quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Está na ribalta pública a agenda de uma discutível reforma fiscal

 

No tradicional discurso da Festa do Pontal, a 14 de agosto, que assinalou a propalada rentrée política do maior partido político da oposição, o líder social-democrata propôs, com pompa e circunstância, um “programa global para o sistema fiscal” do país.

Advertindo que não quer pôr em causa “o equilíbrio das contas públicas”, uma vez que o Partido Social Democrata (PSD) não é “populista”, sugeriu que os socialistas são os “cristãos-novos” das contas certas.

Luís Montenegro frisou que este programa serve para “simplificar” e para “tornar o sistema mais justo” e previsível, porque “não se consegue captar investimento, se não se der previsibilidade”. Assim, os objetivos das medidas passam pela diminuição da carga fiscal para as famílias, pela clarificação das áreas onde o Estado aplica o excedente fiscal, pelo incentivo à fixação de jovens e pelo estímulo à produtividade dos trabalhadores, tanto no setor público como no privado.

Sintetizam-se em cinco as medidas que o PSD vai apresentar, em setembro e em sede do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024):

- Diminuição de 1200 milhões de euros do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) das famílias portuguesas, já neste ano. O presidente do PSD prometeu apresentar este projeto-lei, a 20 de setembro, para reduzir a taxa em todos (?) os escalões de rendimentos, uma medida que será financiada pelo excedente esperado para a receita fiscal em 2023. A proposta passa pela diminuição das taxas marginais do IRS, começando em 1,5%, no primeiro escalão, passando a 2%, no segundo escalão, 3%, nos terceiro, quarto, quinto e sexto escalões, e ficando-se em 0,5% e em 0,25% nos dois escalões seguintes. Grosso modo, a taxa marginal de imposto, ou seja, o que efetivamente se paga, diminui até ao sexto escalão cerca de 10%.

- IRS jovem. É uma medida que o líder do PSD reconhece ser “repetida”. Assim, o PSD insiste em reduzir para 15% a taxa de IRS para os jovens até aos 35 anos, que pagariam “um terço do imposto”, em comparação com o que pagam atualmente.

- Atualização obrigatória dos escalões, tendo por referência a taxa de inflação. Luís Montenegro defende que esta lei deveria ter valor reforçado, ou seja, ter aprovação da mesma maioria que é exigida para a aprovação das revisões constitucionais, surgindo como um pacto de regime.

- Introdução na lei de um mecanismo para que a Assembleia da República (AR) debata o excedente de receita e para que “o país saiba o que o Estado faz com o excedente fiscal”.

- Combate pela produtividade. Para responder à baixa produtividade no país, o líder da oposição vai apresentar, para o próximo Orçamento do Estado, uma proposta no sentido de que todos os rendimentos atribuídos a título de desempenho e produtividade, “na Administração Pública ou nas empresas”, fiquem isentos de qualquer imposto sobre o rendimento – IRS e imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) –, de contribuição da taxa social única (TSU) do trabalhador e da empresa, até 6% dos vencimentos base.

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Entretanto, o PSD enviou uma nota às redações, a marcar uma conferência de imprensa para 16 de agosto, em que António Leitão Amaro e Joaquim Miranda Sarmento iriam apresentar, ao pormenor, a reforma fiscal e a redução de impostos, avançadas pelo líder social-democrata.

Efetivamente, como aprazado, o PSD detalhou as medidas para baixar os impostos, que foram avançadas pelo líder na Festa do Pontal. São cinco medidas para “uma reforma fiscal de fundo”, resume António Leitão Amaro, vice-presidente do PSD, considerando que “Portugal tem um problema sério” e que os portugueses pagam demasiados impostos”, mas que o maior partido da oposição tem a solução nas cinco propostas enunciadas.

Os social-democratas reiteram a redução das taxas marginais de IRS aplicáveis em todos os escalões, exceto no último, sendo o objetivo reduzir os impostos em 1200 milhões de euros para todos os portugueses. É uma redução “possível, sustentável e financiada exclusivamente com o excesso de receita fiscal que o Estado, pela mão do [Partido Socialista] PS, está a cobrar aos portugueses”.

O referido vice-presidente do PSD considera que esta medida, com vista a entrar em vigor ainda este ano, é “mais do que prudente e mais do que sustentável”, pois o valor corresponde a metade do excesso de receita fiscal, que se estima ficar entre 2100 e 2500 milhões de euros, neste ano.

Por outro lado, é preciso reduzir o IRS para os jovens, a fim de os fixar no país. A medida pressupõe que todos os jovens até aos 35 anos, excluindo os que se encontram no último escalão, tenham o seu IRS cortado em dois terços. “É uma redução extraordinária e um sinal que o país precisa de dar de reduzir os impostos sobre os jovens para que os jovens qualificados parem de sair do país, como estão a sair nesta quantidade preocupante”, afirmou António Leitão Amaro.

“Temos de estancar esta emigração jovem qualificada e esta medida é fundamental”, vincou.

Para estimular a produtividade, o PSD propõe uma isenção de IRS e TSU, para prémios de produtividade, atingindo os que têm um valor até 6% do vencimento da remuneração base anual.

“Com isto, estimulamos os trabalhadores para que tenham interesse ou, se quiserem, removemos a penalização fiscal para aqueles que decidem fazer mais e produzir mais, dentro das horas de trabalho”, explicou o vice-presidente dos social-democratas, reiterando: “Precisamos de fixar os jovens, [de] aumentar os rendimentos da classe média e de incentivar a produtividade.”

Por último, o PSD propõe duas medidas estruturais de longo prazo: a atualização dos escalões do IRS, em linha com a inflação, e a regulação dos excessos de receita fiscal: primeira tem como objetivo “obrigar a atualização dos escalões do IRS, em linha com a inflação para impedir, como o governo socialista tem feito, aumentos de IRS encapotados”; a segunda pretende “disciplinar e tornar transparentes eventuais excessos de receita”. Deste modo, sempre que existirem excessos de receita fiscal, “o Estado só os pode gastar, caso haja uma deliberação parlamentar ou uma lei que faça uma revisão orçamental e que aprove esses excessos”. Caso contrário, “esse excesso não pode ser utilizado, em respeito à deliberação parlamentar”.

Na conferência de imprensa, o líder parlamentar do PSD anunciou que o grupo parlamentar já marcou um debate potestativo para o dia 20 de setembro, em que as cinco propostas serão apresentadas como iniciativas legislativas a discutir e votar nesse dia.

Joaquim Miranda Sarmento considera que tal debate ajudará os portugueses a perceber as escolhas socialistas: “No dia 20 de setembro ficará claro, para o país, se o PS quer mesmo baixar os impostos às famílias ou, se pelo contrário, continua enredado em politiquice e desculpas, continuando a utilizar a política fiscal para aumentar o valor da receita e para engordar os cofres do Estado.”

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É óbvio que tal reforma, a não ser que o PS a adote, parcial ou totalmente, ficará pelo caminho, até que haja novas eleições para a AR, antecipadas ou quando se aproximar o termo normal da legislatura em curso. Contudo, é uma audaz ou hipócrita agenda política – para reduzir a carga fiscal, otimizar o sistema fiscal e operacionalizar a reforma da infraestrutura tributária – e vale como item sensível de um mais abrangente programa eleitoral.

Não se crê que o governo e o partido que o suporta na AR, com maioria absoluta, fiquem sensibilizados com esta arremetida do PSD. Com efeito, as reações, já expostas previamente ao discurso de Luís Montenegro vinham no sentido de o partido opositor estar a dar uma cambalhota política, contrariando o seu recente historial.

Do meu ponto de vista, há um exagero na acusação ao PS de bater recorde no aumento de impostos, pois até vem fazendo algumas (poucas e pequenas) reduções cirúrgicas. O que tem acontecido é que, graças ao aumento, embora tímido, do emprego e ao aumento dos preços (ditado pela inflação e pela crise energética e da economia de guerra, na Europa), bem como ao aumento nominal médio dos salários, a carga fiscal sofreu um muito grande aumento, quer do lado da tributação, quer do lado da contribuição para a Segurança Social, sem esquecer as coimas.

Além disso, é desadequada a comparação com os governos de maioria absoluta de Cavaco Silva. Com efeito, os tempos são outros, as mesmas receitas não resultam em todos os tempos e, se a História fizer um levantamento exaustivo das governações desses tempos, provavelmente não registará apenas sucessos, tal como na primeira maioria absoluta do PS. Talvez muitas das suas consequências que hoje deixam país em défice técnico venham daí. Só a título de exemplo, menciono a supressão e o abandono de parte muito considerável da ferrovia, o eclipse de grandes empresas portuguesas e a privatização a esmo da banca, no pressuposto de que os privados gerem melhor. E porque não falar dos gastos preparatórios do novo aeroporto ou da alta velocidade?   

A acusação racional que se pode fazer ao governo e ao seu partido é que não tem apoiado, com a suficiência devida, as famílias (os pobres e a classe média) e as empresas que suportam dolorosamente a crise. Porém, é de questionar qual o governo que o fez em algum tempo.

Por fim, devo dizer que me daria muito jeito uma redução do IRS e que pagamos taxas obscenas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), até em relação a outros países e às nossas regiões autónomas. Resta saber quem aumentou estes impostos. Porém, tenho de admitir que é imprudente usar de um superavit fiscal para reduzir impostos de forma significativa, pois devemos pensar nas contas do país a contraciclo; não sabemos durante quanto tempo a crise de guerra estará connosco; é preciso reduzir o défice e a dívida; e, por fim, a carga fiscal tem de manter-se ou até de aumentar, a longo prazo, porque está a aumentar o número daqueles e daquelas que mais precisam dos benefícios do Estado Social. Veja-se o que se passa em unidades de saúde do Sistema Nacional de Saúde, em lares de terceira idade, em unidades de cuidados continuados, em associações de solidariedade: tanta gente e com tantas limitações. Veja-se o que é preciso gastar em Educação, em Saúde, na Justiça, na Segurança Pública, na Cultura, etc.

E eu não queria adormecer em promessas de redução de impostos e, após umas eleições, ver um aumento dos mesmos, sob o pretexto de que a situação financeira era diferente do esperado. No entanto, concordo que haja uma lei, de valor reforçado, que estabeleça a atualização obrigatória dos escalões, tendo por referência a taxa de inflação. 

Talvez seja mesmo necessário repensar o atual modelo económico de desenvolvimento: o da economia que mata; que não sabe distribuir a riqueza que se cria; que leva a que o número de muito ricos seja cada vez menor e esses sejam mais abastados; e que faz com que o número de muito pobres seja cada vez mais numeroso e estes sejam cada vez mais carecidos. Talvez tenhamos de reler o discurso do Papa no Centro Cultural de Belém, do passado dia 2 de agosto!

Por fim, é de questionar por que não fazem a oposição e o governo intensa campanha contra a corrupção no Estado e nas empresas e contra a economia paralela (informal, subterrânea)? Estudos referem que mais de 84 mil milhões de euros fogem aos impostos…

2023.08.16 – Louro de Carvalho

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