sexta-feira, 21 de julho de 2023

Debate do estado da nação: no Parlamento e no Conselho de Estado

 
O Governo apresentou o balanço da sua atividade, no Debate do Estado da Nação, que decorreu na Assembleia da República (AR), a 20 de julho, no encerramento do ano parlamentar. O balanço abarcou as diversas áreas da governação e incluiu um capítulo sobre como Portugal ultrapassou as crises geradas da pandemia e da invasão da Ucrânia.
Na Economia, sobressai a manutenção sustentada da convergência dos principais indicadores com a União Europeia (UE), enquanto o destaque, no campo social, vai para o crescimento do emprego. Sobressai também o bom desempenho das empresas, nomeadamente nas exportações e na empregabilidade, bem como os bons indicadores dos serviços públicos, da Saúde à Educação, Segurança ou Justiça.
Obviamente, o Partido Socialista (PS), que forma a maioria parlamentar de apoio ao Governo, secundou, quase acriticamente, a leitura governamental do estado da nação. Ao invés, a oposição considera pouco animadora a situação do país, quer no aspeto quantitativo (números), quer no qualitativo (ambiente político e social).
Em maio passado, segundo números do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o número de habitantes sem médico de família, que era de cerca de um milhão, em 2015, subiu para cerca de um milhão e 700 mil, mais 365 mil do que em 2022. Segundo o Conselho de Finanças Públicas (CFP), nas listas de espera para consultas estão quase 600 mil cidadãos (um aumento de mais de 10% num ano). Nas listas de espera para cirurgias, o número é de 235 mil (cerca de mais 20% no período homólogo). E os tempos de resposta agravaram-se, com 32% dos utentes atendidos para lá do prazo medicamente recomendado.
Na Educação, além de as estruturas funcionarem com elevada turbulência e de os profissionais da educação apresentarem fortes índices de descontentamento, agravaram-se as disparidades sociais, com os números da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência DGEEC) a evidenciar que, nos exames nacionais, os alunos provenientes de famílias mais necessitadas têm, em média, sobretudo no 9.º ano, resultados mais baixos do que aqueles cujo agregado não atravessa dificuldades económicas, acrescendo que muitos alunos carenciados nem sequer tentam candidatar-se ao ensino superior, tendência que, aliás, também se incrementou. A oposição não considera a redução do abandono escolar, nem o aumento do sucesso escolar.
Também os dados do PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), estudo internacional que avalia o grau de literacia de leitura dos alunos do 4.º ano de escolaridade, revelam que Portugal passou dos 541 pontos, em 2011, para os 520, em 2021, obviamente por via do facilitismo crónico instalado no sistema, que alguns veem espelhado na redução, que o Governo decretou, do número de exames nacionais obrigatórios, para a conclusão do ensino secundário, o que permitirá a conclusão daquele ciclo de ensino nas áreas das ciências e tecnologia e das ciências socioeconómicas sem a realização do exame nacional de Matemática, ideia que mereceu, reparos do Presidente da República (PR), aquando da promulgação do respetivo decreto-lei. Tal facilitismo, acumulado ao longo de anos de políticas socialistas (e socialdemocratas, acrescento eu), levou à progressiva deterioração da situação em que, em matéria do conhecimento, os alunos se encontram quando ingressam no ensino superior.
No atinente ao desemprego, no primeiro trimestre de 2023, a sua taxa fixou-se em 7,2%, o que significa o aumento de 0,7%, face ao último trimestre de 2022, e um crescimento homólogo de 1,3%. Nos últimos 12 meses, há, assim, mais 72 mil pessoas sem trabalho. A oposição não vê o crescimento líquido do emprego.
Nos cinco primeiros meses de 2023, a receita fiscal e contributiva aumentou dois mil setecentos e cinquenta milhões de euros (devido ao brutal aumento dos preços), excedendo, em cerca de 400 milhões, a previsão de crescimento para todo o ano, constante do Orçamento do Estado. Porém, o aumento das prestações sociais líquidas de contribuições e de outras transferências (incluindo as medidas de mitigação do controlo da inflação) cifrou-se em pouco mais de 1100 milhões de euros. E a despesa de investimento apresenta valores de execução muito baixos, tendo aumentado, marginalmente, face a 2022, e encontrando-se longe da previsão orçamental, com o Banco de Portugal (BdP) a antecipar, no concernente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a taxa de 15%, para 2023, longe dos 32% anunciados pelo Governo.
Em termos globais, a economia começou a desacelerar, prevendo-se que o crescimento baixe para 2,5%, em 2023, e para 1,5%, em 2024. E o crescimento atual que deve-se, em parte, à dinâmica do turismo, para a qual as políticas públicas pouco têm contribuído. Deveria a oposição fazer um estudo comparativo com o crescimento na Zona Euro e sinalizar a recessão económica alemã.
A definição e a execução da política pública de Habitação vêm aos soluços, são fragmentárias e insuficientes, devendo assacar-se a culpa ao Governo, aos municípios e às imobiliárias. E as casas, de que a especulação fez alta mercadoria, são raras e estão muito caras, quer para efeitos de compra, quer para efeitos de arrendamento. Por consequência, das garagens e dos armazéns se fazem casas, que, dentro em breve, terão altos custos, se não se intensificarem, ousadamente, as políticas de habitação – articulando o direito à propriedade com o direito à habitação. 
Depois, são atacadas as atitudes e comportamentos do PS. Em vez de construir consensos sociais, sempre necessários, mas sobretudo em tempo de dificuldade, o Governo optou pela criação do clima de guerrilha nos diversos setores: na educação, com os professores, na agricultura, com a principal associação representativa do setor, na habitação, com os senhorios e com os empresários do alojamento local. E vem, ainda, a degradação das instituições democráticas, como a Justiça-espetáculo, o ineficaz combate à corrupção, as demissões de governantes (o presidente do PS diz que deviam ser mais), as cenas degradantes no Ministério das Infraestruturas, o desrespeito pelo PR, a utilização indevida do SIS, a desresponsabilização no caso da TAP, a tentativa de instrumentalização de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), etc.
Contra a propaganda do PS, a nação está cada vez pior, sem que algo indicie melhoras.
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Perante o normal excessivo otimismo do Governo, com a justificação das contas certas e de algum apoio social, com que contrasta a crítica, por vezes, demolidora da oposição, o chefe de Estado reuniu, a 21 de julho, como prometeu em maio, o Conselho de Estado, ouvidos os partidos com assento parlamentar, o que, não fora a crescente irritação do PR com o Governo, seria sinal de grave decisão, como a demissão do Governo ou a dissolução da AR.
A novidade é o PR ter convocado o órgão que é suposto “aconselhá-lo”, para o dia imediatamente a seguir ao do comício em que um primeiro-ministro (PM) transforma o último debate parlamentar, antes de férias. Foi decisão premeditada e assumida no rescaldo da ‘crise Galamba’, que opôs frontalmente PM e PR, a que acresce a insatisfação que o relatório da CPI criou na oposição e nos ‘fazedores’ da opinião pública. Dada a sua atual composição, parece que a maioria dos conselheiros não terá opinião favorável ao Governo. Alguns são muito críticos (Cavaco sugeriu que António Costa devia ponderar demitir-se e, agora, foi muito demolidor juntamente com Miguel Cadilhe), face à maioria absoluta socialista, mas parecem não ter correspondido à expectativa criada pelo gesto presidencial. A reunião terminou sem conclusões, tendo ficado assente uma segunda ronda, dados os compromissos de agenda do PM.
Porém, o PR quis ser o último a falar no fecho do período que assinala 13 demissões na primeira etapa do Governo apoiado pela maioria dita “requentada” e pré-anunciou admitir levar o tema TAP à reunião, dizendo, depois, “publicamente”, o que achar conveniente.
O constitucionalista Vital Moreira já veio contestar, acusando o PR de estar a fazer uma “ilegítima instrumentalização” daquele órgão, mas a Presidência desdramatiza, lembrando que Marcelo já convocou outras reuniões para debater a situação política e que tem inovado nos encontros com os conselheiros, onde chegou a levar convidados estrangeiros e onde até já sentou o presidente do Banco Central Europeu (BCE), para falar de política europeia.
O Presidente quis avaliar a situação política, económica e social do país, no fecho de um ano difícil, desta vez por conta da guerra, da inflação histórica e da crise económica na Europa, bem como da sucessão de casos numa maioria que fraturou a coabitação Belém/São Bento, que arrasta focos de conflito em setores como a Saúde e a Educação, que deixou estrangular a Habitação, que tem dossiês a marcar passo (TAP e aeroporto, por exemplo) e que deixa o Governo com pesados índices negativos nas sondagens. E o PR, atento às sondagens, não sabe se nos quase de três anos que lhe restam de mandato e nos dois que lhe sobram para usar o poder de dissolução da AR de que tanto falou, terá a possibilidade de virar o jogo e de voltar a espoletar a ‘bomba atómica’.
Porém, todos os sintomas são de que não descarta nenhuma hipótese e de que espera para ver se o desgaste do Governo atingiu ponto de não retorno ou se os bons indicadores económicos, com as exportações, o turismo e o emprego a correrem bem, evitarão o impasse. Em reunião com assessores da Casa Civil, o Presidente antecipou as dúvidas com que encara o estado da nação, quando o país parece espelhar uma contradição: as sondagens mostram um desgaste persistente do Executivo, mas o desgaste não se traduz na vontade de mudar, já que a maioria diz não querer eleições antecipadas e nem o maior partido da oposição, nem o seu líder conseguiram descolar de forma clara. O Presidente quer ver se e quando as pessoas – povo, nas sondagens, e partidos no discurso e na estratégia – se cansam desta maioria. Com efeito, não tem certezas sobre a capacidade de Costa para desencalhar a legislatura, o que será possível com uma grande remodelação, com a mobilização de pessoas credíveis, que gere alterações qualitativas no país. Ora, se o desgaste continuar, com impacto nas sondagens, tudo pode ser diferente.
Momento importante para a decisão presidencial serão as eleições europeias de 2024. O normal, sobretudo nos ciclos difíceis, é quem governa ser penalizado em eleições intercalares e não será uma eventual derrota do PS que impressionará o PR. Porém, se nada de substancial mudar e ainda houver a derrota significativa do PS, é uma coisa; já, se o PM renovar a governação e tiver uma derrota pouco expressiva, é outra. E o mesmo se diga das oposições, sendo certo que estas eleições influenciarão a durabilidade do ciclo governativo.
O Partido Social Democrata (PSD) não tem entusiasmado o PR, que não escondeu, nas audições com os partidos, a frustração de pensar numa direita dependente do Chega para chegar ao poder. O caso mudará de figura se, face a desgaste continuado da maioria, o PSD e a Iniciativa Liberal (IL) derem sinais consistentes de crescimento, dispensando a direita radical.
Entretanto, o PR manterá pressão e tensão sobre o Governo (as sondagens mostram que a maioria quer que se mantenha exigente); não se assumirá como oposição, mantendo uma agenda até mais institucional, em ano de eleições, mas dirá ao país, quando divergir da maioria (como fez no caso da supressão do exame nacional de Matemática); e não prescindirá de se afirmar como fator de equilíbrio e de moderação.
Esta análise no Conselho de Estado é extemporânea. O relatório da CPI teve, como é usual, a aprovação maioritária, mas as oposições consignaram em anexo as posições em contrário. Por isso, o Ministério Público tem sempre a oportunidade de verificar se há matéria que configure ilícito criminal em algum dos depoentes. Não cabe ao PR tomar decisões. E o Conselho de Estado é órgão de consulta do PR, supostamente para tomar decisões graves. O resto é interferência nos outros órgãos de soberania, estatuto que o Conselho de Estado não tem. Não é um senado nem um fórum de discussão.
2023.07.21 – Louro de Carvalho


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