sábado, 1 de julho de 2023

Desafios à presidência espanhola da UE em 2023

 

Iniciou-se, a 1 de julho, a presidência espanhola do Conselho da União Europeia (UE), para o segundo semestre do corrente ano, no âmbito da presidência rotativa (a nona a integrar as novas prioridades da Agenda Estratégica 2019-2024 ), sucedendo à Suécia e antecedendo a Bélgica.

Porém, como prelúdio, a cidade de Leão acolheu, a 30 de junho, representantes de parlamentos de mais de 50 países do Mundo, que reivindicaram o papel fundamental do parlamentarismo na consolidação da democracia. A cerimónia, presidida pelo rei Filipe VI, deu-se na basílica românica de São Isidoro, cenário que acolheu, em 1188, sob o reinado de Afonso IX, de Leão e da Galiza, o primeiro encontro documentado de um parlamento: as Cortes de Leão.

Já a 2 de julho, iniciaram-se os atos protocolares com a visita a Espanha do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, com viagem institucional da presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, e do colégio de comissários e com iniciativas em muitas e importantes cidades espanholas. Já o encontro mais emblemático está previsto para meados de outubro, na Alhambra de Granada.

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O governo de Pedro Sánchez definiu, para este horizonte temporal, quatro áreas prioritárias: 

1. Reindustrializar a UE e assegurar a sua autonomia estratégica aberta. Na verdade, abertura internacional das últimas sete décadas tem sido benéfica para a UE, mas facilitou processos de deslocalização que ocasionaram a perda de indústrias em setores estratégicos e a confiança excessiva em países terceiros, sobretudo nas áreas da energia, da saúde, das tecnologias digitais e da alimentação. Agora, as mudanças geopolíticas, tecnológicas e ambientais possibilitam a inversão da tendência e a atração de novas empresas e de mais empregos para a Europa, criando riqueza e reduzindo dependências excessivas e vulnerabilidades externas. Assim, a Presidência trabalhará na promoção dos dossiês que incentivarão o desenvolvimento de indústrias e de tecnologias estratégicas na Europa, a expansão e a diversificação das relações comerciais da UE e o reforço das cadeias europeias de abastecimento, bem como na proposta da estratégia comum para garantir a segurança económica e a liderança mundial da UE até 2030, na sequência do trabalho das instituições e do roteiro acordado pelos 27 Estados-membros na reunião informal dos chefes de Estado e de Governo em Versalhes, em março de 2022.

2.  Avançar na transição ecológica e na adaptação ambiental. Efetivamente, o combate às alterações climáticas e à degradação ambiental, além de obrigação jurídica e moral, é uma oportunidade, pois a transição ecológica permitirá reduzir, drasticamente, a dependência europeia da energia e das matérias-primas, baixar a fatura de eletricidade, tornar as empresas mais competitivas e criar quase um milhão de postos de trabalho, já nesta década. Nestes termos, a Presidência facilitará esta transição, promovendo a reforma do mercado elétrico europeu, com a aceleração da produção de energia, a partir de fontes renováveis, com a redução dos preços da eletricidade e com a melhoria da estabilidade do sistema – para a UE liderar a luta mundial contra as alterações climáticas, criando riqueza e novas oportunidades em todo o território. 

3. Promover uma maior justiça social e económica. Com efeito, no futuro, não será suficiente que o produto interno bruto (PIB) europeu cresça, mas será necessário assegurar que a riqueza gerada chegue a todos os cidadãos e sirva para melhorar as suas oportunidades e condições de vida. Por conseguinte, a Presidência defenderá o estabelecimento de normas mínimas comuns na tributação das sociedades em todos os Estados-membros, combaterá a evasão fiscal da parte das grandes multinacionais, com vista a uma maior equidade fiscal, e trabalhará na revisão adequada do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e na reforma das regras orçamentais da UE. A par disso, promoverá a expansão dos direitos dos trabalhadores em várias áreas e grupos vulneráveis, como as crianças, as mulheres vítimas de violência, baseada no género, e as pessoas com deficiência.

4. Reforçar a unidade europeia. Na verdade, a UE deve permanecer unida, num Mundo de incerteza e de crescentes tensões geopolíticas. Por isso, os Estados-membros devem continuar a fazer progressos, em termos de integração, e a desenvolver instrumentos que permitam enfrentar, em conjunto, os grandes desafios da atualidade. Para tanto, a Presidência defenderá um maior aprofundamento do mercado interno, a conclusão da união bancária e da união dos mercados de capitais, a consolidação e a melhoria de instrumentos comuns, a gestão mais eficaz dos processos de migração e de asilo, a continuidade de um apoio coordenado à Ucrânia e a eventual resposta a pedidos de adesão à UE. E trabalhará para o desenvolvimento da identidade europeia e de valores comuns e para uma nova fase de desenvolvimento do projeto europeu. 

Estas prioridades integram-se no âmbito do Programa conjunto do Trio de Presidências (Espanha, Bélgica e Hungria) – “Fazer avançar a Agenda Estratégica” (1 de julho de 2023 a 31 de dezembro de 2024), sendo que a guerra da Rússia contra a Ucrânia, conjugada com a crescente incerteza à escala mundial, exige que a UE aumente a sua resiliência e autonomia estratégica.

E esta grave circunstância implica o aumento a competitividade global da UE, reforçando a sua base industrial, em consonância com a dupla transição ecológica e digital acelerada, e recorrendo à inovação; a garantia de que a dupla transição é justa, equitativa e inclusiva, reforçando a dimensão social da Europa, nomeadamente em resposta ao desafio demográfico que a UE enfrenta; e o reforço das parcerias internacionais, da cooperação multilateral e da segurança em todas as dimensões, bem como o desenvolvimento de uma política comercial ambiciosa e equilibrada, defendendo os interesses da UE, de forma mais assertiva, com base nos seus valores, e reforçando a capacidade da UE para agir no domínio da segurança e da defesa.

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Não é por acaso que o primeiro ato da presidência espanhola da UE foi a visita a Kiev de Pedro Sánchez, a 1 de julho, para se avistar com o Presidente Volodymyr Zelensky e para transmitir à Ucrânia o pleno apoio dos 27 na luta contra a invasão russa. E a Espanha, que preparou um ambicioso programa de encontros para este semestre, quer levar avante projetos importantes já em marcha na agenda comunitária antes das eleições para o Parlamento Europeu (PE), em 2024. Porém, o protagonista da presidência espanhola da UE pode mudar a meio do trajeto semestral, visto que haverá eleições legislativas antecipadas a 23 de julho, por decisão do primeiro-ministro (PM) espanhol, após os maus resultados do seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) nas eleições municipais e regionais de 28 de maio.

Entretanto, o PM planeara os seis meses ao leme da UE (a última vez que Espanha exerceu a presidência rotativa foi em 2010) como grande montra do país e como ocasião propícia para explorar o seu papel como líder internacional. A aceleração do ciclo político esfumou tal perspetiva, pelo que Sánchez terá de repartir a sua atenção pelas questões da UE e pela campanha eleitoral, que se prevê renhida dura e que começa oficialmente no dia 7.

A vitória, no dia 23, poderá caber ao Partido Popular (PP), que precisará do partido de extrema-direita Vox para formar governo – coligação indesejável para o europeísmo.

Não obstante, o Governo minimiza a simultaneidade de acontecimentos e recorda que não é a primeira vez na história da UE em que a ida às urnas coincide com a presidência rotativa. Em 2022, a França foi a eleições legislativas enquanto presidia à UE, o que sucedera antes, na Suécia, que entrega, agora, o testemunho à Espanha, e na Itália, no final dos anos 90. Por isso, o chefe do executivo, vincando que “a presidência da UE recai no país e não no Governo”, assegurou que está tudo preparado, para que não haja sobressaltos.

Todavia, como observa o diário conservador ABC, a oposição de direita avisa que a decisão de convocar eleições “hipoteca os objetivos da presidência espanhola e prejudica as potencialidades do nosso país, numa ocasião única que não se repetirá até 2037”. Já comentadores, como o escritor Javier Cercas, salientam que a presidência espanhola chega em momento propício, marcado por três grandes catástrofes, que “implicaram, para a UE, três bênçãos: o ‘Brexit’, o pior erro cometido pelos britânicos em séculos, foi uma vacina tão eficaz contra as pulsões separatistas que até Le Pen arrumou o delírio do ‘Frexit’; a covid-19 provocou o maior salto federal da história da Europa; e a guerra da Ucrânia, com que Putin pensou dividir a Europa, uniu-a mais do que nunca”.

No entanto, alguns comentadores estão de acordo com Pedro Sánchez, que em Bruxelas, no último plenário do Conselho Europeu, alertou que os resultados de maio em Espanha e os posteriores pactos entre o PP e Vox em autonomias e em municípios fazem temer que “forças antieuropeístas ganhem presença na UE”.

As circunstâncias em que se inaugura o semestre espanhol servem ao PP e ao seu líder para mostrar força. Alberto Núñez Feijóo, que os estudos de opinião apontam como futuro PM, queixa-se de que o executivo o mantém à margem dos preparativos da presidência. Na sua opinião, é uma “atitude injustificável”. E o secretário de relações institucionais do PP, Esteban González Pons, eurodeputado, pede que os atos principais se realizem em Bruxelas “para evitar que se convertam em objetos da campanha eleitoral”. Já antes, a pedido do presidente do PP europeu, Manfred Werner, a presidente do PE, Roberta Metsola, adiara, para setembro, a apresentação formal do programa da presidência espanhola, que prevista para 15 de julho. E não se sabe quem fará essa apresentação. Indevida cedência!

O Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol explica que a maquinaria administrativa está oleada para não se deixar influenciar pela convocatória eleitoral. O nível de conhecimento e de formação dos funcionários, em Madrid e em Bruxelas, é suficientemente alto para assegurar o pleno desenvolvimento do programa. Não obstante, o líder da oposição anunciou a formação de uma equipa de personalidades do PP, entre os quais três ex-ministros dos Negócios Estrangeiros, um antigo comissário europeu e um plantel de embaixadores e técnicos capazes de assumir a agenda comunitária. Com efeito, prevê-se que, após as eleições, a constituição do Parlamento espanhol ocorra a 17 de agosto, pelo que pode haver governo nos primeiros dias de setembro.

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Para lá dos temas programáticos acima enunciados, os assuntos preponderantes, no imediato, do semestre, da perspetiva da UE, incluem a preparação do próximo orçamento, que incluirá a verba especial de 50 mil milhões de euros para ajuda à Ucrânia, e a preparação da conferência de paz sobre o conflito provocado por Vladimir Putin, bem como a discussão, nestes meses, sobre a decisão, a tomar em outubro, de iniciar ou não conversações formais para a adesão da Ucrânia à UE. E não menos importantes serão conversações sobre política comum de segurança e defesa, cujos perfis se definirão na reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), em Vílnius, na Lituânia, a 11 e 12 de julho.

Antevê-se complicada a formulação do pacto sobre migrações, dada a resistência de países como a Itália e a Grécia, pois não tem tido boa receção a proposta da Comissão Europeia de que os Estados-membros que são fronteira externa da UE retenham os migrantes por 12 semanas, à espera da decisão de deportação ou de asilo. O mesmo sucede com os programas da harmonização fiscal e do estabelecimento de taxa mínima comum para as grandes multinacionais em toda a UE. Mais avançado parece o plano para redefinir o pacto de estabilidade e os possíveis acordos para prolongar, para lá de 2026, os prazos para executar os fundos europeus Next Generation.

Quanto à América Latina, Espanha pretende ter papel relevante, dados os vínculos históricos e culturais que a unem ao subcontinente, querendo rever e reforçar o sistema de relações entre a UE e os países iberoamericanos, deteriorado nos últimos anos, face ao avanço da China e dos Estados Unidos da América (EUA) na zona. E a cimeira entre a UE e a CELAC (Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos) promete ser decisiva e propiciar solução aceitável para o bloqueio do acordo UE-Mercosul.

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Uma girândola de desafios em tempestade eleitoral, à nossa moda!

2023.07.01 – Louro de Carvalho

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