segunda-feira, 24 de julho de 2023

As eleições gerais põem a governação de Espanha numa encruzilhada

Os resultados eleitorais do dia 23 de julho, em Espanha, permitiram que, na sede de cada um dos dois grandes partidos, os respetivos líderes, Alberto Núñez Feijóo, do Partido Popular (PP), e Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), cantassem vitória com os seus militantes. E a imprensa espanhola assinala a vitória da esquerda ao impedir uma maioria absoluta de direita, apesar da vitória nominal do PP.
O jornal El País recorda que o PP sonhava com 168 lugares e uma vitória esmagadora que o levasse a governar com maioria, sem o Vox. Porém, a resistência à esquerda, superior ao esperado, deixou Feijóo com uma “vitória apertada”, com o PSOE a melhorar, em muito, os seus resultados de 2019. Assim, o partido de centro-esquerda renasce das cinzas do 28-M [28 de maio], para melhorar o resultado de 2019” – alusão à derrota socialista nas eleições municipais e autonómicas de maio, com o Sumar a agarrar-se a um possível restabelecimento do governo de coligação.
O El Mundo salienta a vitória de Feijóo, mas equaciona a eventualidade de Carles Puigdemont fazer de Sánchez presidente do Governo, pois o PP venceu as eleições, mas sem obter a maioria procurada. É uma referência ao dirigente catalão demitido pelo governo espanhol, em 2017, por ter tentado proclamar um sistema republicano na Catalunha. Este diário, tal como o El País, considera que os resultados do PSOE mostraram ânimo, face ao obtido há quatro anos, deixando o PP sem a maioria absoluta e bastante aquém das expectativas inicialmente projetadas. “A vitória foi amarga, para o PP, e a derrota doce para o PSOE”, sublinha o jornal.
Para o ABC, os eleitores espanhóis votaram por meio de “uma equação política diabólica”, entregando a Feijóo a vitória eleitoral, com 136 assentos nas Cortes, mas dando a Pedro Sánchez a oportunidade de uma oposição, juntamente com os seus aliados e com o partido de Puigdemont. Fica iminente a possibilidade de bloqueio político, se não houver lugar à negociação.
No seu editorial, o diário refere que, apesar das previsões, os resultados frustraram as expectativas dos conservadores e tornaram improvável uma alternativa ao governo de Sánchez.
Segundo o La Vanguardia, Espanha travou a onda Meloni, o que foi surpresa para Madrid, para o país e, mesmo, para a Europa. O PSOE resistiu ao golpe de 28 de maio com o contributo decisivo do eleitorado catalão, negando o avanço da extrema-direita, que vem ganhando popularidade, desde o início da guerra na Ucrânia.
O El Economista refere que os resultados eleitorais sugerem um cenário de difícil governança, apesar de Núñez Feijóo e de Pedro Sánchez terem opções para liderar o país, e carateriza a “mudança de ciclo” e a “maré azul” do PP como vitória inútil pela falta de maioria com o Vox.
O PP conquistou 136 lugares nas Cortes Gerais (Parlamento), contra 122 do PSOE, quando são precisos 176 para a maioria absoluta. Em terceiro lugar, fica Abascal, do Vox, com 33 assentos, enquanto a coligação Sumar surge, com 31 deputados, resultados que ficam abaixo dos números de 2019, em ambos os casos. Com apenas sete assentos de diferença, face ao número da maioria absoluta, Feijóo e Sánchez terão de fazer “malabarismos”, para governar, avança o El Economista, sendo o problema, para Feijóo, encontrar o apoio de que necessita.
Efetivamente, a soma os lugares de deputados da direita – 136, do PP, com os 33 do Vox – é de 169, resultado que deixa Feijóo a sete lugares da maioria absoluta. Todavia, para Sánchez poder formar governo, precisa de somar os 122 lugares de deputados do seu partido com os 30 da coligação Sumar e com todos os dos outros partidos à esquerda, incluindo partidos regionalistas e até partidos que eram separatistas.   
Fracassaram as sondagens e as projeções que anteviam maioria absoluta para uma aliança entre direita e extrema-direita. E o primeiro-ministro socialista aspira a manter-se no poder reeditando os pactos com esquerda radical, nacionalistas bascos e catalães e forças regionalistas.
Não houve vitória esmagadora do PP, nem derrota estrondosa PSOE. Os resultados das legislativas antecipadas, realizadas a meio de uma vaga de calor generalizada e com meio país de férias, não permitem indicar quem governará, mas desmentem as notícias de morte política de Sánchez, apesar da campanha dura do seu adversário conservador, com o mote de “derrubar Sánchez e revogar o sanchismo”. É temerário declarar a morte política de alguém!
O PP venceu as eleições com 33% e 136 lugares no Congresso dos Deputados, mais 47 do que obtivera em 2019. Os socialistas ficam com 31,7% dos votos e 122 deputados, mais dois do que na legislatura cessante, do que resultou uma situação complexa.
Com o partido de extrema-direita Vox a sofrer um desaire, ao perder 19 dos 52 parlamentares de que dispunha, e a obter 12,4% dos sufrágios, a direita está aquém dos 176 deputados que asseguram a maioria absoluta. Feijóo reivindicou a prerrogativa de formar governo e já iniciou diligências para isso, por ter sido o mais votado, mas sem a votação de investidura bem-sucedida não será primeiro-ministro. Porém, Sánchez poderá reeditar, embora seja difícil, uma investidura como a subsequente às eleições de novembro de 2019, juntando aos do PSOE os votos da coligação de esquerdas Somar (12,2%, com 30 deputados) e os votos dos nacionalistas catalães (incluindo o partido Juntos pela Catalunha, que exige um referendo de autodeterminação), bascos e galegos. Se acrescentar só 25 votos aos do PSOE e do Somar, garantirá 172, mais um do que a soma do PP com o Vox e as pequenas Coligação Canária e União do Povo Navarro.
Feijóo foi incapaz de convencer o povo de que era necessária uma vitória contundente para formar um Governo forte. E Sánchez enfrenta outro dilema: tem de admitir entre os seus interlocutores de negociação os independentistas do partido Juntos pela Catalunha (JxC), cujos sete deputados podem ter a chave da governabilidade. O primeiro-ministro já avisou que não aceitará que se convoque um referendo na Catalunha, condição sine qua non para ter o apoio do JxC, dirigido pelo ex-presidente catalão Carles Puigdemont, que está fugido para a Bélgica.
A primeira tentativa de empossar um primeiro-ministro (que deve acontecer no final de agosto) requer 176 votos a favor (maioria absoluta). A segunda exige apenas mais votos favoráveis do que os contrários. No presente panorama, vislumbram-se duas opções: em segunda sessão, as esquerdas obtêm mais votos “sim” do que “não”; ou então, gera-se o bloqueio e haverá novas legislativas no final deste ano ou no início de 2024.
Cabe ao rei Filipe VI decidir quem é encarregado de formar o Executivo; em teoria, será a pessoa que disponha de mais apoios e, logo, mais facilidade em ser eleito pelas Cortes. Neste caso, seria Sánchez, mas Feijóo pode exigir que o monarca o designe aspirante à chefia do Governo com base na vitória nas urnas. Num discurso aos seus seguidores, na noite eleitoral, o líder do PP reclamou aos demais partidos que facilitem o seu acesso ao Governo.
A jornada eleitoral fica marcada por fenómenos políticos, cuja relevância se captará ao longo do tempo. É de anotar que o Partido Nacionalista Basco (PNV) perdeu a hegemonia do nacionalismo da região, que ostentou durante décadas, a favor do Euskal Herría Bildu (Unir o País Basco), partido da esquerda radical e herdeiro político da organização terrorista ETA.
Também a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que está no governo autonómico, perde seis dos 13 deputados de que dispunha, igualando o rival interno, o JxC de Puigdemont. Os radicais da Candidatura de Unidade Popular (esquerda separatista antissistema) perdem a representação no Parlamento nacional. Na Catalunha, a vitória arrasadora foi do Partido dos Socialistas Catalães (PSC), sucursal local do PSOE, que elege 19 deputados na região e prevê mudar o cenário político regional nas eleições autonómicas de 2025.
Outro elemento surpreendente é o fracasso das previsões, que não se aproximaram dos resultados reais. O Centro de Investigações Sociológicas (CIS, dependente do Estado) – criticado à direita, por pretenso favoritismo ao Governo e ao primeiro-ministro, foi o único instituto de sondagens que acertou. Os estudos de várias empresas, nos últimos dias, baseados em mais de 17 mil entrevistas e revelados à boca das urnas, davam ao PP de 145 a 150 deputados e ao PSOE de 113 a 118. A participação foi inferior à de 2019 em quase quatro pontos, embora os cidadãos tenham utilizado, como nunca, o voto por correio (mais de 2,4 milhões de eleitores).
Se a investidura governativa não resultar, nem para Feijóo, nem para Sánchez, as Cortes Gerais serão dissolvidas e serão marcadas eleições para daí a 47 dias. Foi o que sucedeu nas duas últimas vezes em que houve eleições legislativas, em Espanha: entre 2015 e 2019 os espanhóis elegeram quatro vezes as suas Cortes Gerais.
Entretanto, sabe-se que o líder do JxC já apresentou condições a Sanchez, entre as quais ressalta o referendo e a amnistia para os crimes em apreço, designadamente os atinentes à tentativa de implantação de um regime republicano na Catalunha. E, para complicar, a Justiça espanhola está a reivindicar o julgamento e a punição dos supostos crimes, incluindo a detenção dos suspeitos.    
Duas conclusões emergem: as empresas de sondagens têm, em Espanha, como em Portugal, de rever os métodos de atuação, sendo de exigir mais cuidado na constituição das amostras e de não metralharem, reiteradamente, o eleitorado com números; e é clara a dialética entre a tendência do avanço da extrema-direita para o poder e a resistência da esquerda, ainda que enfraquecida.

2023.07.24 – Louro de Carvalho


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