Uma perspetiva liberal permitiria a livre
concorrência dos agentes económicos, de acordo com as capacidades de cada um, atirando
os que não têm sucesso para o redil dos incapazes, a quem resta viver das
migalhas pendentes da mesa do rico, a troco da exploração laboral, baseada na
sobrecarga de trabalho e no salário de miséria. O Estado, remetido às funções
de soberania, apenas atuaria como árbitro na dirimição de conflitos criados ou
surgidos entre os agentes económicos. Esta perspetiva evoluiu para a mitigação
por dois motivos fundamentais: o receio dos Estados intervencionistas cuja autoridade
os levava a condicionar a concorrência económica, podendo limitar ou mesmo
anular a propriedade privada, sobretudo a dos meios de produção, e planificar a
economia de forma centralizada, em nome da consecução da suposta igualdade forçada
de todos; e a aplicação da teoria de que, pelo bem-estar dos trabalhadores e
das suas famílias, as empresas, possibilitando salário que permita o consumo nesse
universo laboral, tem por perto um panorama favorável à testagem da empresa e
do lucro.
Por outro lado, a crítica de diversos setores
sociais, nomeadamente a Igreja Católica, com a sua doutrina social, ao liberalismo
estreme e ao intervencionismo totalitário do Estado, a começar pelos regimes marxistas-leninistas
indo até, embora tardiamente, algumas ditaduras de extrema-direita, levou a
alguma moderação, com os regimes corporativos (a maior parte como pretexto para
esconder a sua índole ditatorial) com as democracias cristãs, com as social-democracias
e, ultimamente, com a chamada terceira via.
Não obstante, o nosso Mundo apresenta o fosso
cada vez maior entre os mais ricos (os poucos que se tornam mais ricos) e os
mais pobres (os muitos que se tornam cada vez mais pobres), fruto de um sistema
económico que não sabe criar riqueza e que, sobretudo, não a sabe distribuir.
Pior ainda: o neoliberalismo (eufemismo para designar
um famigerado ultraliberalismo moderno) sujeita o fluxo económico à ditadura do
capitalismo financeiro, sem rosto, sem limites, sem olhar a meios, tornando o
poder político incapaz de tomar decisões reais (mas, dada a porta giratória entre
os departamentos dos Estados e a malha empresarial, muitos acabam por gostar de
ter sido governantes ou de virem a sê-lo), os cidadãos vítimas dos dinheiros de
plástico, os lucros das empresas cativos em contas offshore de alguns empresários.
Neste contexto, uns continuam ricos, outros
deixam de o ser, outros passam ricos e outros passam pobres. E o panorama é o
de, em muitos países (alguns bem ricos de recursos naturais), uma fatia
significativa da população sobrevive abaixo do limiar da pobreza. E os simpatizantes
da teoria da regulação feita pelos mercados (que não podem ser enervados) dizem
que os pobres o são, porque não querem ou não sabem governar-se, não querem
trabalhar.
***
Todavia, hoje, o contraste já não é apenas
entre ricos e pobres. Chega ao campo dos extremos da inflação, a hiperinflação (preços
excessivamente elevados) ou a deflação (quebra de
preços); e ao âmbito dos juros diretores
decretados pelos bancos centrais, negativos ou astronómicos.
O G20, composto por 19 países – Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França,
Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia,
Arábia Saudita, África do Sul, Türkiye, Reino Unido e Estados Unidos da América
(EUA) e a União Europeia (UE) – nunca teve
como agora diferenças tão vincadas.
Da deflação, na China, à hiperinflação, na Argentina, dos juros negativos
do Banco central em Tóquio, há sete anos, aos mais de 100% impostos de
emergência, em Buenos Aires, as maiores economias são um caos em números e em políticas
monetárias.
O Banco Central de Pequim decidiu fazer mais um corte na taxa diretora
principal, baixando-a para 3,45%, para incrementar a economia e para combater
um mergulho na deflação. E as autoridades monetárias da Argentina decidiram, de
emergência, uma subida dos juros para 118% a fim de fazerem, face à inflação de
113,4% e ao horizonte de derrocada política.
Nas economias do G7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), as mais desenvolvidas do planeta, cresce a expectativa
sobre as decisões a tomar, em setembro, pela Reserva Federal nos Estados Unidos
(FED) e pelo Banco Central Europeu (BCE) na Zona Euro: subir mais uma vez os
juros ou fazer uma pausa no ciclo de aumentos.
Argentina e Turquia são as duas economias com as taxas de inflação mais
elevadas e com os juros mais altos no grupo das 20 maiores economias do Mundo.
Distando mais de 12 mil quilómetros entre si, estão irmanadas por serem consideradas
economias emergentes em hiperinflação.
Na Argentina, a variação de preços no consumidor desceu, em julho, para
113,4%, mas continua acima dos três dígitos, um grupo que conta com mais três
membros: Venezuela, Líbano e Zimbabué. O Banco Central da Republica Argentina
tomou, como se disse, a 14 de agosto, uma decisão de emergência, subindo a taxa
diretora em 2100 pontos-base (21 pontos percentuais), agravando-a de 97% para
118%, taxa que já está acima da inflação, pelo que a taxa real de juro (descontando a inflação) entrou em
terreno restritivo efetivo. No mesmo dia, o Fundo Monetário Internacional (FMI)
dava conta que, a 23 de agosto, a direção executiva analisaria o acordo com o
governo argentino sobre a quinta e sexta revisões do andamento do empréstimo
até 2024, aprovado em 2022. E, nesse dia, os resultados das primárias para as
eleições presidenciais em outubro davam a vitória de Javier Milei, um
ultraliberal que quer “dolarizar” a economia e fechar o banco central. O
candidato do atual governo ficou em terceiro lugar.
Ao invés, na Turquia, a inflação subiu para 48% em julho, já depois de o
Banco Central ter aumentado, em junho, a taxa diretora, numa inversão da
política monetária até então expansionista no anterior mandato presidencial de Recep Tayyip Erdogan.
Ainda no dia 21 de agosto, o FMI publicou a sua
avaliação anual da economia do país, vincando a nocividade do anterior “novo
modelo económico” prosseguido por Erdogan até maio deste ano, que implicou o corte
dos juros de 19% para 8,5%, entre setembro de 2021 e maio de 2023. O FMI
recomendava “subidas rápidas e consideráveis” na taxa diretora. E a nova governadora Hafize Gaye Erkan, nomeada por Erdogan depois de
vencer as eleições para um segundo mandato em maio deste ano, revirou a
política monetária e subiu os juros para 15%, em junho, e 17,5%, em julho. O
banco voltou a reunir a 24 de agosto e os analistas, que esperavam a taxa
subida, pelo menos, para 20%, viram-na subida para 25%.
Os BRICS (Brasil. Rússia, Índia, China e África do Sul) reúnem-se em
cimeira, nesta semana, em Joanesburgo, na África do Sul, sem a presença física do
presidente russo, Vladimir Putin. Os níveis de inflação e de juros dos bancos
centrais são diferentes. A inflação varia entre 7,4%, na Índia, e a deflação,
na China. Os níveis de inflação para o Brasil, China e África do Sul são mais
baixos do que a média na Zona Euro. As taxas diretoras dos bancos centrais vão
de 3,45%, na China, a 13,25%, no Brasil. E as políticas monetárias, também, não
seguem o mesmo padrão.
Enquanto, no Brasil e na China, os juros descem, para aliviar a economia,
na Rússia, sobem, para contrariar a inflação e, na Índia, estão em pausa pela
terceira reunião consecutiva. Na África do Sul, a inflação de julho ainda não
está disponível e o banco central só reúne a 21 de setembro.
A China, a maior economia dos BRICS e a segunda maior do G20, prosseguindo
uma política monetária de alívio, desce os juros, para contrariar os maus
desempenhos em vários indicadores económicos. A 21 de agosto, o banco central
desceu, pela segunda vez neste ano, os juros de referência, que caíram para
3,45%, os mais baixos no G20, depois da taxa negativa que o Banco do Japão
mantém desde 2016. São, também, os mais baixos no grupo dos BRICS.
No Brasil, o banco central inverteu, a 2 de agosto, a política monetária,
descendo os juros para 13,25%, após um ciclo de subidas, desde abril de 2021. A
inflação caiu a pique, de 12,13%, em abril do ano passado, para 3,16%, em junho
deste ano, tendo subido ligeiramente para 3,99% em julho. Em termos reais, os
juros estão acima de 9%, os mais elevados do G20.
Na Índia, o Banco da Reserva optou por não mexer nos juros, há três
reuniões consecutivas, apesar de a inflação ter disparado de 4,3%, em maio,
para 7,4%, em julho, situando-se claramente acima do limite superior do
objetivo de estabilidade de preços em 6%. E o Banco da Reserva da África do Sul
decidiu, em julho, não mexer na taxa que está em 8,25%, um máximo de 14 anos,
após um ciclo de dez subidas consecutivas.
Em direção contrária, o Banco da Rússia imprimiu uma reviravolta na
política monetária, a 15 de agosto, reiniciando uma subida de juros, face ao
aumento da inflação e ao colapso do rublo.
Os investidores estão de olhos postos nas reuniões, em setembro, dos bancos
centrais do G7: Banco do Canadá (dia 6), BCE (dia 14), FED (dia 20), Banco de
Inglaterra (BoE, dia 21) e Banco do Japão (BoJ, dia 22). Após uma pausa, em
março e em abril, do Banco do Canadá e de uma paragem, em junho, da FED, estes dois
bancos centrais voltaram às subidas dos juros. O BoE e o BCE não param de
aumentar os juros, desde dezembro de 2021, e julho de 2022, respetivamente.
A questão crítica para os mercados financeiros é saber se haverá uma pausa
no ciclo de subidas de juros no G7, com exceção do Japão, o único a manter a
taxa negativa há sete anos. A inflação, em julho, já estava abaixo dos juros no
Canadá e nos EUA, mas continua acima das taxas diretoras no Reino Unido e na
Zona Euro.
Em relação aos quatro principais bancos do G7, as expetativas apontam para
uma pausa do BCE e a FED, em setembro, a continuação da subida, por parte do
BoE, e a manutenção dos juros em terreno negativo pelo BoJ. Os futuros da taxa
de juros da FED registam a probabilidade de mais de 85% para uma pausa, na
reunião de 20 de setembro, que se poderá prolongar até maio de 2024, quando os
mercados esperam um primeiro corte.
Christine Lagarde, presidente do BCE, admitiu, na reunião de julho, que a
hipótese de pausa estava em cima da mesa, mas que a decisão a tomar, a 14 de
setembro, dependerá da avaliação da conjuntura e das expetativas na reunião. E,
no caso do BoE, os mercados apontam para uma probabilidade de 84% de nova
subida de 25 pontos-base nos juros, na reunião de 21 de setembro, e têm
expetativa de que o ciclo só pare quando a taxa atingir 6%.
***
As cinco taxas de inflação mais altas no Mundo são as da Venezuela
(398%); do Líbano (254%); da Argentina (113,4%); do Zimbábue (101%); e do Sudão
(63,3%).
As cinco taxas de inflação mais baixas no Mundo são as da Costa
Rica (-2,3%); das Seychelles (-2%); do Burkina Faso (-0,7%); da China (-0,3%);
e da Arménia (-0,1%).
As cinco taxas de juro mais altas ocorrem no Zimbábue (150%); na
Argentina (118%); no Gana (30%); no Malawi (24%); e na Ucrânia (22%).
As cinco taxas de juro mais baixas ocorrem no Japão (-0,1%); nas Fiji (0,3%);
na Suíça (1,8%); em Taiwan (1,9%); e nas Seychelles (2%).
Na Zona Euro, a taxa de inflação era,
em julho, de 5,3%; e a taxa diretora de juros é, em agosto, de 4,25%. Já em
Portugal, nos mesmos meses, a inflação é de 4,3% e os juros de 4,25%.
***
Com tais disparidades, no Mundo, nas
políticas monetárias, que aumentam ou diminuem os juros, geram ou verificam
taxas díspares de inflação e, segundo alguns bancos centrais, deveriam
condicionar os salários e as ajudas sociais, é de questionar se, efetivamente,
são os mercados a ditar as regras, se são tão inteligentes que percebam as
necessidades dos diversos países ou se estão tão desregulados que reagem aleatoriamente.
Porém, alguma informação aponta para decisões do poder político. Aliás é de questionar
para que elegemos governantes, se não para acautelar os legítimos interesses
dos cidadãos e para promover o bem comum. Atuem, pronto!
2023.08.24
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário