quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Rússia admite sentir-se forçada a usar armas nucleares

 

Já por várias vezes, Dmitry Medvedev enunciou a ameaça de armas nucleares na guerra contra a Ucrânia, o que era visto como uma simples forma de chantagem sobre o Ocidente, sobretudo sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN) e sobre a União Europeia (UE), organizações que, além de imporem várias sanções económicas ao país invasor, passaram a enviar equipamento militar de vária ordem, ajudam à formação militar e têm manifestado explícito apoio à luta dos Ucranianos na defesa da integralidade do seu território.

Também acreditei que tal ameaça não passava de bluff, mas, depois que a Ucrânia começou a destruir edifícios em Moscovo, tal crença transformou-se-me em hipótese com probabilidade de passar à concretização prática.    

Na verdade, além de a contraofensiva ucraniana estar a ter bastante sucesso, graças à tenacidade das autoridades políticas e militares de Kiev em relação à retomada dos territórios anexados pela Rússia, através de referendos de legalidade duvidosa, drones ucranianos atingiram alvos em Moscovo, que provocaram visível destruição. E isso aconteceu, pelo menos, por três vezes.

Se se trata de simples ensaio para ver o efeito que daí resultará, é uma coisa; mas, se for ensaio exploratório para incursões sistemáticas sobre território russo, com bombardeamentos que atinjam a capital russa, a conjuntura agravar-se-á em grande.  

Ora, no dia 31 de julho, o alto funcionário russo, Dmitry Medvedev, que já foi presidente, primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro e, agora, é vice-presidente do conselho de segurança, apontou que a Rússia pode ser forçada a usar armas nucleares, se a contraofensiva da Ucrânia for bem-sucedida. É a mais recente de uma série de ameaças nucleares feitas pelo principal aliado do presidente Vladimir Putin, em relação à guerra.

“Imaginem que a ofensiva… em conjunto com a NATO, deu certo e acabou com a retirada de parte do nosso território. Então teríamos que usar armas nucleares, em virtude das estipulações do Decreto Presidencial Russo”, escreveu Medvedev, numa postagem no Telegram.

“Simplesmente não haveria outra solução”, acrescentou o ex-presidente russo. “Os nossos inimigos devem rezar aos nossos combatentes para que não permitam que o Mundo seja destruído por chamas nucleares.”

O comentador da CNN Portugal José Azeredo Lopes considera infundadas as ameaças de Medvedev. Todavia, o político russo, que parecia, ao tempo de governante, mais liberal do que Vladimir Putin, agora, é o seu melhor aliado e as ameaças são insistentes.

Na verdade, Medvedev, que foi presidente da Rússia de 2008 a 2012, adotou um tom belicoso durante a invasão de Moscou à Ucrânia, levantando repetidamente o espectro de um conflito nuclear. E a Rússia acusa a Ucrânia de mais ataques ao seu território e sustenta que o Ocidente é responsável pela continuação da guerra.

No atinente às ameaças medvedevianas, regista-se que, no passado mês de abril, alertou para a expansão nuclear russa, caso a Suécia e a Finlândia se juntassem à NATO. Ora, a Finlândia ingressou na aliança de defesa atlântica no final daquele mês, enquanto o caminho de Estocolmo para a adesão foi aberto no início deste mês, depois de a Turquia retirar as suas objeções.

Porém, já em setembro de 2022, Medvedev antecipou que poderiam ser usadas armas nucleares estratégicas para defender territórios incorporados na Rússia a partir da Ucrânia.

E, em janeiro de 2023, enquanto os Estados-membros da NATO, debatiam novos envios de armas para a Ucrânia, Medvedev declarou que a derrota da Rússia na guerra poderia levar a um conflito nuclear. “A perda de uma potência nuclear numa guerra convencional pode provocar a eclosão de uma guerra nuclear”, escreveu no Telegram, em janeiro. “As potências nucleares não perdem grandes conflitos de que depende o seu destino.”

E foi mais adiante: “Isso deveria ser óbvio para qualquer um, mesmo para um político ocidental que reteve pelo menos algum traço de inteligência.”

Os comentários de Medvedev de 31 de julho levantam, novamente, a possibilidade de a Rússia perder a guerra, após quase 18 meses de desgaste – hipótese raramente admissível para um alto funcionário russo.

Esses comentários surgiram poucas horas depois que o Ministério da Defesa da Rússia ter acusado Kiev de atacar Moscou com drones: “Três drones foram intercetados no domingo, mas um empreendimento comercial, no Oeste da capital russa, foi atingido.”

Os Estados Unidos da América (EUA) já alertaram a Rússia contra o uso de armas nucleares na Ucrânia, tanto por comunicações diretas privadas como por canais públicos, inclusive na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2022.

Em junho, o presidente Vladimir Putin revelou que a Rússia havia transferido um primeiro lote de armas nucleares táticas para a Bielorrússia, alegando que foram colocadas lá para dissuasão. Falando no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, disse que o restante das armas nucleares táticas que a Rússia pretende transferir para a Bielorrússia serão transferidas “até ao final do verão ou até ao final do ano”.

A Agência de Inteligência de Defesa dos Estados Unidos (DIA) não vê “razão para duvidar” da afirmação de Putin de que havia armas nucleares na Bielorrússia. Porém, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, disse que os EUA “não viram nenhuma razão para ajustar a sua própria postura nuclear, nem qualquer indicação de que a Rússia se está a preparar para usar uma arma nuclear”.

Já o presidente bielorusso, Alexander Lukashenko, outro grande aliado de Putin, disse, em junho que, ante uma agressão, não hesitaria em usar as armas nucleares táticas russas estacionadas no seu país. Todavia, os altos funcionários do DIA disseram que não acreditam que Lukashenko tenha qualquer controlo sobre o arsenal. “Provavelmente seria totalmente controlado pela Rússia”, disseram as autoridades.

A Rússia, de acordo com a Federação de Cientistas Americanos, tem cerca de 4.477 ogivas nucleares implantadas e de reserva, incluindo cerca de 1.900 armas nucleares táticas.

Contudo, agora, além dos ataques da Ucrânia a Moscovo, ressalta o facto de, alegando a existência de armas nucleares na Bielorrússia e de ali estarem os mercenários do grupo Wagner (que chegou a pretender substituir o presidente russo), os países que têm fronteira com a Bielorrússia reforçaram o controlo fronteiriço com fortes dispositivos militares.  

Por outro lado, a NATO prometeu que, se Moscovo usasse utilizasse armas nucleares táticas contra a Ucrânia ou contra algum país da NATO, atacaria a Rússia, incluindo a capital, com bombardeamentos convencionais.

Ora, se isso vier a acontecer – armas nucleares táticas da parte da Rússia e bombardeamentos convencionais –, eclodirá a guerra em grande extensão. Com efeito, o acionamento do artigo 5.º da NATO (estabelece que “um ataque contra um ou vários aliados na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todos”) implicará que todos os membros da NATO entrarão na guerra.

Se é legítimo que um país entre numa guerra para expulsar o invasor – que era o caso da Ucrânia – já não é legítimo que o país invadido decrete a desforra adentrando pelo território inimigo. E isso está a acontecer porque, graças à propaganda que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky desenvolveu, com êxito geral, a Ucrânia se convenceu de que vai ganhar a guerra. E, por outro lado, o dito Ocidente, que nunca deixou de avançar com a expansão a leste, via NATO e via UE, está disposto a manter o controlo estratégico da Europa não afeta à Rússia e a partilhar o controlo do Ártico, agora mais navegável, graças ao degelo polar.

Portanto, como referem as autoridades russas e alguns observadores, é de crer que nova guerra mundial esteja iminente. E essa será evitada, se as vozes da paz soarem mais alto que as das armas. Mas como se investe mais em armamento do que em Saúde e em Educação, a tarefa não está fácil. Não obstante, é possível, pois a esperança é a última aa morrer.  

2023.08.02 – Louro de Carvalho

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