segunda-feira, 31 de julho de 2023

Ao invés da Europa, decresce a armazenagem de GNL em Portugal

 

As sanções económicas impostas à Rússia pela União Europeia (UE) e por outros países, como o Reino Unido, abrangem o petróleo, mas não o gás natural. E, apesar de a UE ter instado os Estados-membros à poupança de gás, os países europeus foram, por diversas vias, reforçando as suas reservas, enquanto Portugal, crente em que a energia verde estava à porta, foi consolidando a ideia da descarbonização e a hipótese de prescindir dos combustíveis fósseis.

A GALP – grupo de empresas portuguesas no setor de energia, que detém a Petrogal e a Gás Portugal, sendo um grupo integrado de produtos petrolíferos e de gás natural, com atividades que vão da exploração e produção de petróleo e gás natural à refinação e distribuição de produtos petrolíferos, à distribuição e venda de gás natural e à geração de energia elétrica – disse que não importaria mais produtos energéticos da Rússia. Porém, agora sente-se “muito desapontada” com a Venture Global, fornecedor de gás natural liquefeito (GNL) com sede nos Estados Unidos da América (EUA), com o qual assinou contrato de fornecimento a 20 anos.

O parceiro norte-americano não estará a cumprir com o acordado. “Estamos claramente muito desapontados”, indicou Rodrigo Vilanova, membro do conselho de administração executivo da GALP responsável pela Gestão de Energia.

A declaração foi proferida a analistas, na apresentação dos resultados semestrais, em que a administração foi questionada acerca deste fornecedor, visto que foi recentemente noticiado pela Reuters que a BP e a Shell estavam com problemas de incumprimento por parte daquela empresa norte-americana, pelo apresentaram, separadamente, uma queixa legal contra o fornecedor, por falha no cumprimento da entrega de cargas contratualizadas.

Como anunciou, a 31 de julho, a GALP aumentou o lucro em 21% nos primeiros seis meses, para 508 milhões de euros, o que atribui ao “forte desempenho operacional” ainda que em “contexto menos favorável em termos de petróleo, de gás, de eletricidade e de refinação”.

De acordo com informação publicamente disponível, Rodrigo Vilanova frisou a Venture Global produziu e vendeu mais de 170 carregamentos de GNL, entendendo a GALP que “todos estes carregamentos foram vendidos em mercados de curto prazo, a seja quem for que pague mais, em vez de respeitarem os contratos de longo prazo assinados com clientes fundadores como a GALP”. Por isso, a petrolífera portuguesa está em conversações com a Venture Global para que sejam respeitados os seus “direitos contratuais”. Com efeito, a GALP assinou, em 2018, um acordo com a Venture Global para a aquisição, durante 20 anos, de um milhão de toneladas por ano de GNL, a partir do terminal de exportação de Calcasieu Pass, localizado em Cameron Parish, no Estado norte-americano Louisiana.

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Em linha com a UE, Portugal fechou o período inicial do esforço de redução do consumo de gás natural cumprindo o objetivo para este inverno. Os Estados-membros acordaram, em 2022, reduzir em 15% o consumo de gás entre agosto desse ano e março de 2023, face à média dos cinco anos anteriores. O acordo contemplava uma regra de redução obrigatória de 15%, que pode ser ativada pela Comissão, em caso de emergência. Mas alguns países, como Portugal, procuraram garantir exceções atendendo às suas especificidades (como a menor capacidade de interligação com o resto da Europa). Nesses casos excecionais, em caso de alerta, a redução obrigatória de consumo será de apenas 7%.

Em Portugal, segundo a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), a redução foi de 14,8%. Com efeito, o consumo nacional de gás natural, de agosto de 2022 a março de 2023, fixou-se em 37.923 gigawatt hora (GWh), menos 14,8% do que os 44.491 GWh do valor de referência, isto é, o consumo médio em agosto/março dos cinco anos anteriores.

O relatório da DGEG mostra que a principal fatia da redução de consumo veio da procura industrial e residencial, que encolheu 22,7%. O consumo de gás para produção de eletricidade desceu 1,2%, face à média dos cinco anos anteriores.

Portugal importa gás natural, sobretudo através do terminal que a REN – Redes Energéticas Nacionais, que opera em Sines, segundo o qual, no primeiro trimestre, o gás consumido em Portugal foi importado, na sua maior parte, dos EUA e da Nigéria e, em menor escala, da Rússia, por navio, e de Espanha, por gasoduto. Ao invés do petróleo e do carvão, o gás natural não foi objeto de sanções ou embargos da UE, em relação à Rússia, tendo os 27 apenas acordado em procurar outras fontes de abastecimento, para reduzirem, progressivamente, as compras de gás àquele país. A pequena redução do consumo de gás para a produção de eletricidade explica-se pela seca de 2022, que obrigou a elevado recurso às centrais de ciclo combinado a gás natural, para compensar a reduzida disponibilidade hidroelétrica.

No final de 2022, houve uma maior produção hídrica, mas, em fevereiro e março de 2023, a geração hidroelétrica voltou a recuar, obrigando a maior recurso às centrais a gás, o que teve impacto nos números globais de consumo deste combustível. Considerando somente o bimestre de fevereiro e março, Portugal teve uma redução do consumo de gás de 9%, face à média dos cinco anos anteriores, resultado da combinação do aumento de 28,3% na procura de gás para a produção de eletricidade e da descida de 22,7% no consumo convencional (empresas e famílias). Porém, globalmente, os últimos oito meses tiveram o mais baixo consumo de gás natural em Portugal dos últimos seis anos.

A DGEG sustenta que nos outros setores, que não o da produção elétrica, “continuou a tendência de redução do consumo de gás”, mas “será importante continuar a monitorizar o desenvolvimento deste consumo para avaliar o caráter estrutural desta redução”. E observa que as temperaturas amenas reduziram a necessidade de consumo de gás nos setores classificados como ‘outros usos’.

No final de março, a UE acordou prolongar os esforços de redução de gás por um ano, até março de 2024, estipulando que o consumo de gás natural, nos próximos 12 meses, será 15% inferior à média dos cinco anos, até março de 2022. Ao aprovar essa extensão, revelou que a redução média do consumo de gás a nível europeu nos seis meses de agosto de 2022 a janeiro de 2023 foi de 19,3%. Portugal ficou aquém da média, apresentando um recuo de 16,4%.

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Para obviar ao défice de armazenamento de GNL, o navio Vladimir Vize, um metaneiro de quase 300 metros de comprimento, trará a Portugal, ao porto de Sines, mais uma carga oriunda do porto de Sabetta, na península de Yamal, no Norte da Rússia. É a terceira entrega de gás russo deste ano, e acontecerá no mês de agosto, mais propriamente no dia cinco.

Os dados de navegação do Vladimir Vize, disponíveis em plataformas como Vesselfinder, mostram que o navio saiu de Sabetta, a 27 de julho, e navega a norte da Noruega, sem identificação concreta do destino. Porém, o site da Administração do Porto de Sines revela que o navio chegará a Portugal na noite de 5 de agosto, atracando em Sines, um dia depois de um outro metaneiro, o LNG Cross River, chegar ali, proveniente de Bonny, na Nigéria, um dos principais mercados fornecedores de gás a Portugal.

O Vladimir Vize já descarregou GNL, em Portugal, por várias vezes, ao abrigo do contrato de longo prazo que a espanhola Naturgy (dantes, Gas Natural Fenosa) firmou com a russa Yamal LNG. E foi este navio que fez a primeira entrega de gás russo a Portugal, depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Fê-lo a 4 de março de 2022.

A Naturgy é uma das empresas que usam o terminal da REN, em Sines, para introduzir gás em Portugal, tal como o fazem a GALP, a EDP e a Endesa, embora com cargas de outras origens, principalmente Nigéria e EUA.

Conforme os dados publicados pela REN, Portugal tem tido um volume crescente de importações de GNL, via Sines, desde o início do ano, com o domínio da Nigéria e EUA como fornecedores, e a Rússia em terceiro lugar. No primeiro semestre deste ano, Portugal só importou gás, por via marítima, dessas três origens, mas houve alguma importação por via terrestre, pelos gasodutos que ligam Portugal a Espanha.

Embora os números da REN mostrem que Portugal, no segundo trimestre, importou mais gás, via Sines, do que no primeiro trimestre, no complexo de armazenamento subterrâneo da REN no Carriço, em Pombal, o nível de gás tem vindo a descer nos últimos meses, em contraciclo com a tendência europeia de reforçar as suas reservas gasistas, para o inverno.

A plataforma AGSI – Aggregated Gas Storage Inventory mostra que a Europa está, neste ano, com níveis de armazenamento de gás superiores aos do ano passado. Está, agora, está preenchida 85% da capacidade europeia, o que compara com 68% do final de julho de 2022.

De facto, a estratégia europeia de resposta à guerra na Ucrânia surtiu efeito: se, em março de 2022, a Europa tinha 25% das suas reservas de gás preenchidas, neste ano, o valor mínimo das reservas rondou os 55%, também em março. Esta estratégia, mais prudente, permitiu à Europa atingir esses 85% de armazenamento, patamar que, em 2022, só tinha sido atingido um mês e meio mais tarde, em meados de setembro. Todavia, Portugal tem tido, nos últimos dois meses, uma trajetória inversa, com o nível de armazenamento subterrâneo a recuar, enquanto a Europa reforça o seu aprovisionamento. Desde o final de junho de 2022 que a REN teve o complexo do Carriço totalmente cheio, situação que durou até 31 de maio de 2023. De lá para cá aquelas instalações têm libertado mais gás para o consumo do país do que o que vêm recebendo.

Não obstante, o país continua a cumprir os compromissos assumidos perante a UE, que previam o mínimo de 70%, em fevereiro e em maio, e de 80%, em julho, patamares que ainda não estão em causa, nem se prevê que o venham a estar.

A REN diz que as variações do volume armazenado “resultam exclusivamente das decisões de natureza logística e comercial que os agentes de mercado tomam no sentido de cumprir as suas obrigações contratuais de abastecimento do mercado”. Ou seja, esta infraestrutura é usada como ferramenta de flexibilidade para resposta à variabilidade do consumo total de gás. Assim, a 30 de junho, verificava-se um decréscimo na procura nacional de gás, em 2023, de cerca de 21% em relação a 2022. E a REN anota que a meta de enchimento do armazenamento subterrâneo para 1 de novembro, de 90%, é compatível com as obrigações de constituição de reservas de segurança e de outras reservas. Além disso, o elevado nível de aprovisionamento de GNL previsto para o agosto, na ordem dos 6,5 TWh (terawatt hora), antecipa a possibilidade de se iniciar alguma reposição das existências por transferências entre Sines e o Carriço.

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Por sua vez, o governo britânico anunciou, a 31 de julho, centenas de novas licenças de exploração de petróleo e de gás no Mar do Norte – um abrandamento da abordagem do primeiro-ministro Rishi Sunak ao aquecimento global. Porém, explica: “É mais vital do que nunca fortalecermos a nossa segurança energética e capitalizarmos essa independência para levar energia mais acessível e limpa para residências e empresas.”

Aduzindo que a Rússia instrumentalizou a energia, interrompeu o fornecimento e paralisou o crescimento em todo o Mundo, Rishi Sunak promete que, mesmo quando o país atingir a meta de carbono neutro até 2050, um quarto das suas necessidades de energia virá de petróleo e gás. 

E, reagindo à promessa do governo britânico, a organização ambiental Greenpeace denunciou a “cínica manobra política para semear a divisão”, da qual “o clima é um dano colateral”.

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Enfim, os objetivos ambientais já estavam difíceis de atingir. Com a guerra e as suas consequências, maior dificuldade se nos apresenta. E a vida não pode parar. Países destruídos têm de ser recuperados, bem como a biodiversidade desequilibrada.

2023.07.31 – Louro de Carvalho

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