quinta-feira, 6 de julho de 2023

Estranho seria não haver pressão política na TAP

No fim do dia 4 de julho, foi entregue à Assembleia da República (AR) a versão preliminar do relatório da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à  TAP Air Portugal, Transportes Aéreos Portugueses (TAP), que deixou de fora o episódio que se passou no gabinete do Ministério das Infraestruturas (MI), por ser do âmbito da Justiça, bem como o atinente à intervenção do Serviço de Informação e Segurança (SIS), para a recuperação do computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro, por o assunto ter sido abordado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Aliás, como pediam alguns deputados na CPI, mais do que de tais episódios, interessava que se falasse da TAP.
O documento de 180 páginas, que pode sofrer modificações, se a relatora, a socialista Ana Paula Bernardo, aceitar as propostas de alteração dos grupos parlamentares, enuncia 75 conclusões, nas quais não vê pressões do Governo sobre a TAP, nem critica o ex-ministro Pedro Nuno dos Santos no processo da saída de Alexandra Reis e da respetiva indemnização, assim como nas decisões tomadas por WhatsApp ou por outro tipo de comunicação informal.
Ao nível da alegada interferência do poder político na gestão da empresa, há um caso referido de indicação do acionista, mas é visto como o exemplo que confirma a regra, ou seja, um caso isolado e excecional. Já nos casos que envolveram Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, não há “condicionamento”, segundo a relatora.
Todavia, merecem nota duas situações de envolvimento da tutela setorial, admitidas por Hugo Mendes: o e-mail, que o próprio qualificou de infeliz, de pedido à presidente da comissão executiva (CEO) da TAP para alteração de voo do Presidente da República; e a presença de Hugo Mendes na reunião de preparação de resposta da TAP ao despacho conjunto das tutelas sobre a saída de Alexandra Reis. Em ambos os casos, parece não haver evidências de condicionamento nas decisões finais da TAP”, segundo o relatório.
Nem sobre o tema que espoletou a CPI à TAP, a indemnização de meio milhão de euros, o Governo é criticado no documento entregue aos diversos grupos parlamentares. O ministro das Finanças ao tempo e o atual, bem como o ministro das Infraestruturas, passaram imunes por entre os pingos da chuva: ou não conheciam o clausulado ou acreditaram nas assessorias externas ou não condicionaram a decisão final.
Refere-se que os ex-governantes mudaram as versões da autorização à indemnização, mas sem conotação conclusiva: “Ainda em data anterior à constituição da CPI, Pedro Nuno Santos reconheceu publicamente que, após a primeira declaração, teve acesso a algumas mensagens trocadas entre ele, a chefe de gabinete e Hugo Mendes, sobre o valor da indemnização, reafirmando que desconhecia os termos do acordo.” Assim, o relatório coloca a responsabilidade nos gestores, e não no Governo, na decisão da saída de Alexandra Reis. E outra das notas deixadas pela relatora é que não há informalidade na tomada de decisão: A utilização de WhatsApp como meio de comunicação foi recorrente em todo este processo, todavia não se pode inferir que o processo decisório deste Ministério não seja formal.”
Não obstante, deixa recomendações sobre os processos “formais” que devem ser usados entre os ministérios com tutelas partilhadas.
Entretanto, a relatora, acusando a Comissão Europeia de falta de colaboração com a CPI, propõe discussão sobre falta de respostas dos responsáveis da Comissão Europeia e da Direção-Geral de Concorrência (DGComp), o que não é novidade, já tendo acontecido noutras CPI, como na do Banif ou na do Novo Banco. Com efeito, além das 46 audições realizadas, a CPI à TAP dirigiu pedidos de 13 depoimentos por escrito a personalidades ligadas à TAP. Mas, na volta do correio só chegaram 10 respostas, entre as quais a de David Neeleman, antigo acionista da TAP, ou a de Fernando Pinto, ex-presidente.
Ficaram três respostas por chegar: todas ligadas à Comissão Europeia. Olivier Guersent, diretor-geral da DGComp, foi um dos visados, bem como a comissária europeia Margrethe Vestager e a antiga comissária com a tutela dos transportes Violeta Bulc.
Bruxelas, onde está sediada a Comissão Europeia, que exerce os poderes executivos da União Europeia (UE), teve um papel central na TAP. A Comissão Europeia surge 24 vezes mencionada no relatório. É na sua estrutura que a DGComp funciona, que foi quem teve de negociar com o Estado português o plano de reestruturação da TAP: plano com cortes salariais, de trabalhadores e de oportunidades de voo, para garantir que não havia favorecimento pela injeção pública que, no caso da companhia aérea, ascendeu a 3,2 mil milhões de euros.
É pela ausência de respostas que, no quadro das 13 recomendações que inscreve no relatório, Ana Paula Bernardo aponta: “Tendo em conta os objetivos desta CPI e das Comissões de Inquérito em geral, salientamos que não tenhamos tido a colaboração das instituições comunitárias, face ao pedido de informação e requerimentos realizados. Entendemos que este assunto deverá ser discutido nas instâncias próprias.”
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Mal o texto foi conhecido, choveram as críticas, o que não é estranho. “Parcial”, “levezinho”, “um embaraço”, “feito à medida de Galamba e Costa”. São os mimos atirados pelos partidos ao relatório, cuja versão final será discutida a 13 de julho e, como o Partido Socialista (PS) dispõe de maioria absoluta na CPI e no Plenário, facilmente terá aprovação.
O Partido Social-democrata (PSD) votará contra o relatório “feito à medida” do PS e Luís Montenegro considera-o um “branqueamento político completo”. A iniciativa Liberal (IL) critica a “farsa” e não proporá alterações. O Bloco de Esquerda (BE) acha “incompreensível” haver acontecimentos no MI e do SIS fora do relatório. O Chega considera-o um “embaraço” e acusa o Governo de ser autor do mesmo.
Paulo Moniz, do PSD, diz que o documento “não tem em conta as audições” e que o PS não resistiu à tentação, pois o primeiro-ministro dissera que retiraria consequências políticas, no final. Assim, o relatório foi redigido de modo que “as consequências não existam”.
Em reunião com o INEM, o presidente socialdemocrata, Luís Montenegro, multiplicou as críticas ao relatório. Considerou-o um “branqueamento político completo” da ação dos membros do PS envolvidos na gestão pública da TAP. Sustenta que há omissões “intoleráveis” de conteúdos discutidos nas audições da CPI. “É uma vergonha democrática que se olhe para as audições e se decida não incluir nada nas conclusões”, disse, acrescentando: “É uma desvalorização do papel dos deputados no escrutínio e apuramento de factos.” Até lembrou que a “maior preocupação” do documento foi incluir um “comentário” sobre a privatização de 2015, encabeçada pelo governo de Pedro Passos Coelho.
Rui Rocha, que acusou o relatório de ser feito à medida do PS, comentou: “Estamos perante uma obra de ficção que contraria a realidade.” Para o líder da IL, há uma “diferença brutal” entre referido no documento e o ouvido nas audições; e não há “referências adequadas” e “profundas” aos 3,2 mil milhões de euros injetados na TAP.
Pedro Filipe Soares atirou: “O relatório parece feito à medida de João Galamba e do primeiro-ministro.” O líder parlamentar do BE considera “incompreensível” que as polémicas da noite de 26 de Janeiro não sejam incluídas no relatório. Para o bloquista, tais eventos fizeram parte do trabalho dos deputados na CPI e devem estar incluídos tal como os restantes eventos. “O primeiro-ministro vai usar este relatório para não retirar consequências políticas quando o país já percebeu que João Galamba não se devia manter como ministro das Infraestruturas”, referiu.
Apesar das críticas de encenação, o líder parlamentar do BE não deixou claro se o partido votará contra. “Vamos fazer um conjunto de propostas de alteração”, relevou. Só quando for conhecido o relatório final e as modificações incorporadas, é que o partido revelará o sentido do voto.
Pelo Partido Comunista Português (PCP), Bruno Dias defendeu que o relatório tenta “justificar” a privatização da TAP e “ignora” as consequências da decisão para a companhia aérea, a começar pelos fundos Airbus. “Não se pode enterrar ainda mais fundo o conhecimento e consequência deste tipo de situações”, advertiu o deputado comunista. “Os problemas económicos e financeiros deviam ser resolvidos sem sacrificar postos de trabalho e salários. Mas o processo de privatização avança a todo o gás, com factos consumados e prejudicando o futuro da companhia”, vincou.
De acordo com o deputado, o relatório demonstra que falta uma “gestão pública rigorosa”, com vista à defesa dos interesses do Estado. “Hoje coloca-se em causa o futuro da empresa, repetindo os mesmos erros”, lamentou.
André Ventura atirou: “Tenho a certeza de que este relatório foi escrito pelo Governo e enviado para o PS ontem à noite.” E, considerando o texto apresentado por Ana Paula Bernardo um “frete” ao Governo, acusou o PS se interferir diretamente na redação do relatório para impedir que António Costa retire consequências políticas: “António Costa veio dizer que tiraria consequências políticas após conhecer o relatório, agora sabemos que disse isso porque foi feito por ele. É fácil dizer que vamos tirar consequências políticas quando sabemos que do relatório não vai sair nada.
Para o líder do Chega, é preciso incluir no relatório a informalidade da gerência pública da TAP, a “responsabilização” de Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes na indemnização a Alexandra Reis, a atuação de João Galamba e os acontecimentos no ministério das Infraestruturas, assim como a “parcialidade” que atribui “responsabilidades” ao Governo de Passos Coelho. Ainda assim, o Chega vai “propor melhorias” antes da relação final.
O PS, que foi o último partido, dos que participaram na CPI à TAP, a reagir, depois das críticas atiradas pela oposição de interferências e “fretes” no documento, pediu aos partidos que não se precipitem em leituras rápidas, pois os factos estão acima de interpretações políticas.
Bruno Aragão não deixou críticas nem elogios ao relatório. Apenas disse que a “preocupação” da CPI deve ser “apurar factos” para lá das “interpretações políticas” que cada um possa ter em relação a esses factos. Sobre as críticas da oposição, pediu “cuidado” aos partidos para que não se “precipitem” numa “leitura rápida” do documento. “Se independentemente da factualidade que se apura, da base documental, se cada um de nos mantiver o argumentário da fase inicial da CPI, de pouco valerá o esforço das últimas semanas”, vincou. E, em resposta aos jornalistas, disse que a “narrativa” de tentativa de culpabilização do PS já existia no início da CPI e não vê “diferenças” nas acusações lançadas agora.
Apesar das críticas, a relatora rejeitou que o documento seja parcial: “Isto não é uma versão do Partido Socialista. É uma versão provisória do documento”, garantiu Ana Paula Bernardo, acrescentando que haverá “total disponibilidade” do PS para analisar, em comissão, as propostas de alteração e potenciar “melhorias”. E António Costa escusou-se a comentar as conclusões do relatório e disse que só retirará consequências políticas na sequência da versão final.
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Penso estapafúrdia a acusação às instâncias da UE por não responderem aos pedidos de esclarecimento da CPI, pois todas as decisões e recomendações da UE devem estar documentadas e alguns depoentes deram conta delas.
Quanto à acusação e à negação de ingerência das tutelas na TAP, empresa quase exclusivamente pública (Estado e trabalhadores), tudo não passa de hipocrisia. É óbvio que o patrão interfere na vida da empresa e será estranho, se não o faz ou, pelo menos, não o tenta. O inverso significaria desinteresse. Resta saber se as interferências são legítimas e condicionantes e se os gestores públicos as aceitam acriticamente ou por temor reverencial (e até por interesse, por exemplo, na recondução) ou se, ao invés, as rejeitam, se ilegítimas, ou as incorporam, se benéficas e oportunas.
O relatório não traz novidades em relação ao expectável. Deixa perceber uma série de aselhices e de equívocos. E do que se passou na TAP, ao longo dos anos, pouco se ficou a saber.

2023.07.06 – Louro de Carvalho

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