quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Promulgadas duas importantes leis militares

 

De acordo com uma nota publicada na página oficial da Presidência da República, o chefe de Estado, “reconhecendo que a presente Lei de Programação Militar é mais ambiciosa do que a anterior e esperando que a sua execução – cobrindo várias legislaturas – permita recuperar o tempo perdido, e, também, esperando que o novo sistema de venda, arrendamento ou outras formas de rentabilização de imóveis afetos a infraestruturas militares venha, mesmo, a permitir resolver a questão de dotações, essenciais para as Forças Armadas Portuguesas”, promulgou, a 9 de agosto, dois decretos da Assembleia da República (AR): o Decreto da Assembleia da República n.º 64/XV, que aprova a Lei de Infraestruturas Militares (LIM), e o Decreto da Assembleia da República n.º 65/XV, que aprova a Lei de Programação Militar (LPM).

Trata-se de diplomas que planeiam a compra de armamento para as Forças Armadas, nos próximos 12 anos, e a rentabilização dos imóveis da Defesa Nacional. E o Presidente da República (PR) espera que LPM tenha boa concretização, pois, em muitos anos, a execução da LPM ainda em vigor é muito baixa.

O PR deixa, assim, uma crítica velada à grande novidade desta revisão da LPM, já que esta vai obrigar os ramos militares a angariarem receitas extra – com a venda de imóveis – para cobrirem o que está previsto gastar na compra de equipamentos, sendo de esperar que esta fórmula resolva o problema das “dotações essenciais”.

Porém, esta nova fórmula de financiamento da LPM deixa os militares sem certezas quanto aos montantes disponíveis, em cada ano, para as aquisições de armamento. Com efeito, fazer depender as verbas disponíveis da venda de património torna a execução da lei mais aleatória, pois não se sabe, em cada ano, qual o património que se consegue vender, e a que preço, de forma a cobrir a diferença entre as necessidades e o que está previsto no Orçamento do Estado.

Ao vincar o facto de estas leis cobrirem várias legislaturas, o PR parece querer salientar que uma lei feita para 12 anos não será verdadeiramente vinculativa, tornando-se, de certo modo, não mais do que uma carta de intenções. Contudo, se o governo pensa em tomar medidas só no âmbito da legislatura em curso e em as propor à AR, é acusado de não ter visão de futuro; se pensa a longo prazo, a sua proposta não passa de mera carta de intenções. Em que ficamos?  

Enquanto comandante supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa, tem feito várias intervenções de alerta para as necessidades da instituição castrense, tendo mesmo dedicado ao tema a intervenção da sessão solene do 25 de Abril do ano passado. O Presidente quer mais investimento e melhores condições salariais para os militares, com o contexto de guerra na Europa em pano de fundo. E a LPM daria, em princípio, espaço para a concretização dessas vontades, mas uma parte do investimento terá de ser feito através de verbas angariadas pelos próprios ramos.

A ministra da Defesa Nacional acabaria por reconhecer, na AR, que a proposta de lei, como tinham apontado os chefes militares, havia sido alterada, depois de ter sido discutida no Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), órgão consultivo liderado pelo PR, circunstância que Belém considerou “original”. E, aprovada na AR só com os votos favoráveis do Partido Socialista (PS), aguardava a decisão do PR, que a podia promulgar ou vetar. Porém, promulgou-a, como já fez em relação a muitas outras leis e a muitos diplomas do governo, com uma mensagem crítica.

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A LPM, agora promulgada, foi aprovada a 7 de julho na AR, com o PS isolado no voto favorável, tendo merecido a abstenção do Partido Social Democrata (PSD), do Chega, da Iniciativa Liberal (IL) e do Partido Pessoas, Animais, Natureza (PAN) e os votos contra do Partido Comunista Português (PCP), do Bloco de Esquerda (BE) e do Livre.

A LPMtem por objeto a programação do investimento público das Forças Armadas, em matéria de armamento e equipamento, com vista à modernização, operacionalização e sustentação do sistema de forças, contribuindo para a edificação das suas capacidades”. E as capacidades inscritas nela “são as necessárias à consecução do objetivo de força decorrentes do ciclo de planeamento de defesa, tendo em conta a inerente programação financeira, garantindo uma visão coerente e integrada da defesa nacional e respondendo a objetivos de interoperabilidade, flexibilidade e adaptabilidade”.

Também a LIM foi aprovada, a 7 de julho, na AR, com os votos do PS, do PSD e da IL, tendo merecido a abstenção do Chega e do PAN e os votos contra do PCP, do BE e do Livre.

A LIM “estabelece a programação do investimento com vista à conservação, manutenção, segurança, sustentabilidade ambiental, modernização e edificação de infraestruturas da componente fixa do sistema de forças e estabelece as disposições sobre a inventariação, gestão e valorização dos bens imóveis afetos à Defesa Nacional disponibilizados para rentabilização, tendo em vista a aplicação dos resultados obtidos nas medidas e projetos nela previstos”.

No mesmo dia 7 de julho, no fim da tarde, o Ministério da Defesa Nacional assinalava a aprovação, na AR, das propostas de lei de Programação Militar e de Infraestruturas Militares, leis estruturantes para a Defesa Nacional, fruto de  um processo iniciado, em maio de 2022, pela ministra da Defesa Nacional, para a revisão de ambas as leis, num processo colaborativo entre as Forças Armadas e os serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional. 

A LPM, que estabelece o investimento público em meios e equipamentos para as Forças Armadas, conta com 5 570 milhões de euros para o período até 2034, o que se traduz na LPM mais elevada de sempre – afirmação recorrente da ministra, ainda que desmentida, em parte, pelos militares.  

As verbas colmatam lacunas e respondem aos desafios presentes e futuros, através de investimento na manutenção, na sustentação e na modernização dos meios existentes, que aumentam 96%; na reposição para níveis compatíveis com o atual contexto geopolítico das reservas de guerra, que mais do que duplicam, crescendo 108%; no reforço no investimento em novos domínios das operações, das tecnologias emergentes disruptivas, da investigação, do desenvolvimento e da inovação. 

Na sua globalidade, estima-se um retorno direto para a economia nacional de 33%. Esta nova LPM contempla 35 diferentes capacidades militares, mais de uma centena de projetos e cerca de 400 subprojectos e oito projetos estruturantes, nas seguintes áreas: Ciberdefesa; Helicóptero de Apoio, Proteção e Evacuação; KC-390; Navio Patrulha Oceânico; Navio Polivalente Logístico; Navio Reabastecedor; Sistema de Combate do Soldado; e Aeronave de Apoio Próximo (Novo).

A LIM, que incide sobre a conservação, a manutenção, a segurança, a modernização e a edificação de infraestruturas das Forças Armadas, através da aplicação de receitas obtidas pela rentabilização do património da Defesa Nacional sem funções operacionais, prevê um montante de investimento total superior a 272 milhões de euros até 2034, apresentando-se uma previsão de incremento de investimento, nos próximos quatro anos, de 5%. Através da LIM, a Defesa Nacional continua a contribuir, entre outras, para a disponibilização, pelo Estado, de habitação para arrendamento acessível. E foi reforçada a função social que a LIM tem servido e que continuará a servir. Assim, a previsão de investimentos será materializada na melhoria das condições de habitabilidade, de trabalho e de segurança das unidades militares, na redução da pegada ambiental e no aumento da eficiência energética. Isto beneficia a eficácia da operação das Forças Armadas, mas promove também os objetivos de recrutamento e de retenção, definidos no programa de governo e no recentemente revisto Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar.

Entrevê-se que a LPM, que estabelece o investimento público em meios e equipamentos das Forças Armadas, terá um montante global de 5.570 milhões de euros até 2034, estando garantidos, através de verbas do Orçamento do Estado, apenas 5.292 milhões. Os restantes 278 milhões terão, necessariamente, origem em receitas próprias da Defesa Nacional, através de processos de restituição do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) ou da alienação de armamento, de equipamento e de munições ou ainda – sendo esta uma novidade na lei – através da rentabilização de imóveis, “quando estas receitas não estejam afetas à execução da Lei de Infraestruturas Militares (LIM)”.

Na LIM, fica estabelecido que o primeiro-ministro tem a última palavra sobre os imóveis das Forças Armadas a rentabilizar: “Os imóveis a valorizar e a rentabilizar no âmbito da presente lei, em respeito pelas orientações estratégicas relativas à gestão integrada do património imobiliário público, são objeto de despacho do primeiro-ministro, ouvidos os membros do governo responsáveis pelas áreas da Defesa Nacional e da gestão do património imobiliário público”, lê-se no diploma.

Outro dado novo da proposta de lei é o facto de estabelecer que as receitas de rentabilização de imóveis podem ser afetas à LPM, mas apenas “na parte em que excedam o montante anual de dotação de despesa previsto” na LIM.

O Exército é o ramo no qual se prevê um maior investimento da LIM até 2034, que ronda os 101 milhões, seguindo-se a Marinha com 72 milhões e a Força Aérea com 52 milhões.

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A legislação em matéria militar é muito sensível, por várias razoes, de que destaco: a depreciação quase generalizada em relação à necessidade e ao papel das Forças Armadas neste pequeno território europeu – vistas como o braço armado do poder político, destinado à repulsa do inimigo, em caso de invasão externa, bem como ao apoio das populações, em situação de catástrofe (seria útil adicionar o combate ao terrorismo); a perceção de que estão ao serviço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN); os escândalos que, episodicamente registam (nesse caso, deveríamos extinguir vários departamentos do Estado e várias empresas); o desconforto normal dos chefes militares, quando não são suficientemente assumidas as suas opiniões, bem como a atitude crítica de diversas associações de militares; a tomada da palavra crítica por antigos dirigentes militares, que veem em tudo formas de rutura com a sua linha de ação; a falta de atratividade da carreira das armas; a medíocre capacidade de execução física e financeira dos projetos que pressupõem a alocação de verbas avultada; e também a postura, às vezes, hipercrítica do PR, escudado na sua condição de comandante supremo das Forças Armadas, que não tem competências operacionais.

Tiveram percurso atribulado, como ficou na memória dos Portugueses, o processo legislativo que desembocou na aprovação da nova Lei de Defesa Nacional e na aprovação da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA).

Em relação à subjacente crítica do PR à execução da LPM em vigor até agora, é de registar que, em abril, o Ministério da Defesa Nacional confirmava, em comunicado, que a execução, em 2022, ascendeu a 469,78 milhões de euros, mais 191 milhões do que em 2021, tendo sido uma execução de 73%, a mais alta de sempre. A Força Aérea foi o ramo que mais recebeu: mais de 133 milhões; a Marinha recebeu mais de 80 milhões e o Exército quase 68 milhões. “Os ramos terrestre e marítimo registaram taxas de execução dos investimentos de 97% e de 81%, respetivamente, que comparam com 89% e 69% no ano anterior. Na Força Aérea, a taxa de execução aumentou para 54% (mais 18 milhões de euros aplicados, resultando num aumento de 1%) e no Estado-Maior-General das Forças Armadas foram investidos 6,65 milhões de euros (mais 1,1 milhões do que em 2021, para idêntica taxa de execução de 29%)”, indicava o comunicado.

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Muito se discute, para pouco se fazer.

2023.08.09 – Louro de Carvalho

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