domingo, 6 de agosto de 2023

“No caminho te encontrei”: quem ama voa, corre e alegra-se

“No caminho te encontrei” foi o lema da primeira parte da vigília dos jovens de todo o Mundo com o Papa Francisco na noite de 5 de agosto no Parque Tejo, em Lisboa-Loures, tendo a segunda parte constado de adoração ao Santíssimo Sacramento e de Bênção eucarística, com momentos de grande silêncio e de agradecimento ao Senhor.

O discurso homilético, que se seguiu a momentos musicais, coreográficos (por exemplo, as mímicas “falar de costas voltadas” e “avanços e recuos na caminhada de fé”) e de testemunhos, foi marcado por alguns cortes no texto escrito, por interpelações diretas, por momentos de silêncio, por segmentos de reflexão pessoal e por asserções sentenciosas a repetir e a reter.

O tema é recorrente na vida de cada pessoa, mas Francisco fê-lo mergulhar no Evangelho para o fazer retornar à vida de cada pessoa, nomeadamente à de cada jovem.

É evidente que o caminho se faz caminhando, ou seja viajando. Porém, viajar tanto pode ser algo penoso como ser oportunidade de muita alegria. E, fixando-se na oportunidade de alegria que a viagem comporta, pelo encontro que proporciona, o Papa revelou: “Dá-me grande alegria ver-vos.” E, agradecendo por ele e por todos por terem caminhado e estarem ali, considerou que Maria “teve de viajar para ver Isabel”. Com efeito, segundo o Evangelho, “Ela partiu e foi sem demora” (Lc 1,39) – relação com “Nossa Senhora Apressada”, referida em Fátima, na manhã do mesmo dia. Na verdade, acabara de descobrir que a prima estava grávida, mas ela também estava. Não obstante, vai sem que ninguém lho tenha solicitado.

É bom anotar que “Maria realiza um gesto não solicitado, não obrigatório, Maria vai porque ama”, e “quem ama voa, corre e alegra-se” (Imitação de Cristo, III, 5). É isso que o amor faz em nós, sublinha o Papa, segundo o qual “a alegria de Maria é dupla”, pois recebeu o anúncio do anjo de que iria receber o Redentor e a notícia de que a prima, já anciã, está grávida. E, em vez de pensar em si, pensa na outra. Isto acontece, na ótica de Francisco, porque “a alegria é missionária”, não é para uma pessoa, mas para levar algo. É, do meu ponto de vista, uma lição da alegria de pensar no outro e de combater o egoísmo e o egocentrismo.

A este respeito, o Papa interpela os jovens: “Vós, que estais aqui, que viestes para encontrar, para buscar a mensagem de Cristo, para buscar um belo sentido para a vida, ides guardar isso para vós ou vão levar para os outros?” Evidentemente que “é para levar aos outros, porque a alegria é missionária”. Por isso, pretendeu que os jovens repetissem em coro, todos juntos: “A alegria é missionária! E, então, eu tenho que levar essa alegria para os outros.”

Contudo, a alegria que sentimos não surgiu espontânea ou por acaso: foram outros que nos prepararam para a recebermos. Por isso, é necessário que olhemos para trás, vendo “tudo o que recebemos”, o que os nossos maiores prepararam. O que eles nos deram “preparou os nossos corações para a alegria”. Na verdade, “todos nós, se olharmos para trás, temos pessoas que foram um raio de luz para toda a vida: pais, avós, amigos, sacerdotes, religiosos, catequistas, animadores, professores” – que “são como as raízes da nossa alegria”. Portanto, cada um deve “pensar naqueles que nos deram algo na vida, que são como as raízes da alegria”.

É um dos pontos interessantes de Francisco: dirige-se aos jovens, mas cria as necessárias pontes intergeracionais; fala do futuro, mas vê-o alicerçado no passado e calibrado pelo presente.

Aqueles raios de luz que tivemos na nossa vida caminharam e cultivaram o encontro: “Encontraram rostos, encontraram histórias”. Mais do que isso, encontraram “essa alegria que veio dessas raízes”, que “é o que temos para dar, porque temos raízes de alegria”. E isso dá-nos a responsabilidade de também sermos, para os outros, “raízes de alegria”, não de alegria passageira, momentânea, mas de uma alegria que cria raízes.

“Como nos podemos tornar raízes de alegria?”, pergunta o Papa. Embora tenhamos de estudar, “a alegria não está na biblioteca, trancada […], mas está em outro lugar”, que “não é guardado a sete chaves”. De facto, “a alegria deve ser procurada, deve ser descoberta”. E devemos descobrir o lugar onde ela se encontra “no nosso diálogo com os outros, onde devemos dar aquelas raízes de alegria que recebemos”.

O Pontifice admite que isso, “às vezes, cansa”. Ora, quando uma pessoa está cansada, “não tem vontade de fazer nada”, atira a toalha ao chão (diz-se em Português), “porque não tem vontade de continuar e, depois, desiste, para de andar e cai”. Porém, se a pessoa cai na vida, tem um fracasso, até comete erros pesados, fortes, não está arrumada. Há que se levantar, há que ajudá-la a levantar-se. E Francisco mencionou os Alpinos, que gostam de escalar montanhas e têm uma cantiga: “Na arte de subir – a montanha –, o que importa não é não cair, mas não permanecer caído.”  

Quem fica caído está retirado da vida, fechado, sem esperança. Ora, quando vemos um dos nossos amigos que caíram, devemos levantá-lo ou ajudá-lo a levantar-se. Para tanto, é preciso “olhar de cima para baixo”. Com efeito, no dizer de Francisco, “a única oportunidade, o único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é quando é preciso ajudá-la a levantar-se. E nunca se pode olhar uma pessoa por cima dos ombros, de cima a baixo.

Voltando à mística da viagem e do caminho, o Papa preconiza a necessidade da perseverança. Com efeito, na vida, é preciso treinar “ao longo do caminho”. E, pegando em exemplos da vida dos jovens, refere: “Às vezes, não nos apetece caminhar, não nos apetece fazer esforço, copiamos nos exames, porque não queremos estudar, e não obtemos sucesso.” E, dando o exemplo do futebol, de que gosta, sustenta que, por trás de um golo, “há muito treinamento”. Assim, por trás de um sucesso, “há muito treinamento”.

Na vida, “nem sempre se pode fazer o que se quer, mas o que a vocação que temos dentro de nós – cada um tem a sua vocação – nos leva a fazer”. É preciso andar; e, se cair, levante-se ou seja ajudado; não permaneça caído. E é preciso treinar “ao longo do caminho”. Tudo é possível, não porque fazemos cursos no caminho – “não há curso que nos ensine a caminhar na vida”. Isso aprende-se com os pais, com os avós, com os amigos, tomando uns aos outros pela mão. Na vida, aprende-se: e “isso é treinar ao longo do caminho”.

Por fim, Francisco deixa esta multíplice ideia: “Andai. E, se cairdes, levantai-vos. Andai com um objetivo: treinar todos os dias na vida. Na vida, nada é de graça. É tudo pago. Só há uma coisa gratuita: o amor de Jesus. Assim, com esta gratuidade que temos – o amor de Jesus – e com vontade de caminhar, caminhemos na esperança, olhemos para as nossas raízes e sigamos em frente, sem medo”.

De facto, Jesus encontra-nos no caminho e no caminho O encontramos.

E a deixa final é: “Não tenhais medo. Obrigado! Tchau!”

***

Francisco não se afasta um milímetro do Evangelho, mas prima pelo discurso pedagógico, com uma boa dose de antropologia, o discurso do (as raízes vêm do passado, mas funcionam no presente, suportando o caule, os ramos, as folhas, as flores e os frutos; e guardam as sementes) hoje para o futuro, um discurso que provém de Cristo e para Ele nos orienta, sem muitas pretensões, bastando a essencial: Jesus ama-nos, com um amor afetivo, efetivo e gratuito; o seu amor é a oblação permanente ao Pai e às pessoas.

Mesmo quem não é crente pode fruir do discurso deste Papa, um discurso que é lição de vida!  

2023.08.05 – Louro de Carvalho 

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