segunda-feira, 7 de agosto de 2023

China e Rússia em ativa cooperação prática e estratégica

 

Conforme comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, os ministros dos Negócios Estrangeiros chinês e russo congratularam-se, a 7 de agosto, pela “cooperação prática” entre os dois países, numa conversa telefónica em que foi abordado o conflito na Ucrânia.

O comunicado precisa que o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, novo ministro dos Negócios Estrangeiros russo, declarou ao seu homólogo, Serguei Lavrov, que Pequim e Moscovo “deverão manter uma estreita cooperação estratégica, promover a multipolarização do mundo e a democratização das relações internacionais”. E elogiou os recentes progressos da “cooperação prática” entre os dois países, no decurso do contacto telefónico, que, segundo Pequim, também abordou os combates em curso na Ucrânia. Ao referir-se a este conflito, Wang Yi, declarou que o seu país continuará a “manter uma posição independente e justa” e encorajou as duas partes e a iniciarem conversações de paz.

Pequim e Moscovo protagonizam, desde os últimos anos, relações bilaterais cada vez mais estreitas, sobretudo quando as relações dos dois países com o ocidente registaram um progressivo afastamento.

Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo assegurou, em comunicado, que os dois ministros rejeitaram “a política de confrontação do bloco ocidental, face à Rússia e à China”.

“O contacto […] confirmou, uma vez mais, a unidade ou a harmonia geral das abordagens de Moscovo e Pequim em termos de assuntos mundiais”, acrescenta o texto. 

Enviados de 30 países, entre os quais a China, reuniram-se, no fim de semana, na cidade saudita de Jidá, para tentarem encontrar uma forma de terminar a guerra na Ucrânia, mas sem resultados práticos satisfatórios. Porém, presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ficou relativamente confortado com a reunião.

A porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, disse, a 7 de agosto, que o encontro se destinou a promover o plano de paz do presidente ucraniano. Segundo o governo de Moscovo, Kiev e o Ocidente “estão a tentar desvalorizar o elevado valor das propostas de paz de outros países e a monopolizar o próprio direito de as propor”, afirmou em comunicado.

Maria Zakharova disse que Moscovo pretende receber informações dos seus parceiros sobre o encontro. Referiu, em particular, os BRICS, grupo de que a Rússia faz parte juntamente com África do Sul, Brasil, China e Índia. Entre os participantes, estiveram representantes da China, do Brasil e da Índia, considerados próximos de Moscovo, no âmbito da guerra na Ucrânia.

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A 17 e 18 de maio de 2023, o presidente Xi Jinping liderou a cimeira China-Ásia Central, que discutiu a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, projeto que visa abrir novas rotas comercias entre Pequim, a Europa e África. À mesa estiveram mais cinco países da Ásia Central – Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão – deixando em evidência o grande ausente do encontro: a Rússia, país que não foi convidado.

Stefan Hedlund, professor de Estudos Russos na Universidade de Uppsala, na Suécia, vincou: “É a primeira vez que a Rússia, que há décadas, se não mesmo séculos, domina a Ásia Central, é excluída. E isto acontece depois de a Rússia ter perdido amizades em toda a região e de a China ter aproveitado a oportunidade para passar a ser dominante.”

Com o início da guerra na Ucrânia, a China deixara de conseguir fazer circular mercadorias através da Rússia. Desta feita, queria encontrar alternativas com os países vizinhos, nações no quintal de Moscovo, onde Pequim tem cada vez mais influência.

Alguns opinavam que era o fim do domínio russo na Ásia, lançado por Vladimir Putin, na cimeira da  Cooperação Económica Ásia-Pacífico  (APEC) em Vladivostok, em 2012, quando disse que o objetivo era apanhar os ventos chineses nas velas da economia russa, pois davam a economia russa como desmantelada e à deriva, e pensavam que a Rússia vinha a perder relevância como garante da segurança na Ásia Central, desde que iniciou a guerra na Ucrânia, papel que, de acordo com especialistas, a China ainda não estava preparada para assumir, pelo facto de preferir estabelecer laços comerciais.

Entretanto, nos primeiros dias de junho, sabia-se que, em maio, o volume do comércio mensal entre a China e a Rússia atingira o nível mais alto desde a invasão russa da Ucrânia, segundo dados publicados, a 7 de junho, pela Administração Geral das Alfândegas daquele país asiático.

O valor das trocas entre os dois países atingiu, em maio, 141.820 milhões de yuan (18.630 milhões de euros), valor que representa um crescimento de cerca de 51%, face a maio de 2022, e o mais alto desde fevereiro de 2022. E, entre janeiro e maio de 2023, as trocas comerciais entre os dois países ascenderam a 646,1 mil milhões de yuan (84,840 milhões de euros), dados que representam um avanço de 53%, em relação ao mesmo período de 2022.

Em 2022, a Rússia foi o parceiro comercial com o qual a China registou o maior aumento (+34,3%) no comércio denominado na moeda chinesa, o yuan.

As trocas entre a China e a Rússia ascenderam a 1,28 biliões de yuan (174.879 milhões de euros), em 2022, valor que representou 3,03% do total do comércio exterior chinês, durante esse ano.

Tudo isto desmente a opinião de alguns analistas quanto ao desnorte da economia russa.

Desde a eclosão do conflito, a China manteve uma posição ambígua, ao apelar ao respeito pela “integridade territorial de todos os países”, incluindo a Ucrânia, e à atenção às “preocupações legítimas de todos os países”, em referência à Rússia.

Por outro lado, os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, proclamaram uma “nova era” nas relações bilaterais, em 2022, e assinaram um acordo que incluía, entre outras coisas, um aumento das trocas comerciais, para cerca de 250 mil milhões dólares, anualmente. Em contraponto, os Estados Unidos da América (EUA), pela voz do secretário de Estado Anthony Blinken, sustentavam que a China estava a considerar fornecer armas e munições à Rússia para a guerra na Ucrânia, o que Pequim desmentiu.

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Entre 15 e 20 de julho, vários órgãos de comunicação social noticiavam que, em plena guerra na Ucrânia, a China, que afirma ter posição neutra no conflito, iniciara exercícios navais conjuntos com a Rússia, no mar do Japão, que incluem exercícios de combate naval e antissubmarino, proteção de rotas e comunicações no mar e no ar e práticas de artilharia conjunta (envolvendo as respetivas Marinha e a Força Aérea) – o que indicia a intensificação da cooperação entre os dois países acontece durante a guerra na Ucrânia. A China diz-se neutra no conflito, mas acusa os EUA e os aliados de provocarem Moscovo. Além disso, Pequim tem reforçado as relações económicas, diplomáticas e comerciais com a Rússia.

E, a 7 de agosto, noticiava-se que a China e a Rússia conduziram uma operação naval conjunto perto do território americano, no início da semana passada, o que provocou uma grande resposta da Marinha dos EUA, como indicou a televisão Fox News. No exercício estiveram presentes 11 navios dos dois países, que se aproximaram da costa sudoeste do Alasca, como garantiu o senador republicano Dan Sullivan – segundo o qual a Marinha americana mobilizou quatro contratorpedeiros, para guiar os navios chineses e russos para longe das águas americanas.

“Isso é sem precedentes em termos de tamanho e meta dessa ‘task force’ naval conjunta entre a Rússia e a China”, denunciou Sullivan. “Se se mora no Alasca, como eu, ou na costa leste dos Estados Unidos, um exercício de ação de superfície entre os nossos dois principais adversários, a sondar muito perto da costa americana, isso é preocupante.” “Isso apenas solidificou a ideia de que entrámos numa nova era de agressão autoritária liderada pelos ditadores de Pequim e Moscovo, que estão cada vez mais agressivos”, atirou.

Além dos quatro contratorpedeiros, os EUA enviaram aviões P-8 Poseidon para acompanhar os navios chineses e russos longe da costa, relatou o The Wall Street Journal, que indicou que os navios aproximaram-se das Ilhas Aleutas mas não entraram em águas territoriais dos EUA.

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Esta cooperação prática e estratégica, aliada às boas relações económicas, não é de estranhar e desmente qualquer rumor de desentendimento entre os dois países ou de vontade de caminharem, puramente, em rotas paralelas.    

A atestar estas asserções, recorde-se que, a 24 de maio deste ano, era notícia a visita do primeiro-ministro russo Mikhail Mishustin à China, onde foi recebido, em Pequim, pelo presidente chinês e onde defendeu o reforço da cooperação entre os dois países. Efetivamente, pouco depois de os líderes políticos dos principais países do Ocidente estarem reunidos no Japão, para a cimeira do G7, defendendo uma estratégia de minimização do risco de dependência económica da República Popular da China, o governo chinês e o presidente receberam o primeiro-ministro russo, com pompa e circunstância, em Xangai e em Pequim.

Com a visita às duas principais cidades chinesas, onde se reuniu com o presidente Xi Jinping e com o seu homólogo Li Qiang, Mikhail Mishustin tornou-se o político russo mais importante a pisar território chinês, desde a invasão da Ucrânia e desde que Vladimir Putin esteve em Pequim, poucas semanas antes do início da guerra, em fevereiro de 2022.

Alheios à desconfiança ocidental com a sua “parceria sem limites” e com a recusa chinesa em condenar a Federação Russa pela invasão do vizinho ucraniano, Xi, Li e Mishustin congratularam-se com o momento “sem precedentes” das relações bilaterais e comprometeram-se a aprofundar mais a sua cooperação, uma cooperação que “move montanhas”.

“A China está pronta para trabalhar com a Rússia e com países da União Económica Euro-asiática para promover e conectar a Belt and Road Initiative [designação para o projeto económico da Nova Rota da Seda], de forma a desenvolver e a estabelecer um mercado regional ainda maior [e] a garantir uma cadeia de abastecimento global mais estável e robusta, para que possamos obter vantagens reais e tangíveis para os países da região”, declarou Xi.

Em resposta, Mishustin – alinhado com Putin e dependente da sua linha de governação – garantiu que a Rússia está “pronta para trabalhar com a China, para promover a multipolarização no Mundo” e para “consolidar a ordem internacional baseada no direito internacional”.

Na véspera, em reunião com Li Qiang, sem fazer referência à invasão – que Moscovo descreve como “operação militar especial” para “desnazificar” a Ucrânia – o primeiro-ministro russo elogiou a posição chinesa sobre a atual situação internacional e salientou que as relações entre os dois países se caraterizam pelo respeito mútuo pelos interesses, uma da outra, e pelo desejo de responderem, em conjunto, aos desafios associados à crescente turbulência na arena internacional e à pressão das sanções ilegítimas do conjunto do Ocidente.

Declarando-se neutral no conflito entre Russos e Ucranianos e defendendo o seu potencial papel de mediador – apresentara um plano de paz genérico, que não distingue país invadido e invasor e que não estabelece condições prévias para hipotéticas negociações de paz –, o governo chinês aprofundou, significativamente, as relações comerciais, diplomáticas, energéticas e militares com o Kremlin, desde a invasão.

Já Mikhail Mishustin disse a um grupo de empresários chineses reunidos em Xangai que 70% das trocas comerciais entre os dois países já são feitas em rublos ou yuans e revelou que está previsto um aumento de 40% das exportações russas para a China no setor energético. Além disso, disse que os dois governos confiam que será possível atingir a meta dos 200 mil milhões de dólares (cerca de 186 mil milhões de euros) em volume total de comércio bilateral até ao final de 2023 – ultrapassando os 190 mil milhões de dólares registados em 2022, que já foram um recorde anual.

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Enfim, China e Rússia entendem-se, até porque está em causa o controlo do Ártico.

2023.08.07 – Louro de Carvalho

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