terça-feira, 15 de agosto de 2023

A produção do vinagre e as suas diversas aplicações

 
Vinagre era o produto obtido, apenas, da fermentação acética do vinho. O termo “vinagre” (em Latim, “acetum” ou “vinum acre”), surgiu, entre nós, a partir da expressão francesa “vin aigre”, a significar “vinho azedo”. E é o produto da transformação do álcool em ácido acético por bactérias acéticas. A sua História é correlata com a do vinho e remonta ao ano 8000 a.C.
Tido, por Hipócrates, como substância medicinal, há referências ao vinagre que remetem para a crucificação de Cristo e para o Antigo Testamento. No Antigo Egito, havia indícios do seu uso, sobretudo como medicamento e como aliado no tratamento de doenças respiratórias e de úlceras, pelas suas caraterísticas anti-inflamatórias e desinfetantes. Na Babilónia, em 5000 a.C., era feito do sumo da tamareira e usado para conserva de alimentos. Os Egípcios, os Gregos, os Indianos e os Persas apreciavam-no pelo aroma refrescante (bebiam-no diluído em água), usavam-no como tempero ácido e picante e como conservante de carnes, de peixes, de legumes e de picles. Com efeito, é relevante a sua utilidade na conservação de alimentos, pois, levando em conta que, em épocas remotas, não havia frigorífico, vê-se como foi essencial na conservação da comida e de alimentos, em geral. Porém, foi Louis Pasteur (1822-1895) quem determinou as bases científicas da sua produção industrial.
O vinagre é um condimento, pois a sua principal finalidade é atribuir gosto e aroma aos alimentos. Os condimentos, ingeridos em quantidade moderada, estimulam a digestão. E este apresenta propriedades estimulantes, pois favorece a secreção do suco gástrico, aumentando a ação dissolvente. Em quantidade moderada, tem ação local, excitando as glândulas secretoras: a pouca adstringência e a ação moderadora nos capilares das mucosas tornam-no moderador da sede. Mas ingerido em excesso, a ação digestiva é prejudicada até ao momento em que se torna corrosivo para a mucosa gastrointestinal. Por isso, não é indicado para pessoas nervosas e com os órgãos respiratórios irritáveis.
A ação do vinagre sobre os alimentos torna-os mais digestivos, sobretudo os fibrosos, que são amaciados e transferidos em melhores condições, para serem tratados pelo suco digestivo. Para o organismo humano, a reação ácida aumenta a atividade dos fermentos gástricos e promove efeito excitante da glândula pancreática. O homem, em geral, tem sensação agradável quando degusta produtos com acidez compreendida entre 0,3% e 0,8%. O ácido acético (do vinagre) é, dos ácidos orgânicos, o mais dissociável, de onde resulta ação favorável à digestão. Pelo baixo peso molecular do ácido acético, o vinagre é considerado superior aos outros alimentos ácidos, cuja molécula tem maior complexidade estrutural e de mais difícil solubilidade e absorção.
O vinagre também é utilizado, para conservar vegetais e outras substâncias, atribuindo-lhes gosto agradável, e empregado como purificador do ar. Assim, foi utilizado, no passado, como desinfetante. Nas epidemias de cólera, que arrasaram a Europa, a recomendação era lavar com vinagre todas as frutas e hortaliças, antes do consumo. Apresenta ação antissética contra a cólera, contra a Salmonella spp e contra outros patógenos do intestino que causam infeções e epidemias, assegurando um ambiente ácido do suco gástrico que representa uma defesa contra as intoxicações microbianas que podem ocorrer.
O vinagre, que foi utilizado como medicamento, na cura de feridas e úlceras, devido à sua propriedade desinfetante e anti-inflamatória, constitui um condimento de notável valor, graças às suas múltiplas propriedades organoléticas, digestivas, metabólicas e antissépticas.
O vinho e o vinagre foram os primeiros produtos de fermentação espontânea usados pelo homem na alimentação. Embora o vinagre, isoladamente, corresponda ao produto obtido da acetificação do vinho, a matéria-prima utilizada para a sua confeção varia em função da disponibilidade de cada país. Assim, a Itália, a Espanha, a França Portugal a Grécia, países de tradição vitícola, o vinagre é feito sobretudo de vinho. Na China e no Japão, é feito a partir do arroz, enquanto nos Estados Unidos da América (EUA) e na Inglaterra, a partir da sidra e do malte. Na Alemanha, o mais usado é o vinagre de álcool. No Brasil, o vinagre é feito, principalmente, a partir do álcool de cana-de-açúcar e do vinho.
O vinagre é conhecido, há muito tempo. Desde o ano 8000 a.C., tem sido um condimento muito aproveitado, devido às propriedades benéficas para o organismo humano e à sua importância na alimentação. Foi utilizado como bebida refrescante, diluído na água, e como medicamento. E foi recomendado para tratar de disfunções respiratórias, feridas e úlceras, graças às suas propriedades desinfetantes e anti-inflamatórias. Na culinária, o seu emprego era generalizado e constante. Nas guerras, era recomendado aos militares, sobretudo quando atuavam em ambientes húmidos, como parte da ração diária, para prevenir possíveis contaminações microbiológicas, para desinfetar e temperar os alimentos. Nas epidemias de cólera, foi utilizado para desinfeção, para o que se recomendava lavar as mãos, antes e depois de visitar um doente, e lavar as frutas e verduras, antes do consumo. Estudos posteriores mostraram que um vinagre com 5% de ácido acético é letal para os vibriões da cólera, em contacto por cinco minutos.
O químico francês Lavoisier (1743-1794) escreveu, no Tratado de Química Elementar, que o vinagre não é nada mais do que o vinho acetificado, devido à absorção do oxigénio, portanto resultado apenas de uma reação química. Pensava-se que a camada gelatinosa que se forma na superfície do vinho em acetificação, a “mãe do vinagre”, era produto da transformação, mas não a causa. Só mais tarde, Pasteur mostrou que, sem a participação da bactéria acética, não se forma o vinagre. Assim provou: sempre que o vinho se transforma em vinagre, é devido à participação de bactérias acéticas que se desenvolvem na superfície, formando um véu – afirmação negada, categoricamente, pelos químicos da época. Foi Pasteur quem mostrou que o enchimento dos acetificadores com material poroso servia de suporte para o desenvolvimento de bactérias acéticas e não era a causa da acetificação. Os substratos não se acetificavam em contacto com o ar, pela oxidação direta, sendo sempre necessária a participação das bactérias acéticas.
Como noutros campos da ciência, fabricou-se e usou-se o vinagre, antes de se conhecerem as transformações ocorrentes. Aqui entram três tipos de alterações: fermentação alcoólica de um carbo-hidrato, oxidação do álcool até ácido acético e carbonização de álcool.
A fermentação acética corresponde à transformação do álcool em ácido acético por determinadas bactérias, conferindo o gosto caraterístico de vinagre. As bactérias acéticas constituem um dos grupos de microrganismos de maior interesse económico, quer pela sua função na produção do vinagre, quer pelas alterações que provocam nos alimentos e bebidas. Inicialmente, as bactérias acéticas eram designadas por Micoderma vini. Depois, em razão do aspeto morfológico, foram classificadas em Bacterium aceti, Bacterium pasteurianum e Bacterium kurtzingianus. Só em 1898 foram classificadas como sendo do género Acetobacter. Pela classificação atual, pertencem à família Pseudomonodaceae e aos géneros Acetobacter e Gluconobacter. As principais espécies de bactérias acéticas são: Acetobacter aceti, Acetobacter pasteurianus, Acetobacter xylinum, Acetobacter schützenbachii e Gluconobacter oxydans. As bactérias acéticas são instáveis, mostrando acentuado polimorfismo e variação da propriedade bioquímica. Podem perder até a capacidade fundamental de oxidar o etanol a ácido acético.
As principais espécies de Acetobacter, utilizadas no fabrico de vinagre, apresentam-se nas formas de bastonetes e de cocos, formando correntes e filamentos. Em relação à temperatura, o melhor rendimento é obtido entre 25°C e 30°C, embora suportem temperatura mínima de 4°C a 5°C e máxima de 43°C. Contudo, temperaturas inferiores a 15°C e superiores a 35°C tornam a fermentação acética muito lenta, pois reduzem a atividade bacteriana. Quanto ao álcool, a maior parte das espécies suportam até 11,0% v/v. Em relação ao ácido acético, as bactérias acéticas suportam, geralmente, até 10,0%. A bactéria acética ideal é a que resiste à elevada concentração de álcool e de ácido acético, com pouca exigência nutritiva, elevada velocidade de transformação do álcool em ácido acético, bom rendimento de transformação, sem hiperoxidar o ácido acético formado, além de conferir boas características gustativas ao vinagre.
As bactérias acéticas precisam do oxigénio do ar para a acetificação. Por isso, multiplicam-se mais na parte superior do vinho que se está a transformar em vinagre, formando o véu dito “mãe do vinagre”, podendo ser mais ou menos espesso, conforme o tipo de bactéria. Segundo a equação da reação oxidativa, o rendimento da transformação do álcool em ácido acético é: CH3 - CH2OH + O2  ̶ ̶ > CH3 - COOH + H2O; 46g de álcool  ̶ ̶ > 60g de ácido acético; 1g de álcool  ̶ ̶ > 1,3g de ácido acético.
Na prática, para se determinar a quantidade de ácido acético do vinagre a, partir do vinho que o originou, estima-se que, para cada 1% v/v de álcool do vinho, forma-se 1% de ácido acético no vinagre. Por exemplo, vinho de 10% de álcool originará vinagre de 10% de ácido acético, rendimento baixo, para os acetificadores industriais. Outro modo de calcular o rendimento em ácido acético é multiplicar o grau alcoólico do vinho por 1,043. Assim, vinho com 10% v/v de álcool dará origem a vinagre de 10,43% de ácido acético.
As principais perdas de ácido acético, no processo de acetificação, resultam do consumo elevado de álcool pelas bactérias, à evaporação natural dos constituintes voláteis (álcool, ácido acético) e a problemas industriais. Nalguns casos, a perda de ácido acético pode ser mais elevada, devido à transformação do ácido acético em água e em dióxido de carbono, pela presença predominante de bactérias Acetobacter xylinum.
 O elemento mais comum da confeção é o vinho, mas há vários tipos em razão da matéria-prima:
- Vinagre de álcool: de sabor mais forte, é indicado no tempero de peixes, aves, carnes e saladas;
- Vinagre de maçã: menos ácido, tem paladar mais frutado, sendo muito usado na culinária em molhos e em saladas.
- Vinagre balsâmico: de aspeto nobre e refinado, tem gosto agridoce, combinando com massas e até aromatizando sobremesas.
- Vinagre de arroz: típico do Oriente, é peça-chave da culinária japonesa. Suavemente adocicado, dá liga, ao ser misturado ao arroz, na produção do sushi.
- Vinagre de vinho branco ou de champanhe: é muito utilizado no preparo de saladas e de molhos.
- Vinagre de vinho tinto: com propriedades mais ácidas do que os demais tipos, é utilizado em saladas e molhos, bem como no tempero de diferentes sanduíches e lanches.
Há, ainda os vinagres de sidra, de malte e de cana, entre outros. De que será feito um muito famoso vinagre da Bairrada (creio que de Sangalhos)?
Historicamente, o vinagre sempre exerceu benefícios no tocante à saúde. Exemplo disso foi a sua aplicação na I Guerra Mundial, quando soldados usavam o vinagre para evitar contaminações por micróbios, por exemplo. Usa-se para aliviar a picada de abelha e até como analgésico para dores de cabeça. Porém, o uso medicinal do vinagre não fica por aqui. Entre outros efeitos benéficos à saúde temos: a cicatrização de feridas; a redução da hipertensão; as melhoras no sistema circulatório e no cardíaco; o combate à obesidade; a ação diurética no organismo; a forte ajuda no combate à caspa (vinagre de vinho branco); a ção antioxidante e combate aos radicais livres (no caso dos vinagres obtidos através da fermentação de frutas);
Outra faceta do vinagre é a aplicabilidade na limpeza doméstica, por exemplo: na remoção de sujidade e na repelência de moscas (“com vinagre não se caçam moscas”) e de formigas (basta despejar algum vinagre puro no chão e passar o pano); desinfeção de sanitas, de vidraças (sem deixar risco ou arranhão) e do micro-ondas; na lustração de móveis, misturado com óleo de linhaça e terebintina; na limpeza de talheres, se feita uma solução com vinagre de álcool, água e gotinhas de cândida; na higienização do colchão; etc.
Enfim, apesar de acre, é muito polivalente: uma espécie de pau para toda a colher.

2023.08.14 – Louro de Carvalho


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