O
ex-Presidente francês Nicolas Sarcozy não vai à segunda volta nas eleições
primárias, tendo já reconhecido a derrota e anunciado a sua retirada da vida
política.
Os franceses
começaram a escolher este domingo, dia 20, o candidato de centro-direita a
disputar as eleições presidenciais do próximo ano (7 de maio). E, contrariando todos os prognósticos, a primeira
volta das primárias da direita e do centro, encarada como um ensaio das
presidenciais de 2017, deu como vencedor o antigo primeiro-ministro François
Fillon com um pouco mais de 44% dos votos, contra o também antigo primeiro-ministro
Alain Juppé – até ontem o grande favorito – que recolheu apenas 28,6% dos
votos.
Outra
surpresa que marcou este escrutínio foi a participação massiva de 4 milhões de
eleitores, facto digno de referência para o politólogo de origem angolana
Felício Manu, que fez comentários ao programa radical de Fillon tanto do ponto
de vista social como económico.
Alain Juppe
foi durante meses o favorito nestas primárias. Aos 71 anos, tem reputação
invejável entre os eleitores de centro-direita, mas o vencedor é, para já
François Fillon, ex-primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy. E SarKozy levou
apenas 20,7% dos votos, o que o induziu a declarar o seu apoio a Fillon na
segunda volta das primárias, dizendo:
“Gostaria de parabenizar Fraçois Fillon e Alain Juppé. São duas
personalidades de grande qualidade, que honram a direita francesa. Apesar de
algumas divergências (…), as minhas escolhas políticas estão mais próximas das
de François Fillon. Votarei em Fillon na segunda volta das primárias.”.
E, em jeito
de despedida, revelou:
“Não tenho qualquer sentimento amargo, nem de tristeza. Desejo o melhor
para o meu país e para aquele que terá de liderar este país. A direita deu uma
boa imagem, estou feliz por ter participado nesta luta. Adeus a todos.”.
A aposta
numa campanha desbragada e centrada em assuntos críticos para França,
especialmente nos últimos dois anos, como a imigração e o terrorismo, parece dar
resultado. Segundo as sondagens, a direita assumirá o poder a 7 de maio, fruto
da pouca popularidade dos socialistas em resultado da governação de François Hollande.
A questão que se coloca agora é que tipo de direita assumirá o poder: o UMP de
Fillon, Juppe e Sarkozy ou a Frente Nacional de Marine Le Pen? As mais recentes
sondagens nacionais dão a vitória a Marine Le Pen. Porém, Alain Juppé promete lutar na segunda volta. Com efeito, o
segundo candidato mais votado nesta primeira volta das primárias da coligação
de direita e centro-direita garantiu que vai “continuar a lutar” por “todos
aqueles” que acreditaram na sua campanha, reiterando:
“Acredito que, mais do que nunca, os franceses precisam de se unir para
virar a página desastrosa dos últimos cinco anos e para bloquear a Frente
Nacional. Quero unir os franceses à volta de reformas credíveis. Quero
implementar reformas justas de que todos os franceses vão beneficiar.”.
Apesar da
intenção de Juppé, o grande favorito para ocupar a vaga de candidato da
coligação desenhada entre Os Republicanos
e o Partido Cristão-Democrático parece
ser mesmo François Fillon, que assegurou:
“Sou o escolhido por aqueles que querem fortalecer França. Essa esperança
vem de um povo, livre de pensamento. É preciso romper com este período de cinco
anos de falhanços. O meu projeto trará uma nova esperança. Trago comigo os
eleitores da direita e do centro que querem a vitória dos seus valores.”.
***
Estará
Fillon em condições de anular o favoritismo da Frente Nacional (FN), de Le Pen, que as sondagens lhe dão para as presidenciais
em França, em 2017? Meses após o
“Brexit” e após a eleição de Trump, Marine Le Pen é (com alguma margem) a favorita à primeira volta das eleições
presidenciais de maio.
Já não é
demasiado cedo embora continuem por conhecer todos os candidatos, da esquerda à
direita. Mas à extrema-direita, a candidata será Marine Le Pen. E Marine é, por
agora, a favorita. A sondagem divulgada pela Ipsos (que analisa 5 cenários eleitorais com candidatos
diferentes) prevê que a FN pode mesmo chegar
ao poder. Marine Le Pen surge com 29% das intenções de voto, seguida pelo
partido Les Républicains, de Nicolas
Sarkozy (21%) e por Jean-Luc Mélenchon (14%), do Parti de
Gauche.
E, ao ser
questionado sobre a ascensão de Marine Le Pen e da extrema-direita ao Palácio
do Eliseu, o Primeiro-Ministro Manuel Valls confirmou que esta é “uma
possibilidade”, mas alertou depois para “riscos” de tal eleição.
Marine
lidera desde 2011 o partido que o pai, Jean-Marie Le Pen, fundou em 1972. Um
partido populista, anti-imigração e antieuropeísta. É assim que se
assume sem peias – e quando não o “assume”, di-lo nas entrelinhas – a FN no seu
programa político, que vale a pena espreitar.
Nas
presidenciais de 2012, eleição à qual Marine concorreu – a exemplo do pai, que
sempre assim fizera –, a FN acabou por ficar em 3.º lugar da primeira volta com
17.9% dos votos, tendo Sakozy obtido 27.18% e François Hollande, que foi eleito
depois, 28.63%. Do micropartido que era, a FN tornou-se o partido que, em 2002,
deixou a França e a Europa boquiabertas, como hoje, sob a ação de Marine, também
as deixa. E, para evitar que chegue ao Eliseu, mais do que desacreditarem a FN
até maio de 2017, o PS de Hollande e o LR de Fillon vão aguardar que ela, se
desacredite a si mesma. É que nunca a extrema-direita dos Le Pen governou em
França. E ser oposição (populista como Jean-Marie ou assumidamente política
como Marine) não é o
mesmo que ser governante. Os olhos dos eleitores são mais atentos aos segundos
do que aos primeiros. E também mais penalizadores dos segundos em eleições
seguintes.
***
O programa de
Le Pen é xenófobo, racista, acérrimo antieuropeísta, profundamente populista (nem sempre
popular), mas moderou o seu discurso e traz
também políticas antieuropeístas de extrema-esquerda. Saudosista da França de
Vichy – França de que nenhum francês sentirá saudades, a não ser Le Pen – move-se
em torno de 5 núcleos temáticos: autoridade do Estado; futuro da nação; política
estrangeira; recuperação económica e social; e refundação republicana.
No primeiro,
onde se discute a Defesa, o Estado, a Imigração ou a Justiça, mais do que em qualquer
dos outros quatro, distinguem-se os ideais de extrema-direita (sobretudo
anti-imigração) que a FN
defende. Mas em áreas como o “futuro da nação” ou a “política estrangeira”, os
extremos tocam-se e o partido de Le Pen defende, como a extrema-esquerda, a saída
francesa da moeda única, maior controlo do Estado (a FN fala de
um “Estado forte”) sobre a
economia ou a saída da França da NATO – numa 1.ª fase só a saída do comando
integrado, como aconteceu, em 1966, com o general De Gaulle. Mas a FN propõe
igualmente a reforma da Constituição francesa, a que chama “refundação republicana”.
***
Na refundação republicana, equacionam-se as
questões da democracia e da laicidade. Em relação à democracia, a
FN vê na UE (e nos
Tratados) perda da soberania francesa, pelo
que exige a recuperação da República democrática. Para que a superioridade da
Constituição sobre Tratados internacionais seja efetiva propõe-se criar o
ministério das Soberanias para restaurar a soberania nacional em todas as áreas
onde desapareceu. Advoga que o mandato no Eliseu não seja renovável, mas que
dure 7 anos e não cinco, como garantia de honestidade e eficiência na política
do Chefe de Estado, que “deve agir apenas de acordo com os seus compromissos
para com os franceses e não com vista a uma reeleição.” Propõe também que as
reformas na Constituição sejam referendadas e que sejam investigadas
cuidadosamente as nomeações políticas e administrativas. E, no atinente à laicidade, pretende o seu
reforço na Constituição, dispondo que “A República não reconhece
qualquer comunidade”; depois, criará o “Ministério do Interior, Imigração e
Laicismo”.
Em termos da
política estrangeira, a FN diaboliza
as instituições europeias. O Banco Central Europeu é “déspota”; o Parlamento
Europeu é o “fantoche” da Comissão Europeia, que “não foi escolhida” pelos
franceses; a Política Agrícola Comum “marginalizou” a agricultura; e a moeda
única (a par do
Acordo de Schengen) “destruiu”
milhões de empregos. A UE está hoje, aos olhos da FN, “totalmente pervertida na
sua finalidade”. Por isso: “Au revoir,
Europe!”.
No âmbito da recuperação económica
e social, a FN pretende a nacionalização da agricultura contra a sua
europeização, para o que se torna necessário o fecho das fronteiras. E
a Política Comum das Pescas será deitada ao mar se a FN chegar ao
poder, pois a França quer gerir a sua Zona Económica Exclusiva sem que a UE interfira. Por outro lado, vê no euro o “fracasso total”, apesar da cegueira
de Bruxelas e de Frankfurt, que recusam admitir o óbvio: o euro vai desaparecer.
Mas a saída do euro exige mais medidas: controlo dos movimentos especulativos
de capitais; nacionalização parcial da banca enquanto for necessário para proteger
as poupanças dos franceses; reintrodução do franco; e restauração dos poderes
do Banque de France.
Quanto
ao futuro da nação, a FN, em termos
da educação, quer
reverter a decisão socialista de fechar escolas com menos de 200 alunos, pois as
megaestruturas não têm por si sucesso; os pais de alunos que, sendo imigrantes
legais, não sejam fluentes em francês, terão de frequentar aulas de francês; assegura,
a par da “neutralidade religiosa”, a “neutralidade política” nas escolas; e
garante disciplina, segurança e eficiência na escola, com relevo para os
resultados escolares.
A FN quer
estabelecer “uma verdadeira política de natalidade”. As mães (ou os pais) poderão escolher livremente entre o exercício duma
profissão e a educação dos filhos. A quem escolher a segunda será paga uma
renda equivalente a 80% do salário mínimo durante 3 anos a partir do 2.º filho
e 4 anos a partir do 3.º. Haverá redução da idade da reforma para mães que
tiveram pelo menos 3 filhos ou que tenham uma criança deficiente a seu cuidado.
E serão reavaliados os abonos de família em agregados em que só um dos pais é
que é francês.
Le Pen cortará
na despesa, mas quer um serviço de saúde universal e tendencialmente gratuito:
“O buraco na Segurança Social é uma ameaça à sustentabilidade do nosso
sistema de saúde. Mas a saúde é um bem precioso que não deve ser reservado só
àqueles que podem pagar por ela. Queremos racionalizar a despesa e lutar contra
os abusos. A luta contra a fraude na Saúde deve permitir reduzir para metade os
gastos dentro de quatro ou cinco anos. A poupança será de 15 mil milhões de
euros.”.
Um serviço universal
pressupõe garantir a cobertura territorial na prestação de cuidados de saúde. É
preciso revitalizar as zonas rurais e uma política de ordenamento mais
harmoniosa.
Quanto
à autoridade do Estado, aborda matérias
de defesa, Estado forte e imigração e justiça.
Nunca o
investimento na Defesa em França foi tão baixo como hoje. A FN quer reforçar o
orçamento da Defesa ao longo de 5 anos, até 2% do PIB, por forma a “modernizar equipamento
e reter militares”, pretende a “independência militar” da França.
O programa
político de Le Pen exige um “Estado forte, interventivo, não só na prestação de
serviços públicos como a educação, a segurança social ou a saúde”, mas também que
unifique a nação, “aniquilando” a tribalização de França. Rejeita a
“descentralização” da economia, que começou com François Mitterrand, em 1981, e
que “privou o Estado” de setores estratégicos. Garante, contra os grandes poderios
económicos e financeiros, a nacionalização em massa da economia e, com isso,
uma “fixação total das tarifas para famílias e empresas” em setores como a
energia e os transportes. E, para dar a ideia do Estado forte, todos os edifícios
públicos franceses ter hasteada a bandeira nacional, banindo-se a bandeira da UE.
Quando o
tema é imigração, por mais que a linguagem política adotada por Marine Le Pen (em oposição
à do pai, Jean-Marie) disfarce a
xenofobia, esta é mais do que explícita. É na imigração que a FN mais se
distancia das políticas da direita convencional e mais ainda das de esquerda de
Hollande, sobretudo depois da Primavera Árabe e da crise dos refugiados nos
últimos tempos. A seguir, vem o estigma da ameaça da islamização de França e da
perda da identidade nacional. A França abolirá, com Le Pen no Eliseu, o Acordo de
Schengen, assumirá o controlo das suas fronteiras, removerá do direito francês
a possibilidade de regularizar os imigrantes ilegais e fustigará os casamentos
de conveniência.
Partindo da interrogação, “Como
conceber uma sociedade civilizada sem justiça?”, a FN diz:
“Não é uma sociedade se não pudermos deixar o carro estacionado na rua sem
que seja vandalizado ou roubado, onde nos barricamos atrás de quatro paredes e
de alarmes, onde os bombeiros são espancados e os polícias mortos com espadas,
onde a lei religiosa é imposta uns aos outros, essa é uma sociedade onde a
coabitação não é possível”.
Para fazer
face à presente realidade, “é preciso justiça e juízes respeitados”. Hoje, o
orçamento para a Justiça é de 0,18% do PIB francês. Em França, há 8.355 juízes
que despacham anualmente 4,7 milhões de casos criminais, 2,6 milhões de casos
civis e comerciais e 9 milhões de casos de multas. Em média, são 12 juízes por
cada 100 mil habitantes. Procuradores são 2,9 por cada 100 mil franceses. Pior,
só a Bulgária. E há o problema da sobrelotação das prisões, situação qualificada
de “perigosa e desumana”, que condena os presos “não à detenção, mas à
humilhação”. A FN aponta o baixo número de juízes e critica-lhes a frouxidão.
Depois,
considera como extremamente preocupante a situação específica dos menores,
visto que as leis não são adaptadas a um crime que começa cada vez mais cedo. É
preciso fazer de tudo para que o pequeno criminoso não se torne grande – o que passa
pela culpabilização dos pais ou pela retirada d jovem do ambiente onde vive.
***
É certo que
o programa da FN não especifica como é que se irão operacionalizar muitas
destas opções políticas. Porém, o cidadão médio adere a este tipo de discurso,
desiludido como está da sobranceria europeia, da mediocridade política, das
ameaças do exterior, do falhanço do Estado social, da hegemonia económica de uns
poucos, da cegueira do sistema financeiro e da erosão especulativa. É o canto
de sereia cada vez mais encantatório!
Onde mora a
lucidez dos moderados e o idealismo da esquerda? Que fará a Europa ante esta
onda populista?
2016.11.21 – Louro de Carvalho
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