quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Grupo BRICS adiciona mais seis países e “desdoloriza”

 

O grupo BRICS é um bloco de países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as denominadas economias emergentes, que representa mais de 42% da produção mundial e deve mudar a economia mundial até 2030, sendo o maior parceiro comercial de África.

De 22 a 24 de agosto, decorreu em Sandton, no município metropolitano de Joanesburgo, na África do Sul, a 15.ª cimeira de chefes de Estado e de Governo do BRICS. E o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou, a 24, em conferência de imprensa conjunta, no âmbito das deliberações da cimeira, a entrada da Argentina, do Egito, da Etiópia, do Irão, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos no grupo de economias BRICS. “Decidimos convidar a República da Argentina, a República Árabe do Egito, a República Federal da Etiópia, a República Islâmica do Irão, o Reino da Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, para serem membros de pleno direito, efetivo a partir de 1 de janeiro de 2024”, declarou.

Cyril Ramaphosa disse que os líderes BRICS adotaram a declaração “Joanesburgo II” da 15.ª Cimeira dos BRICS. Com efeito, nos últimos dois dias da cimeira, chefes de Estado do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul envolveram-se em conversações sobre vários temas, incluindo o reforço da cooperação de segurança, energética, comercial, económica e social. Brasil, Índia e África do Sul estiveram representados pelos respetivos chefes de Estado. A Rússia, esteve representada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov. E, segundo o líder sul-africano, cerca de 1500 líderes empresariais de vários países participaram no Fórum empresarial do bloco. O presidente francês, Emanuel Macron, sugerira a sua participação neste fórum, mas o convite não chegou ao Eliseu.

Já no dia 23, Naledi Pandor, chefe da diplomacia do país anfitrião, avançava que o BRICS adotou um documento que “estabelece diretrizes e princípios, e processos para considerar os países que desejam tornar-se membros”.Essencialmente, concordamos na questão da expansão, temos um documento que adotámos que estabelece diretrizes e princípios, e processos para considerar os países que desejam tornar-se membros do BRICS, o anúncio mais detalhado será feito pelos líderes do BRICS antes da conclusão da cimeira”, precisou.

A ministra das Relações Internacionais e Cooperação sul-africana, que falava a um canal de rádio tutelado pelo seu ministério, disse que o bloco estabeleceu uma aliança de mulheres e um fórum para a juventude dentro do BRICS. “É extremamente importante [como] a formação da juventude. Pela primeira vez, tivemos dois jovens líderes a dirigirem-se aos líderes do BRICS de forma muito positiva e inspiradora, estabelecendo as aspirações dos jovens dos países BRICS, relativamente ao papel que esperam que os BRICS desempenhem no desenvolvimento dos jovens”, salientou.

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Esteve, pois, no centro do debate a expansão do grupo, cujo historial e interesses se podem sintetizar como segue.

Em 2009, a Rússia teve a iniciativa de formar um bloco de países que fizessem frente à ordem mundial liderada pelos Estados Unidos da América (EUA) e às potências económicas do dito Ocidente. Unindo-se ao Brasil, à Índia e à China, nasceu o BRIC, inspirado no acrónimo cunhado, anos antes, por Jim O’Neill – ao tempo, economista-chefe do Goldman Sachs – num trabalho de investigação que vincava o potencial de crescimento das quatro economias.

Dois anos depois da sua oficialização na cimeira de Ecaterimburgo, na Rússia, juntou-se ao grupo a África do Sul, assumindo o grupo a designação de BRICS. E, em 2014, foi anunciada a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), instituição financeira que, desde a sua formalização, emprestou mais de 30 mil milhões de dólares para projetos de infraestruturas, de energia renovável e de transportes nos países-membros. E formou-se o Fundo de Reservas do BRICS, com 100 mil milhões de dólares, para preservar a estabilidade financeira em tempos de crise.

O BRICS não é organização formal como as Nações Unidas, o Banco Mundial ou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), ou nem bloco económico, como a União Europeia (UE). Todavia, funciona por consenso, cada país assume a presidência rotativa do grupo por um ano, e os membros integram o G20, que reúne as 20 principais economias.

Agora, o grande tema, na agenda da cimeira, foi a expansão do grupo a mais países. O alargamento sempre esteve no escopo do BRICS – de tal modo que a África do Sul entrou um ano e meio após a primeira cimeira –, impulsionado sobretudo pela China, mas tem enfrentado a resistência dos restantes membros. No entanto, o contexto atual é diferente do de 2010, sobretudo se se tiver em conta a pandemia de covid-19, que fez aumentar a insatisfação dos países em desenvolvimento, face aos Estados mais ricos. Embora enfrente uma fase de abrandamento económico, Pequim consolidou-se como potência e viu crescer a sua capacidade de influência a nível internacional; Moscovo precisa de apoio de outros países, quando está em guerra contra a Ucrânia e enfrenta pesadas sanções dos EUA e dos aliados; e a África do Sul vê o seu papel de liderança em África questionado perante economias em crescimento na região.

Foram debatidas formas de acelerar o distanciamento do dólar norte-americano, pela maior utilização de moedas locais no comércio entre os países membros. Porém, Jim O’Neill considerou uma “loucura” a ideia de uma moeda comum do BRICS a superar o dólar.

Além dos seis países admitidos, muitos outros queriam entrar. Entre Irão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Argélia, Bolívia, Indonésia, Egito, Etiópia, Cuba, República Democrática do Congo, Comores, Gabão e Cazaquistão, contam-se mais de 40 que manifestaram interesse em aderir, para os quais o BRICS é um sinal de esperança, já que esperam que a adesão ao bloco lhes traga benefícios como o financiamento do próprio desenvolvimento económico e o aumento do comércio e do investimento.

O Irão, que detém cerca de um quarto das reservas de petróleo do Médio Oriente, espera que o mecanismo de adesão seja decidido “o mais rapidamente possível”, ao passo que a Arábia Saudita esteve entre os países que participaram nas conversações dos “Amigos dos BRICS” na Cidade do Cabo, em junho, tendo recebido o apoio da Rússia e do Brasil.

Sobre a adesão da Arábia Saudita ao BRICS, Jim O’Neill antecipa que seria “um grande negócio”, pois os laços estreitos do país com os EUA e o seu papel como o maior produtor de petróleo do Mundo acrescentariam peso ao bloco. Para o economista, a adesão de mais países ao BRICS será economicamente importante, se a Arábia Saudita for um deles, ao invés, é difícil ver o interesse.

Argentina afirmou, ainda em julho de 2022, ter recebido o apoio formal da China. O presidente da Bolívia, Luis Arce, manifestou interesse em aderir ao BRICS, mostrando-se determinado a reduzir a dependência do dólar no comércio externo. A Etiópia, uma das economias de crescimento mais rápido de África, avançou, em junho, que pedira para aderir ao bloco, com um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros a dizer que o país continuará a trabalhar com instituições internacionais que possam proteger os seus interesses.

Em julho, a Argélia anunciou que se candidatou a membro do grupo, bem como a acionista do NBD. Este país, rico em recursos de petróleo e gás, tenta diversificar a sua economia e reforçar a parceria com a China e com outros países.

É possível que as expectativas dos candidatos ao BRICS sejam demasiado exageradas em relação ao que a sua adesão irá realmente proporcionar na prática”, afirmou Steven Gruzd, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais.

Formando contrapeso ao Ocidente, face às tensões entre a China e os EUA e às consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, o aumento do número de membros dará força ao grupo e ao seu desejo de reforma global. Mas as suas ambições de se tornar ator político e económico global têm sido frustradas por divisões internas e pela falta de visão coerente.

Enquanto se esperava que os líderes do BRICS discutissem um quadro para a admissão de novos membros, verificava-se a diminuição dos benefícios tangíveis da adesão. Por exemplo, o NBD está a ser prejudicado pelas sanções contra a Rússia. Já a África do Sul, apesar de ter visto o seu comércio com os países do grupo aumentar, de forma constante, desde a sua adesão, segundo uma análise da Corporação de Desenvolvimento Industrial do país, deve tal crescimento, em grande parte, às importações da China, além de que o bloco representa só um quinto do total do comércio bilateral sul-africano. Por seu turno, o Brasil e a Rússia, em conjunto, absorvem só 0,6% das exportações da África do Sul. Em 2022, o défice comercial do país com os seus parceiros do BRICS tinha quadruplicado para 14,9 mil milhões de dólares, face a 2010.

Estes resultados devem levar os candidatos a pensar duas vezes antes de aderir ao grupo. “É difícil encontrar realizações concretas para os BRICS”, apontou Steven Gruzd.

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Há muitas formas de dividir o mundo e uma delas acabou de se aprofundar: o BRICS vai acolher seis novos membros, num conjunto de economias que contrasta com o G7, que agrega os países mais industrializados do Mundo. A força que o bloco alargado é ainda incerta, mas a inclusão de exportadores de petróleo reforça a “desdolarização”.

A expansão é novo ponto de partida para a cooperação do BRICS. “Trará novo vigor ao mecanismo de cooperação e fortalecerá a força para a paz mundial e para o desenvolvimento”, disse Xi Jinping, presidente chinês, na cimeira. A escolha acabou por recair em seis economias: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irão e Emirados Árabes Unidos.

A escolha dos novos membros não se afigura óbvia para os analistas, tendo Jim O’Neill apontado à BBC que não lhe parece ter havido um “critério objetivo para determinar que países seriam convidados a aderir”. Porém, uma nota do banco ING, com sede em Amsterdão, frisa que a inclusão destas economias “parece refletir os crescentes laços comerciais com os países originais do BRICS”, pois, ao longo dos anos, a sua participação nas importações dos novos convidados aumentou de 23% para 30%, contra a Zona Euro, os EUA e outras economias desenvolvidas.

O presidente do Brasil, Lula da Silva, defende que o grupo “não quer ser contraponto” ao G7 ou ao G20, nem aos EUA, mas que os países se organizem. Porém, vários os sinais apontam para esta ambição e divisão. Um responsável da equipa chinesa disse ao “Financial Times” que, ao expandir o BRICS para “representar uma fatia semelhante do PIB mundial ao G7, a voz coletiva no mundo ficará mais forte”, o que insinua intuito de se opor ao grupo ocidental.

Está por apurar se o alargamento terá impacto no poder do grupo. Contudo, o alargamento do BRICS tem tido impacto no dólar americano, que deixou de ser utilizado em algumas trocas comerciais, substituído pela rúpia indiana e pelo yuan chinês (moedas pouco estáveis, o que dificulta o câmbio). Além disso, o alargamento do BRICS conta com os principais produtores de petróleo a nível mundial, sendo, ainda, o petróleo a principal fonte de energia para o desenvolvimento económico.

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Veremos se a capacidade de estabelecer consensos ultrapassará a tendência capelina para as divergências (uns são democracias, outos não; uns têm armas nucleares, outros não) e para o zelo pelos próprios interesses. Teremos, aqui, nova fonte de paz, num tempo em que a guerra é também – e sobretudo – económica? Teremos à disposição um novo foco de contrapeso, com vista ao equilíbrio no Mundo? O futuro o dirá e nós o esperamos.

2023.08.30 – Louro de Carvalho

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