E, no atinente à laicidade, pretende o seu reforço na Constituição, dispondo que “A República não reconhece qualquer comunidade”; depois, criará o “Ministério do Interior, Imigração e Laicismo”.  
Em termos da política estrangeira, a FN diaboliza as instituições europeias. O Banco Central Europeu é “déspota”; o Parlamento Europeu é o “fantoche” da Comissão Europeia, que “não foi escolhida” pelos franceses; a Política Agrícola Comum “marginalizou” a agricultura; e a moeda única (a par do Acordo de Schengen) “destruiu” milhões de empregos. A UE está hoje, aos olhos da FN, “totalmente pervertida na sua finalidade”. Por isso: “Au revoir, Europe!”.
No âmbito da recuperação económica e social, a FN pretende a nacionalização da agricultura contra a sua europeização, para o que se torna necessário o fecho das fronteiras. E a Política Comum das Pescas será deitada ao mar se a FN chegar ao poder, pois a França quer gerir a sua Zona Económica Exclusiva sem que a UE interfira. Por outro lado, vê no euro o “fracasso total”, apesar da cegueira de Bruxelas e de Frankfurt, que recusam admitir o óbvio: o euro vai desaparecer. Mas a saída do euro exige mais medidas: controlo dos movimentos especulativos de capitais; nacionalização parcial da banca enquanto for necessário para proteger as poupanças dos franceses; reintrodução do franco; e restauração dos poderes do Banque de France.
Quanto ao futuro da nação, a FN, em termos da educação, quer reverter a decisão socialista de fechar escolas com menos de 200 alunos, pois as megaestruturas não têm por si sucesso; os pais de alunos que, sendo imigrantes legais, não sejam fluentes em francês, terão de frequentar aulas de francês; assegura, a par da “neutralidade religiosa”, a “neutralidade política” nas escolas; e garante disciplina, segurança e eficiência na escola, com relevo para os resultados escolares.
A FN quer estabelecer “uma verdadeira política de natalidade”. As mães (ou os pais) poderão escolher livremente entre o exercício duma profissão e a educação dos filhos. A quem escolher a segunda será paga uma renda equivalente a 80% do salário mínimo durante 3 anos a partir do 2.º filho e 4 anos a partir do 3.º. Haverá redução da idade da reforma para mães que tiveram pelo menos 3 filhos ou que tenham uma criança deficiente a seu cuidado. E serão reavaliados os abonos de família em agregados em que só um dos pais é que é francês.
Le Pen cortará na despesa, mas quer um serviço de saúde universal e tendencialmente gratuito:
“O buraco na Segurança Social é uma ameaça à sustentabilidade do nosso sistema de saúde. Mas a saúde é um bem precioso que não deve ser reservado só àqueles que podem pagar por ela. Queremos racionalizar a despesa e lutar contra os abusos. A luta contra a fraude na Saúde deve permitir reduzir para metade os gastos dentro de quatro ou cinco anos. A poupança será de 15 mil milhões de euros.”.
Um serviço universal pressupõe garantir a cobertura territorial na prestação de cuidados de saúde. É preciso revitalizar as zonas rurais e uma política de ordenamento mais harmoniosa.
Quanto à autoridade do Estado, aborda matérias de defesa, Estado forte e imigração e justiça.
Nunca o investimento na Defesa em França foi tão baixo como hoje. A FN quer reforçar o orçamento da Defesa ao longo de 5 anos, até 2% do PIB, por forma a “modernizar equipamento e reter militares”, pretende a “independência militar” da França.
O programa político de Le Pen exige um “Estado forte, interventivo, não só na prestação de serviços públicos como a educação, a segurança social ou a saúde”, mas também que unifique a nação, “aniquilando” a tribalização de França. Rejeita a “descentralização” da economia, que começou com François Mitterrand, em 1981, e que “privou o Estado” de setores estratégicos. Garante, contra os grandes poderios económicos e financeiros, a nacionalização em massa da economia e, com isso, uma “fixação total das tarifas para famílias e empresas” em setores como a energia e os transportes. E, para dar a ideia do Estado forte, todos os edifícios públicos franceses ter hasteada a bandeira nacional, banindo-se a bandeira da UE.
Quando o tema é imigração, por mais que a linguagem política adotada por Marine Le Pen (em oposição à do pai, Jean-Marie) disfarce a xenofobia, esta é mais do que explícita. É na imigração que a FN mais se distancia das políticas da direita convencional e mais ainda das de esquerda de Hollande, sobretudo depois da Primavera Árabe e da crise dos refugiados nos últimos tempos. A seguir, vem o estigma da ameaça da islamização de França e da perda da identidade nacional. A França abolirá, com Le Pen no Eliseu, o Acordo de Schengen, assumirá o controlo das suas fronteiras, removerá do direito francês a possibilidade de regularizar os imigrantes ilegais e fustigará os casamentos de conveniência.
Partindo da interrogação, “Como conceber uma sociedade civilizada sem justiça?”, a FN diz:
“Não é uma sociedade se não pudermos deixar o carro estacionado na rua sem que seja vandalizado ou roubado, onde nos barricamos atrás de quatro paredes e de alarmes, onde os bombeiros são espancados e os polícias mortos com espadas, onde a lei religiosa é imposta uns aos outros, essa é uma sociedade onde a coabitação não é possível”.
Para fazer face à presente realidade, “é preciso justiça e juízes respeitados”. Hoje, o orçamento para a Justiça é de 0,18% do PIB francês. Em França, há 8.355 juízes que despacham anualmente 4,7 milhões de casos criminais, 2,6 milhões de casos civis e comerciais e 9 milhões de casos de multas. Em média, são 12 juízes por cada 100 mil habitantes. Procuradores são 2,9 por cada 100 mil franceses. Pior, só a Bulgária. E há o problema da sobrelotação das prisões, situação qualificada de “perigosa e desumana”, que condena os presos “não à detenção, mas à humilhação”. A FN aponta o baixo número de juízes e critica-lhes a frouxidão.
Depois, considera como extremamente preocupante a situação específica dos menores, visto que as leis não são adaptadas a um crime que começa cada vez mais cedo. É preciso fazer de tudo para que o pequeno criminoso não se torne grande – o que passa pela culpabilização dos pais ou pela retirada d jovem do ambiente onde vive.
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É certo que o programa da FN não especifica como é que se irão operacionalizar muitas destas opções políticas. Porém, o cidadão médio adere a este tipo de discurso, desiludido como está da sobranceria europeia, da mediocridade política, das ameaças do exterior, do falhanço do Estado social, da hegemonia económica de uns poucos, da cegueira do sistema financeiro e da erosão especulativa. É o canto de sereia cada vez mais encantatório!
Onde mora a lucidez dos moderados e o idealismo da esquerda? Que fará a Europa ante esta onda populista?

2016.11.21 – Louro de Carvalho  

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