segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Violência sexual continua, em parte potenciada peals redes sociais

 

As denúncias de casos de violência sexual estão a aumentar, tendo sido registadas, em 2022, pela Associação de Apoio à Vítima (APAV), 1752 queixas, havendo ainda muita falta de informação sobre os abusos que ocorrem online e que atingem, sobretudo, os jovens entre os 12 e os 16 anos.

São estas duas algumas das ideias apresentadas no documento Vamos Falar sobe Abuso Sexual, que a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) disponibiliza, desde 18 de julho, nos seus meios de comunicação – as redes sociais, o site e a aplicação – e com o qual pretende sensibilizar a sociedade e alertar para a necessidade de se falar do assunto e de ajudar quem já tenha sido vítima.

Mais alerta a OPP que este crime existe, ainda maioritariamente, no seio familiar, mas também está a ser potenciado pelas plataformas online.

O documento de 53 páginas apresenta alertas, sob a forma de perguntas e de respostas, para as mais variadas situações que podem indiciar violência sexual, com o objetivo de “consciencializar a sociedade para esta temática”.

Baseando-se nos dados divulgados, em março, pela APAV – 1752 casos de violência sexual denunciados em 2022, tendo sido mais de 80% contra crianças e jovens, sendo do sexo masculino 95% dos agressores; e que, na Europa, dados de 2015 mostram que uma em cada cinco crianças é vítima de alguma forma de violência sexual – a OPP quer que estas situações sejam cada vez mais conhecidas, de forma a prevenir a repetição, até porque está a detetar-se o aumento de casos.

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A APAV admite que pode ser vítima de violência sexual qualquer criança ou jovem (e também adultos/as), independentemente da idade, do género, do local de residência, das condições financeiras da família, do tipo de família, da escola que se frequenta, das atividades extracurriculares em que se participa, do país de origem, entre outras circunstâncias.

A violência sexual pode consistir num ato sexual indesejado (por coerção) ou numa tentativa de ato sexual indesejada; no tráfico humano para fins sexuais; num comentário; num contacto, numa interação de natureza sexual indesejados (por exemplo a observação intempestiva do corpo desnudo ou partes do corpo desnudas da vítima), ou na sua tentativa; no piropo de cariz  sexual; na indução forçada à prostituição; na participação ou na visualização de filmes ou imagens (bem como envio de imagens) de índole pornográfica; e no grooming online. Estes atos são praticados por uma ou mais pessoas contra outra(s) – a(s) vítima(as) – sem a vontade desta(s).

A violência sexual ocorre tanto em tempos de paz como em situações de conflito armado. É generalizada e é considerada como uma das violações mais traumáticas e mais comuns dos direitos humanos. Também há violência sexual, quando se discrimina, de forma grave ou sistemática, no trabalho ou no acesso aos bens pessoais civilizacionais, a pessoa do sexo feminino (criança, adolescente, jovem ou adulta).  

O grooming online é um processo de manipulação em que uma pessoa inicia uma conversa com abordagem não-sexual, aparentemente positiva, junto de criança ou de jovem, com o objetivo de convencer a criança ou jovem a encontrar-se com aquela pessoa, de modo a que esta consumar a violência sexual. Esta pessoa também pode procurar incentivar e/ou obrigar as vítimas a produzir e a enviar fotografias íntimas delas próprias.

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“Existe, de facto, um aumento de denúncia dos casos de violência sexual que decorre, não só por pessoas estarem mais atentas a estas situações e reconhecerem, com maior rigor e cuidado, a existência de práticas abusivas desta natureza, que configuram crime, mas também pelo facto de estarem mais dispostas e confiantes no sistema de justiça e no processo de denúncia e que têm confiança [em] que vão existir consequências e o processo vai ser investigado”, frisou ao Diário de Notícias (DN) Joana Cerdeira, vogal da Delegação Regional do Norte da OPP e psicóloga na Comissão Nacional de Promoção de Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ).

Contudo, a mesma psicóloga destaca um problema que subsiste: “alguma falta de informação sobre os abusos que ocorrem online, que atingem, principalmente, os jovens dos 12 aos 16 anos”.

Aliás, este é um dos pontos referenciados no documento Vamos Falar Sobre Abuso Sexual e explicitado por Joana Cerdeira: “Sabemos que, entre os 12 e os 16 anos, a maioria dos casos denunciados de abuso sexual, dizem, sobretudo, respeito a contactos entre agressores e vítimas, que acontecem online. Num mundo cada vez mais digital, o espaço da Internet, dos chats de plataformas de jogos online e em redes sociais, pode ser inseguro. Existem situações de aliciamento sexual (ou grooming), em que a pessoa adulta procura manipular a criança ou adolescente a produzir conteúdos sexualizados, ou a encontrar-se com este/a.”

Apesar de as redes sociais serem cada vez mais o espaço onde há o contacto entre vítima e agressor, os dados conhecidos mostram que os abusos sexuais contra crianças prevalecem, na sua maior parte, “no contexto da relação familiar, enquanto espaço de relacionamento entre o autor e a vítima”, aponta Joana Cerdeira, deixando um alerta: “É importante manter em mente esta informação de as pessoas que praticam abusos sexuais são, muitas vezes, pessoas que conhecemos, e até, pessoas de quem gostamos.”

Estas situações evitam-se pela contribuição de cada um para implementar medidas de prevenção, de informação e de sensibilização de toda a comunidade (por exemplo, nas escolas e em outras organizações que trabalhem com a infância e com a adolescência), sobre sinais e sintomas das crianças vítimas de abuso sexual, sobre os seus impactos a curto, a médio e a longo prazo e sobre como os/as cuidadores/as podem atuar, perante suspeitas de crimes desta natureza.

E o documento disponível no site da OPP dedica uma parte importante à forma de atuar e à forma de ajudar as vítimas.

Considerando os indicadores estatísticos em Portugal, em números absolutos e em percentagens (vítimas e agressores), a publicação em referência explica como se deve lidar com este crime, partindo de perguntas do tipo: “Como apoiar alguém que sofreu um abuso sexual? Como denunciar uma situação de abuso sexual? O que podem fazer os pais, mães, cuidadores(as), educadores(as)?” E, com as respostas que apresentam, os autores do documento esperam conseguir ajudar quem enfrenta situações deste tipo, mas relevam a importância da intervenção de psicólogos no apoio às vítimas, sobretudo os que integram a carreira de inspetores na Polícia Judiciária (PJ) e que utilizam o seu conhecimento na investigação de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais.

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“Apenas nas últimas décadas, começamos a reconhecer a prevalência do abuso sexual e do abuso sexual de crianças, bem como os seus múltiplos impactos nas vítimas e nas comunidades. Aprender mais sobre o tema, falar sobre ele e partilhar preocupações, pode ajudar a proteger uma criança, jovem ou adulto ou a fazer diferença na sua vida.” É com esta verificação e o consequente propósito que abre o documento a OPP.

E, logo a seguir, vem outra verificação, juntamente com dados estatísticos marcantes:Todos os dias desperdiçamos oportunidades de prevenir o abuso sexual, devido a falta de informação, [a] estereótipos e [a] preconceitos. Sabendo que a maior parte dos abusos sexuais continuam por reportar; sabendo que, em 2015, se registaram 215 000 crimes de violência sexual na Europa; e que, uma em cada cinco crianças europeias são vítimas de alguma forma de violência sexual, é bastante provável que todos e todas conheçamos alguém que sofreu abuso sexual e alguém que tenha perpetrado abuso sexual.”

Recordo que, o Papa Francisco, na viagem de regresso de Lisboa a Roma, a 6 de agosto, referiu que 42% dos abusos sexuais de crianças acontece no contexto familiar e de bairro. 

O documento da OPP elenca sinais de alerta em crianças e m adultos.  

Em crianças, entre os vários sintomas, sobressaem: a dificuldade em dormir e pesadelos; o medo extremo, sem explicação óbvia; mudanças súbitas ou inexplicáveis no modo de ser e de se comportar; isolamento social; alterações do humor, zanga, alheamento do que se passa à volta; alterações na alimentação; comportamentos típicos de fase anterior do desenvolvimento; medo de determinados locais ou resistência a estar sozinha(o) com adulto(a) ou jovem, sem explicação para tal; resistência a tomar banho, a fazer a higiene ou a retirar a roupa; brincar, escrever ou desenhar sonhos sexuais ou assustadores; recusa em falar acerca de um segredo que tem com um adulto(a) ou jovem; e descrição de si próprio(a) ou do corpo como “nojento”.  

Nos adultos (as), pode registar-se: sangramento, dor ou comichão na zona dos genitais; dor ou desconforto ao andar ou ao sentar-se; presença de nódoas negras e/ou escoriações em zonas especiais; roupa com sangue, manchada ou torcida; presença de doenças sexualmente transmissíveis, incontinências ou descargas genitais sem explicação, não conexas com diagnóstico médico; gravidez inexplicada (por exemplo, em alguém que não reúne condições para consentir; dificuldade em dormir; comportamentos autolesivos; isolamento social; dificuldade de concentração; relutância em estar sozinho(a) com determinada pessoa; recusa de ajuda em qualquer tipo de cuidados pessoais; uso explícito de linguagem sexual; ou alterações nas atitudes e comportamentos relativos à atividade sexual.  

A situação de abuso sexual postula ajuda. Para tanto, estão disponíveis a APAV, a CNPDPCJ, as forças de segurança, as entidades da Saúde, os educadores e, obviamente, os pais e as mães.

Ora, como é difícil, sobretudo para as crianças, reportar estas situações, há que tomar atitudes tendentes à prevenção. A este respeito, a OPP recomenda: comunicar e dialogar abertamente com as crianças e com os jovens (ter tempo para eles/as); ensinar a respeitar; definir limites e respeitá-los (todos os elementos da família têm direito à privacidade); ensinar a dizer “não”; ensinar o nome correto das partes do corpo (e estar disponível para ouvir e falar sobre matéria sexual); distinguir entre o toque apropriado e o inapropriado; usar exemplos concretos; envolver outros adultos(as); monitorizar o uso da tecnologia (não proibindo, mas alertando para os riscos); falar da importância do consentimento; prestar atenção aos sinais de alerta; e denunciar, reportando comportamentos e situações suspeitas de abuso sexual, pois, se ninguém falar, o abuso sexual continuará.

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Efetivamente, se queremos uma sociedade mais humana, com pessoas felizes, teremos de estar atentos às pessoas – Não é só no hospital, na prisão ou na guerra que se sofre – e disponibilizarmo-nos para a prevenção da violência sexual e para o combate a este flagelo, sobretudo quando incide sobre crianças e demais pessoas vulneráveis. Isto exige uma verdadeira educação para o respeito e para a sã convivência.

2023.08.07 – Louro de Carvalho

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