sábado, 5 de agosto de 2023

Mensagem do Papa desde Fátima: fugindo ao discurso enlatado

 

A 5 de agosto, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa visitou o Santuário de Fátima, onde foi recebido por mais de duas centenas de peregrinos: uns, que também rumaram a Lisboa; outros, que já por lá tinham passado; e outros, que apenas se dirigiram a Fátima.

Com todos, recitou a oração do Rosário na Capelinha das Aparições. Depois, em discurso homilético, com muitos improvisos e com muita emoção, enalteceu o poder da oração de todos e de cada um, que agradeceu; do rosário passou à imagem de Igreja que a Capelinha, sem portas, espelha; daí passou para Maria; e, por fim centrou a alocução em Jesus, sem descolar da Mãe.

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No Rosário frisou a sua índole de “bela oração cheia de vida, porque nos põe em contacto com a vida de Jesus e de Maria”.

Dos mistérios gozosos, então meditados, referiu que nos lembram que “a Igreja só pode ser uma casa cheia de alegria”.

Da Capelinha extraiu a “bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas”. E clamou que “a Igreja não tem portas, para que todos possam entrar”. Além disso, considerou que, tratando-se da casa da Mãe, é de “insistir para que todos possam entrar,” pois “uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem exclusão”. O Papa insiste no “todos”!

Sob o olhar materno de Maria, “estamos aqui como a Igreja, a Mãe Igreja” – disse. E, pegando do conceito de peregrinação, sustentou que “a peregrinação é um traço mariano, porque a primeira a peregrinar, depois da anunciação de Jesus, foi Maria”. Logo que soube da gravidez adiantada da prima (muito idosa), “saiu a correr”. E, anotando que se tratava de “uma tradução um pouco solta”, Francisco sublinhou que o Evangelho diz: “saiu às pressas”. E explicitou: “saiu com aquela ânsia de ajudar, de estar presente”.

Entre as inúmeras invocações de Maria, o Papa adotou a da “Virgem que foge” ou “Virgem que sai a correr”. Com efeito, sempre que há problema ou por Ela chamamos, não demora, vem, apressa-Se. É “Nossa Senhora com pressa” ou “Nossa Senhora Apressada”, visto que “tem pressa para estar perto de nós, tem pressa, porque é Mãe”.

É com este dinamismo da pressa, de querer estar perto, que Maria “acompanha a vida de Jesus e não se esconde depois da Ressurreição”, antes “acompanha os discípulos, à espera do Espírito Santo, e acompanha a Igreja que começa a crescer após o Pentecostes”. É “Nossa Senhora Apressada” e “Nossa Senhora que acompanha”, que “acompanha sempre, sem nunca ser a protagonista”.

O seu gesto é o gesto de acolher, o gesto da mãe, um duplo gesto: acolhe todos e cada um; e aponta para Jesus. “Na sua vida, Maria não fez nada, além de apontar para Jesus”: fazer o que Ele te diz, seguir Jesus – é a sua recomendação doce e firme.

Porque acolhe a todos e aponta para Jesus, fica “um pouco apressada, aprisionada”. E todas as vezes que vimos aqui (a Fátima), recordamos que “Maria se fez presente, aqui, de modo especial, para que a incredulidade de tantos corações se abrisse a Jesus, pois, com a sua presença, nos aponta para Jesus, Ela sempre nos aponta para Jesus”, acentuou o Pontífice, que acrescentou: “Hoje, Ela está aqui entre nós, está sempre entre nós, mas hoje sentimo-La muito mais perto: Maria Apressada.”

Depois, Francisco fala de Jesus, mas sem O desligar de Maria. “Jesus ama-nos tanto que Se identifica connosco, e nos pede que colaboremos com Ele”. Por sua vez, Maria indica-nos o que Jesus nos pede.

O Papa considerou que gostaria que, hoje, “olhássemos à imagem de Maria” e que cada um pensasse: “O que é que Maria me diz como Mãe? O que é que Ela me aponta com o dedo?” E respondeu que nos aponta para Jesus e para algo que não funciona bem no coração.

Como é no silêncio que Deus gosta de falar, Francisco pediu um momento de silêncio, para cada um dizer em seu coração: “Mãe, o que me estás a apontar?”. E Ela aponta para os nossos corações para que Jesus venha; e, assim como Ela aponta para nós, para Jesus, Jesus aponta para o coração de cada um de nós.

Por fim, o Papa exortou a que sintamos hoje a presença de Maria Mãe, a Mãe que sempre nos dirá “fazei o que Jesus vos disser”. Essa é Maria, a nossa Mãe, Nossa Senhora Apressada, para estar perto de nós. Que Ela nos abençoe a todos.

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O facto de o Papa se ter desprendido bastante do texto previamente escrito e de ter omitido uma oração a Nossa Senhora, previstamente pela paz no Mundo, levou alguns repórteres a questionar o porta-voz do Pontífice para saber por que abreviou tanto o discurso escrito e omitiu a oração por completo. A resposta chegou, de Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé: “Vale apenas o que pronunciado, a não ser que ele ou a sala de imprensa digam o contrário.”

Aura Miguel, da Rádio Renascença, recordou que fora anunciado pelo próprio gabinete de imprensa que o Papa “iria a Fátima rezar pela paz” e que isso estava escrito no texto, mas acabou por não o dizer. Ou está a ler mal, porque é a terceira vez que improvisa e desiste de, praticamente, de todo o texto, ou “há outro motivo que esperamos esclarecer, nem que seja no avião de regresso a Roma”. Todavia, Matteo Bruni esclareceu que “o Papa decide mudar o seu discurso como pastor perante os fiéis que estão à sua frente”, não se tratando de um problema de visão.

Referiu que na casa paroquial no bairro da Serafina, em Lisboa, não terminou a sua mensagem porque “havia um problema de iluminação” e, como o próprio Pontífice explicou, não queria cansar a vista.

Desde a sua chegada a Lisboa, no dia 2, para participar na JMJ, Francisco preferiu saltar ou não ler os discursos preparados em três ocasiões, incluindo a Via-Sacra, do dia 4; e, no dia 5, não leu a oração à Virgem que estava prevista e na qual se esperava que pedisse a paz.

No entanto, Matteo Bruni sublinhou que a paz foi pedida no quarto mistério do rosário, que rezou com jovens doentes e com alguns prisioneiros, e que substituiu a oração prevista por uma Avé Maria. Por outro lado, o Papa também fez um apelo à paz numa mensagem publicada na rede social Twitter, a propósito da visita ao Santuário de Fátima, consagrando a Maria a Igreja e o Mundo, especialmente os países em guerra. E, nessa mensagem, acrescentou: “Alcançai-nos a paz. Vós, Virgem do Caminho, abri sendas onde parece que não há.”

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Seja como for – o Papa improvisa muitas vezes nas suas viagens apostólicas, exceto nos discursos protocolares, pelo que não se percebe o suposto burburinho dos repórteres junto à Capelinha das Aparições (compete-lhes reportar, não guiar os acontecimentos) – Francisco, em Fátima, voltou ao tema forte da Igreja, como espaço de alegria e de acolhimento para todos, sem exceção. E encaminhou o discurso – por Maria, a Senhora Apressada, porque deseja estar connosco – para Jesus, que nos ama e que aponta para o coração de todos e de cada um de nós. Porém, os repórteres preferiam o discurso enlatado! Vá lá que não quiseram condicionar Deus.

2023.08.05 – Louro de Carvalho

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