segunda-feira, 10 de julho de 2023

A areia deixa mares, costas e rios e, no deserto, é praticamente inútil

Quando o país se inclina mais para o litoral, no verão, será oportuno questionarmo-nos porque é que a praia vem encolhendo, sob pressão de taxas médias anuais de recuo da costa na ordem dos 10 metros em algumas zonas do litoral.

É o problema da erosão, um problema global, sendo, em Portugal, a costa a norte do Tejo, uma das zonas mais afetadas. E, a este respeito, o hidrobiólogo Bordalo e Sá, investigador do ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, assegura que 60% da linha de costa do Norte do país pode estar em risco, por falta de areia, e que “algumas praias podem mesmo desaparecer”.
Segundo o especialista, muitas das razões assentam em “causas naturais amplificadas pela ação do homem”. À partida, sobressai a subida do nível médio da água do mar, devido ao derretimento das calotas polares, às alterações climáticas e às suas implicações na alteração dos padrões dos ventos que influenciam, em grande medida, as correntes e ondulações, da “ocupação irracional crescente das zonas costeiras”.

Logo “na frente marítima do Porto”, há praias de bandeira azul em que, na maré alta, o mar cobre o areal, pelo que “já nem podem ser consideradas praias”. E, falando do rio Douro, “a grande fonte de areia das praias no Norte”, Bordalo e Sá revela um dado que deixa entrever a dimensão do problema: “Há 50 anos, o caudal do Douro transportava um valor médio anual de dois milhões de toneladas de areias que alimentavam a costa. Hoje, depois de todas as barragens, não vai além das 250 mil toneladas.” “E a tendência é de agravamento do quadro atual, com a construção de novas barragens nos afluentes do rio”, sublinha.

Na zona de Aveiro, em risco de submersão, como garante Cristina Bernardes, do departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, “a falta de areia na praia também é explicada pelas barragens no Douro”. Na verdade, como adverte o Climate Central – cujo mapa tem a vermelho a zona da Ria, pelo risco de submersão – “um nível de água de um metro acima da linha da maré alta pode ser alcançado por meio de combinações de aumento do nível do mar, [de] marés e [de] tempestades”.

“As correntes promoviam o transporte, ao longo da costa, dos sedimentos libertados pelo rio junto à foz, no Porto”, diz a geóloga costeira, para explicar o impacto do travão imposto pelas barragens no transporte deste caudal sólido até 50 quilómetros da foz do Douro.

A especialista, em 25 anos de trabalho, ficou com a ideia de quanto pode uma praia encolher, mesmo que alimentada artificialmente, por exemplo, com areia retirada do canal de navegação do porto, como sucede em Aveiro: os grandes areais de mais de 100 metros de largura que encontrou quando começou a monitorizar a costa “estão reduzidos a faixas de 50 a 20 metros e são até quase inexistentes em algumas zonas”.

Como estes especialistas deixam entrever, as causas naturais são um fator relevante de erosão, nomeadamente no que toca à falta de areia, e a ação e a negligência humanas constituem uma agravante. Contudo, a ação demolidora por parte do ser humano, que dispõe de poderosos instrumentos de intervenção na Natureza, é cada vez mais evidente na depauperação dos recursos.

Aponta-se, com razão, o excessivo consumo e enorme desperdício de água. Porém, pouca gente se apercebe de que, logo a seguir ao consumo de água, surge a areia como o recurso natural mais explorado no planeta. Essencial nas indústrias da construção, do sabão, das tintas, do vidro, da eletrónica, do asfalto, nas infraestruturas públicas e em muitas outras atividades, a areia parece estar a ser engolida pelo mundo desenvolvido; e a areia do deserto é, praticamente, inútil, pela dificuldade do seu manejo in loco, bem como pela impossibilidade do seu transporte.  

Segundo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP), “todos os anos, são extraídas pelo homem 50 mil milhões de toneladas no Mundo”.

Na verdade, citando um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apresentado a 26 de abril de 2022, o UNEP, considera que 50 biliões de toneladas (50 mil milhões, em contas europeias), o suficiente para construir um muro de 27 metros de largura e 27 metros de altura ao redor do planeta Terra, é o volume de areia e de cascalho usado a cada ano, tornando-se o segundo recurso mais usado no Mundo, depois da água. E, pela nossa dependência dela, a areia deve ser reconhecida como um recurso estratégico e a sua extração e uso têm de ser repensados, pois, como refere a imprensa internacional, se nada se fizer em contrário, a procura aumentará 45%, em quatro décadas, segundo um estudo, de 2022, da Universidade de Leiden, na Holanda, motivo para a revista The Weekrecuperando um trabalho publicado pela BBC Future, em 2019, a denunciar mortes ditadas pelos negócios de areia comum – perguntar, em alerta: “Porque é que o mundo está a ficar sem areia?”

O relatório do PNUMA – que fornece a orientação de especialistas mundiais necessária para mudar para práticas aprimoradas de extração e para a gestão de recursos – segue as resoluções “Governança de recursos ambientais” e “Infraestrutura sustentável”, adotadas na quarta Assembleia Ambiental das Nações Unidas (UNEA), a 15 de março de 2019, que pedem ações para o manejo sustentável da areia, mandato confirmado na UNEA-5, a 2 de março de 2022, na resolução “Aspetos ambientais de gestão de minerais e de metais”, adotada por todos os Estados-membros.  E segue a moção “Pela gestão global urgente dos recursos arenosos marinhos e costeiros”, aprovada pelo Congresso Mundial de Conservação da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza), a 1 de setembro de 2020.

Efetivamente, a extração de areia dos sítios onde ela desempenha um papel ativo, como os rios e os ecossistemas costeiros ou marinhos, pode levar à erosão, à salinização de aquíferos, à perda de proteção contra tempestades e contra impactos na biodiversidade, que representam uma ameaça aos meios de subsistência, entre outros, o abastecimento de água, a produção de alimentos, a pesca ou a indústria do turismo. 

Segundo o relatório, a areia deve ser reconhecida como um recurso estratégico, não só como material de construção, mas também pelas suas múltiplas funções no meio ambiente. Por consequência, os governos, as indústrias e os consumidores devem precificar a areia de forma que se reconheça o seu verdadeiro valor social e ambiental. Por exemplo, manter a areia nas costas pode ser a estratégia mais económica para adaptação às mudanças climáticas, protegendo contra as tempestades e contra os impactos do aumento do nível do mar. E esta finalidade deve ser levada em consideração, para determinar o seu preço e restringir a sua venda. 

Também deve ser desenvolvido um padrão internacional sobre como extrair a areia do ambiente marinho. Isso pode trazer melhorias significativas contra o facto de as dragagens marítimas ser feita por meio de licitações públicas abertas a empresas internacionais. E o relatório recomenda a proibição da extração de areia das praias, devido à sua importância para a resiliência costeira, para o ambiente e para a economia. “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, precisamos de mudar, drasticamente, a forma como produzimos, construímos e consumimos produtos, infraestruturas e serviços. Os nossos recursos de areia não são infinitos e precisamos de os usar com sabedoria. Se conseguirmos entender como gerir o material sólido mais extraído do Mundo, podemos evitar uma crise e avançar em direção a uma economia circular”, disse Pascal Peduzzi, diretor do GRID-Genebra no PNUMA e coordenador geral do programa para o relatório.

É verdade que a areia é fundamental para o desenvolvimento económico, necessária para produzir o betão e para construir infraestruturas vitais, desde casas e estradas até hospitais. Todavia, ao fornecer habitats e criadouros para diversas flora e fauna, desempenha uma função vital no apoio à biodiversidade, incluindo plantas marinhas que atuam como sumidouros de carbono ou filtram a água. A gestão deste recurso é crucial para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e para enfrentar a tríplice crise planetária de mudança climática, de poluição e de perda de biodiversidade. No entanto, a areia está a ser utilizada mais rapidamente do que a capacidade da sua reposição natural, pelo que é crucial a sua gestão responsável e equilibrada, de que é inimiga a sede desenfreada de lucro e de comodidade.

Os investigadores observam que há soluções para avançar em direção a uma economia circular para a areia, incluindo, entre as diversas medidas políticas, a proibição do depósito de resíduos minerais em aterros e o incentivo à reutilização da areia em contratos públicos. Rocha britada ou material reciclado de construção e de demolição, bem como “areia de minério” de materiais rejeitados de minas estão entre as alternativas viáveis ​​à areia que devem ser incentivadas.

São, pois, necessárias novas estruturas legais e institucionais para que a areia seja governada de forma mais eficaz e para que sejam compartilhadas e implementadas as melhores práticas. Além disso, os recursos de areia devem ser mapeados, monitorados e relatados. Enquanto isso, todas as partes interessadas devem estar envolvidas nas decisões conexas com a gestão da areia, para permitir abordagens baseadas no local e para evitar soluções de figurino único. 

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O Congresso Mundial de Conservação da IUCN recomenda aos Estados e a outras autoridades relevantes: o apoio à implementação de planos estratégicos de gestão das areias terrestres e marinhas ao nível regional, insular, ou de unidades geomorfológicas, com base no estudo dos fluxos sedimentares de montante para jusante, e tendo em conta os efeitos das alterações climáticas (subida do nível do mar, intensificação de ciclones, etc.), de forma a garantir o uso sustentável da areia; e a garantia de que a gestão e a regulamentação das atividades de extração de areia sejam feitas de forma sustentável, fazendo uso, por exemplo, do quadro das Convenções Regionais dos Mares e dos seus protocolos.

Ao mesmo tempo exorta o setor privado e outras partes interessadas a começar voluntariamente a usar soluções alternativas para areia sempre que possível; convida a pesquisa pública a contribuir para a identificação de alternativas de areia, para facilitar a sua ampla aceitação; e apela às comunidades, às organizações da sociedade civil e às agências governamentais a que relatem e tomem medidas drásticas para interromper todas as atividades ilegais de mineração de areia, a que tomem medidas apropriadas para a reposição ou a restauração deste recurso e a que solicitem, sistematicamente, avaliações de impacto (para projetos legais de mineração de areia) que abordam os impactos da biodiversidade e os impactos da erosão.

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Quanto a Portugal, cujo Interior está em vias de desertificação, mas levará muito tempo a acumular-se aí a areia, que evitará a produção de fauna e de flora tradicionais. Entretanto, a areia falta no mar, na costa, nos rios e onde é ecologicamente necessária. E nós que éramos um país, de sal, de sol e de areia, passaremos a ter um sol cada vez mais escaldante, sem água, sem areia sem sal. Enfim, crestados e insossos, mas sem areia para exposição a banhos de água e de sol.    

2023.07.10 – Louro de Carvalho 

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