domingo, 13 de agosto de 2023

Desafiados a perseverar na fé, ante as dúvidas da vida

 

Ocorreu, a 12 e 13 de agosto de 23, sob a Presidência de D. Filomeno do Nascimento Dias, Arcebispo de Luanda, a Peregrinação Aniversária Internacional ao Santuário de Fátima, que assinala a memória da 4.ª aparição da Virgem Maria na Cova da Iria (que foi, excecionalmente, nos Valinhos a 19 de agosto, pelo facto de os pastorinhos terem sido impedidos de comparecer na Cova da Iria, no dia aprazado, e não a 13, como das outras vezes).

Como vem sendo hábito, esta peregrinação, porque nela participam inúmeros migrantes, integrou a Peregrinação Nacional dos Migrantes, que, desta vez, encerrou a 51.ª Semana Nacional das Migrações, que decorreu sob o tema “Livres de escolher: se ficar ou emigrar”.

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Na homilia da Celebração da Palavra da noite de 12 de agosto, D. Filomeno do Nascimento Dias exortou os peregrinos reunidos no Recinto de Oração do Santuário de Fátima a “conceberem Jesus espiritualmente”, através da escuta da Palavra e do anúncio da vida nova em Cristo, seguindo o modelo “excelso” da Mãe de Deus. “A obra de Deus nunca cria estaticidade, em Deus nunca estamos parados. Quando Deus nos encontra de verdade, mexe connosco e colocamo-nos a caminho, em peregrinação, em ação, para sermos úteis aos irmãos; a fim de que, estes, por sua vez, vejam em nós a bênção de Deus, percebam que, em nós, se está a cumprir uma grande obra de Deus, tal como se deu em Nossa Senhora”, afirmou o prelado luandense, ao garantir a fidelidade e a providência de Deus na história da humanidade.

A partir do relato da Visitação, proclamado no Evangelho, o arcebispo perspetivou Nossa Senhora e Santa e Isabel como “prefiguração da comunidade crente”, onde “Maria tem um duplo papel: o da maternidade, que lhe é exclusivo; e o de crente, que faz dela discípula”.

Ao enaltecer a “diligência, o esmero, a atenção e o entusiasmo” de Maria na Visitação, D. Filomeno Dias recordou o apelo do Papa Francisco aos jovens, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), para a ação missionária cristã de “viver levando Aquele que amamos aos outros, […] mostrando ao mundo o que nos sustenta e fortalece”.

“Do mesmo modo que Maria nos precede na comunidade dos discípulos, nós também devemos inserir-nos na sua exclusividade; ou seja, devemos conceber Jesus espiritualmente, ao ponto de inserirmos toda a nossa disponibilidade e toda a nossa fé no mistério de Cristo”, encorajou o presidente da Peregrinação, ao apresentar Fátima como “lugar da descoberta do Senhor da Vida”, por meio da ação do Espírito Santo, que nos projeta para a missão do anúncio da Boa Nova.

Assim, o Arcebispo de Luanda entende que os peregrinos, concebendo Jesus espiritualmente, serão anúncio da vida nova em Cristo

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Na madrugada, a vigília de oração, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, teve a dinamização dos secretariados diocesanos, das “cáritas diocesanas” e dos grupos paroquiais convocados pela Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM).

Depois, como é hábito, a Peregrinação continuou na manhã do dia 13.

Após a recitação do Terço do Rosário na Capelinha das Aparições e da procissão com o andor de Nossa Senhora para o Altar do Recinto de Oração, procedeu-se à celebração da Eucaristia, seguida da Adoração ao Santíssimo Sacramento, da Bênção ao Povo e da Procissão do Adeus.  

Na saudação inicial, o presidente da Peregrinação saudou os prelados que concelebraram consigo: D. José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), a quem agradeceu o convite para presidir a Peregrinação de Agosto; e D. José Traquina, Bispo de Santarém, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana. E saudou D. Rui Valério, pela recente nomeação como Patriarca de Lisboa.

Na homilia, refletindo sobre a dicotomia da dúvida e confiança que experimenta quem crê, encorajou a assembleia a “subordinar a dúvida à verdade da fé”, tendo como exemplo a entrega incondicional de Maria aos desígnios de Deus. E fê-lo a partir da “perfeita metáfora sobre a fé” do episódio do Evangelho, em que Jesus caminha sobre as águas.

“Somente na beleza da graça somos capazes de subordinar a dúvida à verdade da fé. Verdade esta que configura toda a nossa caminhada terrena, quando se deixa moldar qual Maria, a Virgem de Fátima que, sem entender completamente, aceitou o projeto divino com um Fiat. […] Também nós fazemos este discipulado, entramos nesta escola de vida, feita de fé ativa e viva. Entramos na escola desta Mulher, pobre e simples, que é feliz, porque acreditou”, sustentou o prelado luandense, ao apresentar Fátima como lugar que “fala desta presença de Deus na nossa história, na nossa vida, nas águas agitadas dos oceanos e nas horas escuras da vida”.  

“É bom estarmos aqui, neste lugar de paz, de amor, onde nos sentimos acolhidos e temos uma oportunidade única de estarmos em diálogo connosco, de percorrermos a nossa história e reorientarmos os nossos caminhos... Lugar de gratidão, de louvor, onde nos sentimos família de Deus”, disse logo no início da homilia, na qual perspetivou a fé como “um desafio progressivo” e “um ato de confiança que permite prosseguir o caminho da vida”. “A fé é o Homem e a sua existência, o Homem e as suas circunstâncias. Como Maria, como Pedro, como os profetas, como os santos, o Homem de fé também tem os seus medos, as suas dúvidas e hesitações, os seus momentos de desespero e arrepio. […] Diante de todas essas realidades vem a voz de Deus, quando vimos a Maria, que nos diz: ‘Não temais, o Senhor está convosco!’”, assegurou.

“Neste Evangelho, a fé não é uma realidade que começa do nada, mas um dado que começa a partir de qualquer coisa, do pouco; e vai observando um crescendo. Porém, este pouco pode ser nada, se não se considera o encontro com Jesus, mas pode ser tudo e fazer a diferença, se se continua a caminhar com Jesus”, alertou, exortando os peregrinos a manterem a fé “sempre em exercício, sempre desperta e ativa”, sob o perigo de ela se “atrofiar como um músculo inutilizado”.

Falando da migração, um tema inevitável nesta peregrinação fatimita, o prelado preconizou que se trata de um “fenómeno complexo”, que deve ser acompanhado numa lógica de acolhimento e de integração. E lembrou a realidade que se vive, particularmente, no Mediterrâneo.

Citando a mensagem do Santo Padre para o Dia do Migrante e Refugiado, o arcebispo destacou a importância de se configurar a migração como “fruto duma escolha livre”, num esforço global para melhor acompanhamento e gestão dos fluxos migratórios, “construindo pontes e não muros”, através da comunidade “pronta a acolher, proteger, promover e integrar a todos, sem distinção”.

No momento de Adoração ao Santíssimo Sacramento e Bênção dos Doentes, a palavra ao Doente ficou a cargo de Eugénia Quaresma, diretora da OCPM, que apontou Nossa Senhora como modelo de “confiança e [de] gratidão”, alertando para a urgência do “consolo, da esperança, do cuidado”, do reconhecimento da “interdependência, enquanto cidadãos, e povos” e da promoção de “soluções criativas para devolver a dignidade, aproximar famílias, combater a solidão”.

“Aqui, no ‘altar do mundo’, damos graças por tantos missionários e missionárias que partem apressadamente para cooperar no desenvolvimento de estruturas e [de] profissionais de saúde além-fronteiras. Aqui, no ‘altar do mundo’, coloco os doentes que estão entre nós, ao abrigo dos acordos de saúde, que possam em Ti encontrar conforto e nas nossas pessoas e estruturas, o cuidado de que necessitam”, concluiu na sua alocução.

Na alocução final, o Bispo de Leiria-Fátima destacou o tema da mobilidade e das migrações humanas, que tradicionalmente dá mote a esta Peregrinação Internacional Aniversária, alertando para a “miséria, conflitos e falta de dignidade” que acomete esta realidade.

“Maria, que veneramos neste Santuário, foi uma peregrina de Deus no Mundo e a Igreja é peregrina, entre todas as nações da Terra, a caminho da pátria do Céu. Que a Mãe de Deus acompanhe os emigrantes, que deixam a sua terra à procura de melhores condições de vida, acompanhe, particularmente, aqueles que, ao longo deste caminho, são postos à prova, são injustiçados, são explorados e, por vezes, encontram sofrimento e morte. Que Ela dê aos países para onde eles vão um coração aberto, para acolherem os que chegam e para reconhecerem o contributo que eles vão dando às sociedades que os sabem acolher”, pediu D. José Ornelas.

O prelado deu graças a Deus pela JMJ, perspetivando o encontro mundial como exemplo prático da comunhão na diferença e um anúncio da “da fé e da universalidade do amor de Deus, que transforma o Mundo”.

D. José Ornelas agradeceu a presença e as palavras de D. Filomeno Dias, que disse trazer “a memória grata e inspiradora da Igreja em Angola, na sua juventude e espírito missionário”. Agradeceu a presença de D. Rui Valério, pedindo a Nossa Senhora que “oriente os seus passos de pastor ao serviço do povo que lhe é confiado”. Agradeceu a presença de D. José Traquina, responsável pelo setor das Migrações na Igreja em Portugal, e a de todos os sacerdotes e peregrinos presentes na Cova da Iria, sobretudo os mais pequenos, a quem desejou boas férias. E saudou os peregrinos de língua espanhola, italiana e inglesa, antes de convidar a assembleia a participar num momento de consagração pessoal a Nossa Senhora. 

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É, ainda de referir que a celebração da Eucaristia incluiu a tradicional oferta de trigo, ação que se repete pela 83.ª vez, e que foi iniciada por um grupo de jovens da Juventude Agrária Católica de 17 paróquias da Diocese de Leiria, que, em 1940, começou por oferecer 30 alqueires de trigo, destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário de Fátima.

No final, ante os jornalistas, o reitor do Santuário destacou a enorme presença de jovens na Cova da Iria, no contexto da JMJ. Preparou-se o acolhimento dos participantes na JMJ, no período de 24 de julho a 10 de agosto, em que houve um número superior a 1.150.000 de presenças (participantes em celebrações) no Santuário. Fez saber o padre Carlos Cabecinhas, dando nota de que muitos dos que passaram por ali não terão participado em nenhuma celebração.

O dia em que o Papa rezou na Capelinha das Aparições foi o que registou a maior presença de peregrinos no Santuário, seguido do dia 31 de julho, num momento em que os jovens que estavam nas dioceses, na pré-jornada, na sua deslocação para Lisboa, passaram por Fátima.

No dizer do reitor, são números muito animadores e que ultrapassaram as que eram a nossas melhores expetativas. Foram 68 as nacionalidades de jovens que se fizeram presentes em Fátima. “Tivemos aqui uma presença muito significativa de todos os continentes, de muitas partes do mundo”, concluiu, fazendo referência ao trabalho de acolhimento encetado pelo Santuário, nomeadamente através da Aldeia Jovem, que ofereceu aos jovens condições de alojamento e alimentação, acolheu mais de 2.600 jovens no acantonamento, 1.500 jovens no acampamento e atendeu de mais de 15 mil peregrinos na tenda de refeições.

A 8 de agosto, registaram-se 56 celebrações, embora com um “número bem mais restrito de peregrinos que nos outros dias”, revelou ainda o sacerdote.

Interrogado sobre o futuro, após a JMJ, projetou a presença dos jovens nas últimas semanas como um contributo fundamental para a difusão da mensagem de Fátima. Da JMJ fica o entusiasmo contagiante da presença dos jovens. Desde o início, se vincou que era uma aposta de futuro, que era o esforço de dar a conhecer Fátima aos mais jovens, certos de que voltarão. Por outro lado, foi um momento fundamental para se dar a conhecer Fátima, na certeza de que “os jovens vão ser agora os grandes anunciadores e difusores da mensagem de Fátima, nos seus países”.

Num pedido de reação ao número de peregrinos a 5 de agosto, em que o Papa se fez presente em Fátima, o reitor assumiu uma presença que “não surpreendeu, nem desiludiu”, justificando o número de peregrinos pelo facto de o momento de oração na Capelinha se inserir na vinda do Santo Padre a Portugal para a JMJ, e realçando a dificuldade expectável de mobilizar os jovens, nesse dia, para a Cova da Iria. “As autoridades tinham avançado com uma expetativa muito mais elevada, mas, da nossa parte sempre moderámos esse entusiasmo, pois tínhamos consciência de que não seria um dia de enchente como foi em 2017”, acrescentou.

Mais do que os números ou clareiras no Santuário, sublinhou as atitudes e os gestos desse dia, vincando o cuidado e a atenção do Papa para com os reclusos, os doentes e os jovens com deficiência, assim como as várias referências que o Santo Padre fez, posteriormente, da sua vinda a Fátima como “um momento importante de oração pela paz”.

2023.08.13 – Louro de Carvalho

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