sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Redistribuir parte dos lucros milionários da banca é dever social

 

No dia 7 de agosto, o governo italiano aprovou a criação de um imposto de 40% sobre os lucros extraordinários dos bancos, limitado aos anos de 2022 e 2023, não podendo exceder 25% do património líquido, e cujas receitas servirão, inteiramente, para “apoiar a compra de hipotecas e a redução de impostos”. A regra será ativada, se a margem líquida de juros registada em 2022 “exceder o valor do exercício de 2021 em, pelo menos, 5%”, percentagem que subirá para 10%, se 2023 for comparado com o ano anterior.

O receio de bancos e de acionistas levou o governo a anunciar, no final do dia 8, um limite máximo de 0,1% do total dos ativos, o que, segundo os especialistas, poderá significar um pagamento de 2.500 milhões de euros, para os seis maiores bancos italianos no primeiro semestre de 2023.

Matteo Salvini, vice-presidente do governo e líder da Liga, que integra a coligação presidida por Giorgia Meloni, da extrema-direita, diz que redistribuir uma “pequena parte” dos lucros extra dos bancos (lucros milionários) por causa das decisões erradas do Banco Central Europeu (BCE) é “um dever económico e social”.

“Com o imposto extraordinário queremos confirmar o aumento dos salários e das pensões também para o próximo ano”, disse Salvini, em declarações à rádio pública RAI, um dia depois de o setor bancário ter perdido cerca de nove mil milhões de euros na bolsa, devido aos receios gerados pelo imposto, cujas receitas chegarão aos que têm hipotecas, que aumentaram desproporcionadamente, “devido à taxa variável, e vão acabar na lei orçamental, dentro de algumas semanas, para confirmar a descida dos impostos e o aumento dos salários”.

“O raciocínio do governo é que, dos lucros mais elevados que os bancos terão, neste ano, em comparação com o ano passado, simplesmente devido às políticas erradas do BCE, uma parte será utilizada para ajudar as famílias e [para] confirmar os aumentos salariais”, explicitou, vincando que, apesar de “alguns banqueiros o terem lamentado, o setor obtém milhares de milhões de euros de lucros, sem mexer um dedo, em virtude das decisões dos outros”, pelo que “redistribuir uma pequena parte é um dever económico e social”.

E revelou: “Estamos a pensar em tributar as horas extraordinárias, os prémios de produtividade.”

De facto, os bancos aumentaram os custos para quem tem um empréstimo, um descoberto ou uma hipoteca, mas não aumentaram os juros para quem tem dinheiro nas suas contas correntes. Foram rápidos a adaptar-se às decisões do BCE, mas não aumentaram os juros das contas à ordem. Têm lucros de milhares de milhões e quem paga são os clientes.

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Esta medida do governo de Itália assustou os investidores e penalizou as ações. Pela Europa, já se veem taxas que visam limitar ganhos do setor com juros cobrados em créditos. Em Portugal, o Ministério das Finanças (MF) tem outras preocupações. A Associação Portuguesa de Bancos (APB) frisa que, no país, “os bancos já se encontram sujeitos, há vários anos, à aplicação de impostos extraordinários”, como a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Bancário (CSB), desde 2011, ainda no governo de José Sócrates, e do Adicional de Solidariedade (AS), desde 2020, devido à pandemia, mantendo-se ambos em vigor.

Os cinco principais bancos portugueses – Caixa Geral de Depósitos (CGD), Banco Comercial Português (BCP), Banco Português de Investimento (BPI), Santander e Novo Banco (NB) – pagaram, nos primeiros seis meses do ano, cerca de 150 milhões de euros com a CSB, a que se juntam mais de 20 milhões suportados à luz do AS. São cerca de 170 milhões de euros, que equivalem a perto de 8% dos quase 2 mil milhões de euros de lucros obtidos no mesmo período. Além disso, há a pagar o normal imposto sobre os lucros.

Esta taxa anunciada em Itália já existe noutros países, como a Espanha, a Chéquia, a Hungria e a Lituânia, e já se encontra noutros setores, em Portugal, como a energia e a distribuição.

A taxa foi imposta, porque a margem financeira dos bancos, isto é, a diferença entre os juros cobrados em créditos, que sobem automaticamente, quando há revisão dos indexantes, e juros pagos em depósitos, ainda esmagados, apesar de subidas recentes, tem disparado, após a subida de juros pelo BCE, ajudando aos lucros, em Portugal e pela Europa fora, e à depauperação das carteiras das famílias e das empresas.

Em férias, os banqueiros optaram pela descrição, não fazendo comentários públicos. As declarações encapotadas apontam para injustiça, para questões políticas ou para a iniquidade de lançar impostos “por ímpeto”. Todavia, a APB referiu, claramente, que, em Portugal, os bancos se encontram sujeitos, há vários anos, à aplicação de impostos extraordinários, como sãos os casos da CSB, desde 201, e do AS, desde 2020. Mais defende que “esta é uma situação específica, que não tem paralelo noutros países, e que levou, inclusivamente, o governo a decidir excluir o setor bancário português da aplicação deste tipo de medidas”. Ou seja, para a associação presidida por Vítor Bento, o MF excluiu a hipótese de o taxar, apesar de os lucros terem disparado nos primeiros seis meses do ano, à boleia da taxa de juro de 4,25%, definida pelo BCE.

Para o presidente da APB, referindo (ironicamente) que nem sabe o que são lucros excessivos, o que vai além do imposto normal sobre os lucros é injustificado, discriminatório e desfavorável à capacidade competitiva das entidades com sede no país, enquanto as entidades sedeadas no estrangeiro ficam numa situação mais favorável (sem CSB, nem AS).

Os banqueiros dos principais bancos, em maio deste ano, no evento CEO Banking Forum, foram quase unânimes em dizer que os lucros não são escandalosos e que o facto de terem lucro é importante para apoiarem a economia, as famílias e as empresas (mas, hoje, a custos altos).

Os referidos impostos extraordinários foram criados para vigorarem temporariamente, mas persistem no tempo, pois vêm sendo incluídos nos orçamentos do Estado. Desde a queda do Banco Espírito Santo (BES) as receitas provenientes do CSB têm sido dirigidas para o Fundo de Resolução (FdR). Além disso, os bancos portugueses pagam as contribuições periódicas para o FdR (35 milhões nos primeiros seis meses deste ano, nos cinco grandes bancos) – que ainda tem custos por a resolução do BES dever reembolsar os contribuintes – e para o Fundo Único de Resolução (77 milhões no mesmo período), que foi criado, à escala europeia, para futuras intervenções. Trata-se de encargos regulatórios (caso único pela Europa fora, dizem) que os bancos consideram excessivos, pelo que recusam terem de pagar mais.

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O ministro das Finanças tem optado por olhar para outros ângulos que não os lucros excessivos da banca. Para já, não comenta se a medida decretada em Itália vem colocar pressão no executivo português, nem se poderá avançar ou não com uma medida idêntica.

A preocupação no gabinete de Fernando Medina é, de momento, facilitar a mudança para taxa fixa, de forma temporária, nos contratos de crédito à habitação, assunto que será tratado em setembro, e verificar se há efetiva subida da remuneração nos depósitos, decorrente da nova subida das taxas de juro por parte do BCE. Porém, o ministro até agora nada fez, neste âmbito, além de declarar que os bancos deviam subir mais os juros dos depósitos.

Há um ano, Fernando Medina disse que um imposto extraordinário sobre os lucros da banca, a avançar, teria de ser proporcional e significativo, ou seja, consistir em “medidas de tributação eficazes, do ponto de vista de volume de receita”, mas que não se conheciam, no espaço europeu, tais iniciativas. Isto leva a APB a pensar que o MF não avançará com nenhuma medida desse tipo. Porém, as ideias ganham corpo e tudo pode acontecer.

A medida decretada em Itália foi apresentada pelo vice-primeiro-ministro como de “bom senso”, pois consiste em “usar parte dos lucros multimilionários dos bancos para apoiar famílias e empresas afetadas pelo aumento dos juros”. Está em causa o financiamento de primeiras habitações e reduzir os impostos sobre famílias e sobre as empresas.

“Basta olhar para os lucros do primeiro semestre para perceber que não estamos a falar de poucos milhões, mas de milhares de milhões”, disse Matteo Salvini, em conferência de imprensa, no dia 7. Segundo cálculos da agência de rating DBRS, a banca italiana acumulou um lucro agregado de 10,5 mil milhões de euros no primeiro semestre, o que representa um crescimento de 56%, em relação ao mesmo período do ano anterior.

O que está em causa é a aplicação da taxa de 40% sobre o que se consideram proveitos excessivos, devido ao juro do BCE: calcula-se pelo desvio da margem financeira em 2023, face à margem financeira obtida em 2021 (se for 5% superior), e pelo desvio do mesmo indicador entre 2024 e 2022 (se for superior a 10%).

O imposto excecional deverá ser pago no próximo ano, sem possibilidade de dedução na fatura fiscal. E o governo italiano espera conseguir 3 mil milhões de euros em receitas deste novo imposto, mas a DBRS acredita que o montante arrecadado será superior.

A nível europeu, há já alguma forma de taxa extraordinária sobre a banca na Hungria, na Chéquia, na Lituânia e na Espanha.  As fórmulas encontradas nestes países são distintas no cálculo do que se considera lucro excessivo. Por exemplo, na Lituânia, analisa-se o desvio de proveitos, face a anos anteriores, olhando para a média de quatro anos; e, na Espanha, vai-se à margem financeira e às comissões, impondo a taxa de 4,8%, quando o montante supera, em 800 milhões de euros, o valor de 2019. São taxas a aplicar temporariamente. E, como recorda a Reuters, alguns países contam com outras taxas específicas, como a França, que limita o ritmo de crescimento trimestral dos preços dos créditos, e o Reino Unido, bem como Portugal, com o CSB e com o AS.

A reação bolsista à medida do Governo de Giorgia Meloni não foi boa. As ações cederam, num dia em que se conjugou o anúncio italiano e o corte de ‘rating’ que a agência de notação financeira Moody’s impôs à banca americana: baixou a classificação de risco da dívida de dez bancos e colocou outros seis (incluindo o Bank of New York Mellon). A Bloomberg quantificou 9 mil milhões de euros de perda de capitalização bolsista de empresas italianas na sessão do dia 8, a primeira desde o anúncio italiano. O UniCredit recuou cerca de 6%, enquanto o Intesa Sanpaolo caiu já perto de 9%. Enfim, a banca europeia assustou-se.

Em Portugal, o único banco português cotado, o BCP, recuou 3,5%.

Os lucros da banca (exceto o Banco Montepio) parecem ter regressado aos níveis da pré-crise financeira; e até já o fizeram no primeiro trimestre. A Autoridade Bancária Europeia (EBA) concluiu que o retorno sobre o capital (mede a rentabilidade dos resultados face ao capital colocado pelos acionistas) subiu aos 10,4% no fim do primeiro trimestre, face aos 6,7%, um ano antes, pela primeira vez desde a crise financeira global, devido à mais elevada margem financeira.

Prevê-se que o disparo nos lucros se contenha nos próximos tempos: os depósitos ficarão mais caros (onde Portugal se tem destacado pela negativa), o que emagrecerá o crescimento da margem financeira; e há o risco de os créditos mais caros obrigarem a pôr mais dinheiro de lado, sob a forma de imparidades. Além disso, os bancos também têm de financiar-se no mercado (em parte por regras regulamentares, para atingir níveis de capital suficientes), enfrentando custos elevados.

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A banca não é Casa de Misericórdia, mas almeja, com legitimidade, o lucro, até para ajudar a economia. Todavia, não pode esquecer a função social da propriedade e os demais deveres económicos e sociais, e que, em crise financeira, gerada em parte, pela sua má gestão (até danosa), teve necessidade de o Estado (que o neoliberalismo quer exíguo) se atravessar pela ajuda externa à banca e fazer reformas à machadada. Quanto a lucros, está tudo dito, quando até um governo (de direita) europeu diz que devem ser repartidos. Que é feito dos governos ditos de esquerda?

2023.08.11 – Louro de Carvalho

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