sábado, 29 de julho de 2023

BCE anunciou, a 27 de julho, nova subida de juros

 

Era de esperar, de acordo com as expectativas enunciadas e explicadas por Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), que o regulador bancário da Zona Euro agravasse, a 27 de julho, as três taxas diretoras de juros, pela nona vez consecutiva, em mais 25 pontos base, com aplicação a 2 de agosto. Efetivamente, considera que a “inflação continua a descer, mas que ainda se espera que permaneça demasiado elevada durante demasiado tempo”. 

Esta nona subida consecutiva fixa a nova taxa nos 4,25%, 4,50% e nos 3,75%, respetivamente para as operações de refinanciamento, para a facilidade permanente de cedência de liquidez e para a facilidade permanente de depósito. A taxa de facilidade permanente de depósito (3,75%) assume o valor mais elevado dos últimos 22 anos e a diretora principal, a de refinanciamento, chega ao maior valor (4,25%) desde 2008 (15 anos).

Esta decisão do regulador bancário da Zona Euro vem em linha com a tomada nos mesmos valores percentuais, horas antes, pela Reserva Federal dos Estados Unidos da América (FED), também com efeitos a partir de 2 de agosto, embora, nos Estados Unidos da América (EUA), segundo alguns economistas, os juros já ultrapassem a taxa da inflação.

O BCE reconhece, em comunicado, que a inflação tem vindo a cair desde outubro de 2022, quando atingiu um pico de mais de 10%, mas continua acima da meta de 2%, definida pelo regulador, sendo provável que se mantenha “demasiado elevada durante demasiado tempo”.

Os aumentos anteriores dos juros estão lentamente a ter um impacto na economia, esfriando os aumentos dos preços das casas e dos empréstimos a empresas. Porém, o núcleo da inflação, que exclui os preços voláteis dos combustíveis e dos alimentos, continua alto. Por isso, o BCE deixou a porta aberta a novo aumento dos juros, em setembro, embora aumente o risco de recessão na Zona Euro.

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Esta medida tem, necessariamente, impacto na carteira dos cidadãos portugueses, famílias e empresas, com destaque especial para os custos do crédito à habitação. 

Como a Euribor a 12 meses está, atualmente, a 4% e os aumentos do BCE podem ser de 0,25% por duas vezes (uma foi desta vez), deve esperar-se, com algum grau de certeza, que a Euribor suba até perto dos 4,5% até ao fim do ano.

Assim, com um spread de 1%, poderá o cliente, durante vários meses, vir a pagar 5,5% de juro ao banco, a que acresce o prémio do seguro de vida. É uma brutalidade que representa o aumento de algumas centenas de euros mensais, em relação ao que pagava há um ano.

Se o cliente com a Euribor a 12 meses, tiver a renovação no pico da Euribor em dezembro ou em janeiro, pode ter um gasto suplementar com o crédito à habitação de vários milhares de euros no ano que vem, ou seja, em 2024. Com efeito, vários analistas apontam o pico da Euribor para janeiro de 2024, não se sabendo se ultrapassará os 4,5%. Depois, a partir de janeiro, as várias taxas Euribor deverão começar a descer. Baixarão dos 4%, mas, em 2024 e em 2025, deverão continuar a rondar os 3,5% e manterão a tendência de descida até chegar talvez aos 2,75%, em 2026, devendo continuar nesse patamar (com altos e baixos) até 2030.

É claro que se trata de previsões, podendo tudo mudar. Mas é importante ter estes valores como orientação. Por exemplo, uma taxa fixa de 4% até ao fim do contrato de empréstimo parece um valor exagerado, face às previsões. Resta saber se essa estabilidade compensa o preço alto a pagar. Já uma taxa mista a 2 anos, entre os 3 e os 4%, pode ser decisão sensata, se for suportável para o cliente, por exemplo, se beneficiou de tempo em que a Euribor foi negativa. Ao invés, casos houve em que se chegou a pagar, em tempos não longínquos, um juro de 5,5%.

O importante é aguentar o ano de 2023 no “olho do furacão”, pois é cedo para garantir que, depois, os juros baixarão, até porque não se sabe quanto tempo durará a guerra na Ucrânia ou como evoluirá as crises energética e alimentar, nomeadamente quanto ao acesso ao mercado dos cereais.

Em caso de risco de incumprimento, sempre é melhor vender a casa do que entregá-la ao banco.

Deixar correr e não pagar as prestações é que não é solução. Porém, há outras hipóteses, como: renegociar o spread, se for superior a 1,2%; transferir o crédito à habitação para outro banco; mudar para taxa fixa ou mista; amortizar o máximo que se puder o crédito à habitação; usar o plano de poupança reforma (PPR) para pagar a prestação ou para amortizar o crédito; pedir ao banco a bonificação dos juros pelo Estado e outros benefícios que o ministro das Finanças diz estarem em equação; negociar o alargamento do prazo do empréstimo; consolidar os créditos; renegociar o seguro de vida; acionar, junto do banco, o plano de ação para o risco de incumprimento (PARI); e pedir ajuda à Associação de Defesa do Consumidor (DECO) ou a uma instituição da Rede de Apoio ao Cliente Bancário (RACE). 

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Enquanto o spread é uma componente da taxa de juro, definida pelo banco, contrato a contrato, ao conceder o empréstimo (o lucro do banco no empréstimo), a Euribor (acrónimo de EurInterbank Offered Rate ou taxa interbancária oferecida em euros) é uma das principais taxas de referência do mercado monetário da Zona Euro, indicando a taxa média de juro dos empréstimos interbancários sem garantia da Zona Euro. Considera as taxas dos 32 principais bancos europeus, excluindo os valores extremos: os 15% mais altos e os 15% mais baixos.

Criada com o euro, a 1 de janeiro de 1999, a sua primeira taxa foi definida a 30 de dezembro de 1998, com validade a partir de 4 de janeiro de 1999. Porém, antes, publicava-se taxa semelhante, a Aibor (Amsterdam Interbank Offered Rate), também publicada diariamente, para lá de taxas de juros locais, como a Lisbor (Lisbon Interbank Offered Rate), taxa interbancária em escudo.

A Euribor é calculada diariamente pela European Banking Federation (EBF) e publicada pela Reuters. A divulgação acontece às 11h00 (hora Central Europeia e é rapidamente difundida pela imprensa. É usada como taxa de referência para os empréstimos bancários e como taxa base para diversos produtos de taxas de juros (derivados). Encontram-se como exemplos, futuros de taxas de juros, swap de taxas de juros e contratos de garantias de taxas. É bastante usada como taxa de referência em empréstimos hipotecários e em contas poupança. Em Portugal, as taxas Euribor são os indexantes mais recorrentes em empréstimos à habitação, tendo grande impacto quando estas taxas caem, visto que permitem que o custo do crédito diminua, assim como fazem subir os encargos, quando aumentam. No caso dos depósitos, a remuneração destes também tende a refletir as oscilações destas taxas, mas, por vezes, não proporcionalmente. A prática corrente, em Portugal, entre as instituições de crédito à habitação, é estabelecer dois tipos de taxas: fixa e variável. É na taxa variável que entra a Euribor, já que esta taxa lhe está indexada.

No crédito à habitação, a taxa Euribor funciona em conjunto com o spread, formando estes dois fatores a taxa de juro do crédito. De valores mínimos e até negativos, tendo reduzido o custo do crédito habitação, a Euribor passou, graças ao aumento sucessivo das taxas de juro diretoras, pelos bancos centrais (nomeadamente FED e BCE), a valores que se tornam quase insuportáveis, sem que as pessoas e as empresas se tenham precavido para tal situação.

Com efeito, a oscilação das taxas de juros Euribor é alinhada pelo volume de oferta e de procura. É apenas uma taxa de juro do mercado que é formada por um grande número de bancos diferentes (painel de bancos). Contudo, outros fatores externos podem influenciar, em boa escala, o nível da taxa de juro Euribor, como por exemplo o crescimento económico e o nível da inflação. Regra geral, as taxas Euribor evoluem de acordo com a taxa de referência praticada pelo BCE.

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Por fim e porque a inflação é invocada como justificação para decretar a subida de juros e, segundo Christine Lagarde, é motivada, em grande parte, pela subida de salários, quando todos nos queixamos da perda de salário nominal e, sobretudo, de salário real, conveniente revisitar o conceito e a realidade da inflação.

A inflação é a taxa de aumento dos preços dos bens de consumo, dos serviços e do custo de vida, determinável por vários meios, sendo o mais comum o índice de preços ao consumidor (IPC), que mede a variação média dos preços pagos, ao longo do tempo, pelos consumidores urbanos por um cabaz de mercado de bens e de serviços ao consumidor, o que leva a identificar tendências de preços dentro da economia.

Existem vários fatores. Um deles é a disposição e a capacidade das pessoas de pagarem preço mais alto por bens e por serviços, o que leva a aumento em custos de produção de matérias-primas e, por isso, ao aumento de preços. Isso não ocorre imediatamente, mas, durante um período de tempo em que as mudanças de preço parecem pequenas, no início. Os produtos e serviços de maior necessidade ou procura são propensos à inflação. Os de necessidade incluem itens essenciais, como comida, imóveis, serviços públicos e saúde, enquanto os outros incluem itens de luxo desejados, como joias e carros. Outros fatores configuram várias modalidades de inflação.

A inflação de procura resulta do rápido crescimento na procura agregada de bens e de serviços de consumo, levando a aumento dos preços. Numa economia forte, os custos aumentam, porque as empresas impulsionam a oferta para atenderem a nova procura. Assim, forte crescimento económico causa problemas, se ocasiona inflação alta. Pessoas com salários altos ajustam-se; as outras, não. A inflação de custos resulta do aumento dos custos de mão-de-obra e de fabrico (salários e matérias-primas), causando preços elevados de bens e serviços de consumo. Há queda na oferta de bens e de serviços, mas a procura permanece estável. Os consumidores suportam o aumento do custo de produção, quando pagam preços mais elevados pelo produto ou serviço final. E a inflação do mercado mobiliário resulta do aumento da procura de casas numa economia em expansão. Como o mercado de ações, o mercado imobiliário tem visto volatilidade recentemente. À medida que mais consumidores buscam “equity” na forma de propriedade, os compradores esperam um aumento subsequente nos preços dos imóveis, o que também se aplica a produtos auxiliares relacionados com a construção, como madeira, aço, cimento, etc.

Os economistas (sobretudo os da FED e os do BCE) olham atentamente para a variação percentual dos preços e ajustam as taxas para criar mais estabilidade de preços. No entanto, não podem definir os preços: só podem esperar que as mudanças de taxa os ponham em ação.

A inflação preocupa os consumidores, porque o dinheiro ganho e economizado perde valor ao longo do tempo e as pessoas perdem poder de compra.

Uma das grandes causas da inflação são os grandes acontecimentos mundiais. Por exemplo, a pandemia de covid-19 desencadeou um aumento errático. A procura estava branda, na fase inicial, mas cresceu, especialmente com mais pessoas comprando online. A esse aumento associou-se a crise na cadeia de suprimentos: armazéns sobrecarregados, portos de embarque bloqueados a impedir a entrega de mercadorias e rarefação nos stocks. Além disso, os preços da habitação aumentaram em imóveis para venda e para arrendamento. Muitas empresas exploraram o momento, para desfrutarem dos benefícios do aumento do consumismo e dos gastos dos consumidores. E isto acontece na presente crise, apesar dos apoios dos governos, como em muitas outras crises, exceto no tempo da troika portuguesa e em casos similares.

A inflação afeta os preços ao consumidor e o custo de vida. À medida que a inflação aumenta, aumentam os preços dos produtos e serviços de consumo, como mantimentos, serviços públicos, saúde e imóveis. Esse aumento podia reduzir a despesa do consumidor, já que muitas famílias orçamentam parte considerável do rendimento familiar para esses itens necessários.  

Um dos efeitos da inflação é o impacto global nos salários. Embora muitas indústrias, como a hotelaria, mostrem uma recuperação lenta, mas constante, após as perdas sofridas pela pandemia, os salários não acompanham o ritmo da inflação, o que se agravou com a guerra.

Não culpam a especulação: acentuam a necessidade de salários baixos. Triste condição!

2023.07.29 – Louro de Carvalho

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