quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Mais próximos e mais solidários uns com os outros e com o Mundo

 

Foi com o mote da proximidade e da solidariedade que Lisboa abriu a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2023. Em mensagem dirigida a todos os peregrinos, o prelado anfitrião deste evento mundial da Igreja Católica, fez questão de salientar a hospitalidade de Lisboa e das cidades vizinhas para os acolherem e [para] partilharem com eles o melhor que têm: a hospitalidade. Aliás, foi o que já sucedera nas diversas dioceses em que eles participaram em diversas atividades locais, onde receberam hospedagem e compartilharam simpatia e festa.

Porém, em Lisboa, o epicentro da JMJ, têm pela frente seis dias de reflexão, partilha, oração, cultura, diversão, festa, ou seja, vida e encontro. Assim, o Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente, dando as boas-vindas a todos, quer que se sintam “verdadeiramente em casa”, sobretudo na “grande casa que “a Igreja de Cristo tem de ser, com a porta aberta a todos”, nestes dias, predominantemente ao ar livre. E, considerando que, “se todos cabem no coração de Deus, também devem caber no nosso”, acredita que “assim será de facto”. Foi nesta profunda convicção que “tudo foi preparado para que estes dias, em torno do Papa Francisco, nos façam mais próximos e solidários, uns com os outros e para o Mundo inteiro, que precisa de rejuvenescer também”.

São, pois, marcas desta JMJ a hospitalidade prazenteira de quem acolhe; o sentir-se em casa por parte de quem é acolhido; e o cultivo da proximidade e da solidariedade.

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Na Missa inaugural deste grandioso evento eclesial, no palco-altar do Parque Eduardo VII, agora Colina do Encontro, o Cardeal-Patriarca, presidente da celebração, renovou as boas-vindas a todos e agradeceu a todos aqueles e aquelas que, de algum modo, contribuíram para que tudo estivesse pronto para estes dias, de forma que tudo decorra como planeado. 

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Na homilia da Missa que a JMJ celebrou, na expectativa da visita do Papa Francisco, a da Visitação de Nossa Senhora, o Patriarca de Lisboa deu, solenemente, as boas-vindas a todos “na amplitude ecuménica, inter-religiosa e de boa vontade que estes dias têm e congregam”. Nesta ótica, ninguém fica de fora.

Quanto ao conteúdo homilético específico, do episódio da Visitação, que orador comentou, em aproximação ao dinamismo deste encontro de juventude e de que surgira o lema geral da JMJ, “Maria levantou-se e partiu apressadamente ao encontro de Isabel”, apontou que se trata de “um passo evangélico que nos inclui”.

Depois, salientou os pontos nevrálgicos deste passo aplicado a Maria: “pôs se a caminho, dirigiu-se apressadamente para a montanha, entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.

Pôs-se a caminho, caminho difícil e sem os meios de transporte de hoje. E era uma jovem que há pouco concebera Jesus, do modo único que o Evangelho atesta. Como ela, estes jovens se puseram a caminho, caminho difícil, para muitos, pela distância, pelas ligações e pelos custos da viagem, tendo sido “preciso juntar recursos, desenvolver atividades, para os obter, e contar com solidariedades que graças a Deus não faltaram”. Por consequência, todos se puseram a caminho, de longe ou de mais perto. A este respeito, D. Manuel Clemente não perdeu o ensejo de espicaçar a vida dos jovens de hoje: “É muito importante pôr-se a caminho. Assim devemos encarar a própria vida, como caminho a percorrer, fazendo de cada dia uma nova etapa.”

Nesta ordem de ideias alertou para a tendência de, hoje, muitas coisas nos poderem deter, “com a possibilidade de substituirmos a realidade verdadeira, que só se atinge a caminho dos outros, como realmente são, pela aparência virtual dum mundo à escolha”. É “um mundo à escolha, diante dum ecrã e dependente dum clique que o mude por outro”. Fácil, mas arriscado!

Neste sentido, contrapôs “a virtualidade”, que nos mantém “sentados, diante de meios que facilmente nos usam, quando julgamos usá-los”, à “realidade consistente”, que nos põe a caminho, “ao encontro dos outros e do Mundo como ele é”, “para o admirar” e “para o fazer melhor”.

Atrelado a esta temática, surgiu o agradecimento aos media que nos dá “a possibilidade de nos conhecermos mais, a nós, aos outros e ao mundo”, na certeza de que “vivemos mediaticamente e já não saberíamos viver doutro modo”, pelo que “contamos com o seu apoio, mas não nos dispensamos de caminhar por nós mesmos, de contactar e [de] verificar, diretamente, a realidade que nos toca, a nós e a todos”. Se nem sempre terá acertado nos seus discursos, aqui o Patriarca, abatido e fatigado, acertou na mouche.

Porém, continuando no tema do caminho, a dinâmica do cristianismo, a religião do caminho e do peregrino, Manuel Clemente disse: “Valeu a pena o caminho que percorrestes para chegar aqui e vos encontrardes nestes dias, na variedade do que sois e na qualidade que trazeis, cada um e cada uma, de cada terra, língua e cultura.” E alertou: “Nada pode substituir este caminho pessoal e de grupo, ao encontro do caminho de todos.”

Encerrando a reflexão sobre o caminho ou da Igreja em saída, indo ao encontro, o Bispo de Lisboa frisou que Maria levava no ventre o “bendito fruto”, Jesus. Foi a primeira Cristófora! E os cristãos também O levam, “espiritual, mas realmente, porque O recebem na palavra, nos sacramentos e na caridade onde Ele se oferece.” Assim, concluiu: “Como acreditamos em Jesus como caminho para Deus, caminhamos com Ele para O levar aos outros, no mesmo impulso que levava Maria, no mesmo Espírito que nos leva a nós.”

“Maria dirigiu-se apressadamente para a montanha”. Ressalta a pressa de Maria, como noutros passos evangélicos se fala da “urgência do anúncio, do testemunho e da visitação permanente aos outros, como havemos de fazer”. Com efeito, “quando o coração está cheio, rapidamente transborda”, sendo “impossível sufocar o que vos vai alma”, se é “forte e mobilizador”.

Maria levava consigo o Jesus que concebera. Ora, Jesus é “Deus connosco”, para ser Deus com todos. Daí, “a pressa de O levar a Isabel, mesmo subindo montanhas”. Também outros “se apressaram a vir ao vosso encontro, para vos levar Jesus e tudo quanto Ele vos oferece de horizontes largos e vida em abundância”. É esta a atividade evangelizadora, que urge!

E disse o Patriarca que nem é preciso perceber sempre as palavras, “como acontece agora, entre tantas línguas aqui reunidas”: falam os olhos e fazem-nos sentir “seguros e confiantes, na atmosfera cristã” que se cria “em conjunto” e nos gestos simples com que se comunica. Há, de facto, uma “pressa no ar”, que circula, “um ar em que o próprio Espírito divino circula, com a prontidão que só Deus tem e comunica”.

A este respeito, D. Manuel Clemente revelou que, ao comunicar ao Papa a proposta do lema desta JMJ, referindo “Maria dirigiu-se apressadamente...”, ele acrescentou: “Apressadamente, mas não ansiosamente.” Quer dizer que “a ânsia é do que ainda não temos e pretendemos inquietos”, ao passo que a pressa “é partilhar o que já nos leva”, ou seja, “uma urgência serena e sem atropelo”.

A propósito, lembrou um trecho dos primeiros cristãos, na sociedade que tardava a entendê-los: “No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito, mantendo limpa a consciência...” (1Pe 3,15-16). Nestes termos, considerou que os jovens da JMJ estão neste dinamismo de “pressa sem ansiedade, como quem partilha o que vai tendo”.

“Maria entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel”. Também nisto, Maria é protótipo do cristão, pois importa que cheguemos “uns aos outros, com verdadeira e alegre saudação”. O Evangelho relava a alegria do encontro de Maria com Isabel e do reconhecimento mútuo em que ocorreu. A saudação de Maria suscitou a exclamação que tantas vezes repetimos: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” E às palavras de Isabel respondeu Maria com o “Magnificat”. Ora, cada encontro que tivermos “deve ser inaugurado com verdadeira saudação, em que troquemos entre nós palavras de acolhimento sincero e de plena partilha”.

“Falta muito disto” – vinca o Patriarca – “no Mundo em que estamos, quando nem damos bem pelos outros, nem reparamos como devemos naqueles que encontramos”. Por isso, exortou: “Aprendamos com Maria a saudar a todos e cada um. Pratiquemo-lo intensamente nos dias desta Jornada Mundial da Juventude. O mundo novo começa na novidade de cada encontro e na sinceridade da saudação que trocarmos. Para que sejamos pessoas entre pessoas, em mútua e constante visitação!”

E concluiu: “Desejo-vos a todos uma feliz e estimulante Jornada Mundial da Juventude!”

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Na verdade, todo o ambiente – litúrgico e humano – era de alegria, entusiasmo e partilha: desde a música (não sei se, algum dia, Joana Carneiro teve um auditório tão vasto), às leituras, à compostura da celebração e à imensa mole humana.

Logo a primeira leitura apelava à alegria e ao júbilo por parte da Filha de Sião, o Povo de Deus. E a segunda apresentava um bom manual da boa relação, comunicando Jesus Cristo, acolhendo os outros e sintonizando com eles, chorando com quem chora e alegrando-se com quem está contente, enfim tendo para com todos os mesmos sentimentos de Cristo. Bom prenúncio para uma boa JMJ, com anúncio cristão, no respeito e na tolerância, no diálogo, na fraternidade, na partilha – em Igreja, em Ecumenismo, no Diálogo Inter-religioso, na expressão da boa vontade genuína, alicerçada na boa consciência. E o anfitrião foi um bom precursor do Papa Francisco!   

2023.08.01 – Louro de Carvalho

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