domingo, 30 de julho de 2023

Setor bancário teve, em 2022, a maior rentabilidade desde 2007

 

 

Enquanto as famílias e as empesas deitam as mãos à cabeça por causa da subida dos juros, a banca ufana-se dos lucros, não admitindo que sejam excessivos ou escandalosos. Para lá das taxas para tudo e para todos (Será?), a demora em subir o juro do depósito, em contraste com a pressa em subir o do crédito, deu aos bancos ganhos maiores em pelo menos 20 anos; e o diferencial entre o juro médio cobrado no crédito e o juro pago no depósito está no valor mais alto desde 2003.  

Há pelo menos 20 anos – desde que há dados comparáveis – que a banca não fazia tanto dinheiro com a diferença entre o que cobra pelo crédito e o que paga pelo depósito.

Não é surpreendente que o negócio bancário tenha vindo a beneficiar com essa diferença, mas o enquadramento na história recente foi feito agora pelo Banco de Portugal (BdP). “O aumento da margem financeira ocorreu num contexto em que as taxas de juro dos empréstimos tiveram uma resposta mais rápida à subida dos juros nos mercados interbancários do que as taxas de juro dos depósitos. No final de 2022, esse diferencial era de 3,3 pontos percentuais [pp], o valor mais elevado desde 2003, ano inicial das séries de taxas de juro hoje divulgadas”, indica o destaque sobre as séries longas do setor bancário, divulgado pelo BdP, a 26 de julho.

Esse diferencial encontrava-se, no fim de 2021, ligeiramente abaixo dos 2 pontos. E foi em torno dessa faixa que se situou desde 2015. Só em 2007, antes de se sentirem os efeitos da crise financeira global, é que a taxa estava acima de 3 pontos, mas abaixo dos 3,3 pp de diferença entre juro pago no crédito e juro pago no depósito.

Os créditos são atualizados automaticamente, por estarem indexados às taxas Euribor, que têm disparado em antecipação e em reação à subida da taxa de juro diretora do Banco Central Europeu (BCE). A cada três, seis ou 12 meses, os prazos mais contratualizados em Portugal, há atualização da prestação. Já os depósitos continuam com juros baixos; os juros nos novos depósitos estavam próximos de zero, em 2022, e ainda estão pouco acima de 1%. É um diferencial recorde, sobretudo do lado dos depósitos. A taxa média da carteira de empréstimos até subiu dos 2% para mais de 3,3%, mas continua abaixo dos mais de 5%, de 2008. Porém, não houve mexidas relevantes nos juros dos depósitos e, como permaneceram perto de zero, no fim de 2022, chegou-se ao diferencial de 3,3 pontos, revelado pelo BdP.

Estes dados são do fim de 2022, mas a banca têm, desde aí, reduzido incentivos para subir, de forma significativa, a remuneração dos depósitos (incentiva o investimento em fundos, que comportam riscos), quando as prestações dos créditos são revistas em alta, à medida que os indexantes contratados chegam à maturidade. E o Governo anunciou novas medidas para ajudar famílias com crédito à habitação para conter o impacto.

Outros dados do supervisor bancário mostram que só em junho foi estancada a fuga de depósitos que se vinha a sentir desde dezembro, tendo em conta a reduzida remuneração paga. Foi esta margem com juros que ajudou as contas dos bancos, em 2022: “O aumento dos resultados líquidos de 1151 milhões de euros está, sobretudo, relacionado com o incremento de 1381 milhões de euros da margem financeira e com a diminuição de cerca de 600 milhões de euros dos custos com a constituição de imparidades e de provisões”, diz o BdP.

Entre 2011 e 2017, a rendibilidade do setor tinha sido negativa, com exceção de 2015, ano em que foi virtualmente nula. Os resultados de 2022, que corresponderam a 0,7% do ativo, foram os mais elevados desde 2007, ano anterior ao início da crise financeira internacional. Não só 2022 foi um ano com lucros expressivos, como a primeira metade deste ano foi rica em resultados positivos, acima de anos anteriores, para o setor bancário. Têm sido tão significativos os lucros que a banca até antecipa a desaceleração desse crescimento no segundo semestre do ano.

Os banqueiros frisam a importância destes resultados – não excessivos ou “escandalosos” – e defendem que só com rentabilidade conseguem fazer investimentos e atrair capital de qualidade, para pagarem os dividendos aos seus acionistas. E, nos custos, os bancos continuam o ajustamento, encerram agências e dispensam trabalhadores. E, segundo o BdP, a tendência verifica-se na atividade doméstica e na internacional, embora com maior força na primeira.

“Em 2022, o número de agências bancárias reduziu-se de 4820 para 4626. O número de balcões relacionados com a atividade doméstica tem vindo a diminuir, de forma ininterrupta, desde 2010, totalizando menos 3090 balcões (48%). Já o decréscimo nas agências relacionadas com a atividade internacional foi de 450 balcões (26%), em relação ao valor máximo observado em 2012”, indica a autoridade bancária. E, a nível de trabalhadores, “havia mais 119 trabalhadores no setor bancário” no fim de 2022, totalizando 58.978. E houve um caso especial de subida, contrária à tendência de redução de trabalhadores, observada nos últimos anos, que é explicada pelo aumento de trabalhadores de um banco que, embora localizado em Portugal, tem a atividade orientada para a prestação de serviços à escala global. É o BNP Paribas, que tem vários serviços de apoio (backoffice) concentrados no país.

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Em suma, o resultado líquido dos cinco maiores bancos a operar no país ascendeu a quase dois mil milhões de euros, até junho. Os juros altos renderam 4,2 mil milhões na margem financeira, que catapultou mais de 70% em termos homólogos. O banco do Estado, a caixa Geral de Depósitos (CGD) voltou a encabeçar os ganhos, depois de registar mais de metade dos lucros obtidos em 2022, mas foi o BCP o que mais cresceu, multiplicando o resultado por sete.

Prosseguindo a trajetória ascendente iniciada em 2022, os ditos cinco maiores bancos obtiveram um resultado líquido consolidado de 1,9 mil milhões de euros nos primeiros seis meses de 2023, tendo lucrado cerca de 11 milhões por dia até junho, o que, comparando com o igual período de 2022, reflete melhoria de quase 60%.

Mais uma vez, a CGD, o banco do Estado, voltou a ser a protagonista na tabela dos ganhos, ao somar 607,8 milhões de euros, um valor que não só reflete uma subida de 25% face aos 485,6 milhões registados no semestre homólogo, como também representa mais de metade dos lucros obtidos em todo o exercício anterior (843 milhões) – com a margem financeira a triplicar. Contudo, o maior crescimento deu-se no BCP, cujo resultado líquido foi multiplicado por sete, passando de 62,2 milhões de euros, em junho de 2022, para 423 milhões, nesse mesmo mês, em 2023. A evolução foi de 580% – ou 361 milhões de euros, em termos absolutos –, apesar dos encargos de 399 milhões gerados pelo polaco Bank Millennium, detido em 50% pelo grupo.

O Novo Banco (NB), que viu dar por concluído, em fevereiro, o processo de reestruturação, conquistou o terceiro, alcançando lucros consolidados de 373,2 milhões de euros, resultantes da subida de praticamente 40% em relação ao final do sexto mês de 2022.

No Santander, o crescimento do resultado líquido fixou-se nos 38%, o que permitiu encaixar mais 96,4 milhões de euros em relação ao período homólogo – no total, o banco lucrou 333,7 milhões. Já o BPI foi o que, ao nível absoluto, menos cresceu, somando, mesmo assim, 53 milhões de euros, que perfizeram 256,2 milhões de euros, mais 26% face a junho de 2022.

Estes bancos viram o produto bancário crescer nos primeiros seis meses do ano. E aponta-se o dedo a Christine Lagarde ou ao conselho de governadores do BCE, firme na estratégia de arrefecer a economia e conter a inflação, pelas subidas consecutivas na taxa de juro.

Esta escalada, que vem agravando as prestações pagas aos bancos, sobretudo no crédito à habitação, conjugada com o facto de os depósitos a prazo, em Portugal, remunerarem abaixo do expectável – em maio, a taxa de juro média dos novos depósitos até um ano fixou-se nos 1,18% –, fez com que a margem financeira conjunta das cinco instituições catapultasse.

Assim, a diferença entre juros cobrados em empréstimos e juros pagos em depósitos rendeu à banca mais de 4,2 mil milhões de euros até junho, disparando quase 74% face ao semestre homólogo, quando foram embolsados 2,4 mil milhões de euros provindos desta rubrica.

O BCP foi, à semelhança do sucedido no primeiro trimestre, o que mais beneficiou da subida das taxas de juro, ao encaixar 1,37 mil milhões de euros de margem financeira, desde o início do ano, numa subida compreendida em 39,5%. Seguiu-se a CGD, com 1,31 mil milhões e o maior crescimento dos cinco: 127,7%. O Santander, apesar de não atingir o terceiro lugar dos maiores ganhos, tomou essa posição na tabela da margem financeira, somando 586,5 milhões de euros – acréscimo de 58,4% em relação ao igual período de 2022. Seguiu-se o NB, com um crescimento de 95,5%, para 524 milhões de euros, e o BPI, com o aumento de 81%, para 438,6 milhões.

Amortizações antecipadas e menor procura de financiamento, por parte das famílias e das empresas, foram as principais explicações para que a carteira de crédito consolidada dos cinco bancos sofresse um decréscimo de 0,7% no primeiro semestre de 2023.

O abrandamento, especialmente no mercado de crédito hipotecário, já vinha a ser notado desde o início do ano, e levou a que, no final de junho, o stock de empréstimos concedidos pelo BPI, pela CGD, pelo BCP, pelo NB e pelo Santander totalizasse 208,06 mil milhões de euros, montante que compara com os 209,5 mil milhões homólogos. Excetuando o NB e o BPI, que apresentaram evoluções positivas de 1% e 3,8%, respetivamente, todas as outras instituições sofreram perdas. O Santander assumiu a maior, de menos 3,8% para 41,9 mil milhões de euros, seguindo-se o BCP (-1,3%) e a CGD (-0,8%). E o decréscimo da atividade creditícia impactou também as receitas obtidas por meio de comissões cobradas aos clientes. Até junho, reduziram 1,7% para 1,19 mil milhões de euros, enquanto no primeiro semestre de 2022 o valor obtido por esta via foi de 1,22 mil milhões. O BCP foi o banco que mais ganhou ao nível do comissionamento (387 milhões), sucedendo-se a Caixa Geral de Depósitos (289,1 milhões) e o Santander (231,2).

Desde que o ano arrancou, os cinco bancos viram sair quase sete mil milhões de euros dos seus cofres, provenientes da atividade doméstica e internacional. Os depósitos agregados do BPI, da CGD, do BCP, do NB e do Santander, somavam, até junho, cerca de 247,9 mil milhões de euros, o que, comparativamente com o igual período do ano passado, traduz uma queda superior a 2,7%. A aposta nos Certificados de Aforro – que até junho, pela subscrição da série E, remuneravam a um máximo de 3,5% (a série F, que lhe sucedeu, remunera a 2,5%) – e os reembolsos antecipados da dívida da casa terão sido as principais explicações. O Santander foi o mais penalizado, com as perdas a chegarem quase aos 9%, e o BCP foi o único a acumular mais poupanças (+2,9%).

Aqueles não foram os únicos recursos a conhecer um corte. Os cinco bancos fecharam os primeiros seis meses de 2023 com menos 439 trabalhadores e 75 balcões, em Portugal, comparativamente com igual período de 2022. A CGD liderou a saída de trabalhadores (-293) e o fecho de dependências (-24), seguindo-se o BPI (-83/18), o NB (-35/-12) e o Santander (-30/-8 agências). O BCP, embora tenha encerrado 12 sucursais no país, foi o único banco que não registou perdas, somando até mais duas pessoas.

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Apesar dos lucros registados, como se deixou entreler, há perdas, sobretudo da diminuição dos depósitos a prazo e da supressão de muitos. É o que dá a teimosia em não os remunerar decentemente e o incitamento a investir em fundos e em obrigações. O volte-face nos certificados de aforro não é significativo. É certo que, no final de junho de 2023, o stock de depósitos de particulares nos bancos residentes totalizava 174,9 mil milhões de euros, mais 1,2 mil milhões de euros do que em maio. Foi o primeiro aumento mensal em 2023, mas representa um decréscimo de 3%, face a junho de 2022. Desde dezembro, em que havia mais de 182 mil milhões de euros aplicados em depósitos, vinha a registar-se uma quebra do montante depositado: as baixas taxas de juro pagas pela banca, que demoraram a subir e a reagir à subida do juro diretor do BCE, levaram à retirada dos depósitos, a invés do que sucede na Zona Euro.

Assim (nada agradável), os principais bancos perdem 7,4 mil milhões de euros em poupanças. Veremos se invertem a tendência ou se oneram ainda mais os serviços que prestam.

2023.07.30 – Louro de Carvalho

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