quinta-feira, 27 de julho de 2023

Visita a Timor-Leste para identificar prioridades na cooperação

 

 

O primeiro-ministro português, António Costa, fez a sua primeira visita oficial a Timor-Leste (ou Timor Lorosa’e), que é também a primeira de um chefe de Governo estrangeiro, desde a tomada de posse do novo executivo timorense, a 1 de julho.

O objetivo desta visita de dois dias (25 e 26 de julho), no dizer de António Costa, era identificar prioridades no quadro da cooperação estratégica dos dois países no próximo quadriénio. “Esta visita destina-se sobretudo a identificar quais são as prioridades do novo Governo de Timor[-Leste] para a cooperação, de forma a que o próximo programa de cooperação 2024-2028 corresponda àquilo que são as prioridades do Governo de Timor[-Leste], já que coincide, precisamente, com o [seu] mandato”, afirmou António Costa, após uma reunião com o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão.

Numa breve declaração aos jornalistas, sem direito a perguntas, o governante português salientou que a “visita ocorre num momento muito importante, em que o novo Governo de Timor-Leste está no início das suas funções” e quando Portugal está “a preparar o novo programa estratégico de cooperação, entre 2024 e 2028”. “É uma visita de amizade, de trabalho, mas também de abertura de portas para que os nossos ministros e as nossas embaixadoras possam desenvolver, depois, o trabalho e desenharmos o novo programa estratégico de cooperação”, esclareceu.

Na agenda do dia 25, o destaque foi para os encontros com duas figuras históricas de Timor-Leste: o presidente, José Ramos-Horta, e o primeiro-ministro, Xanana Gusmão. E, no dia 26, sobressaiu a visita ao cemitério de Santa Cruz, local do massacre de 12 de novembro de 1991, durante a ocupação indonésia, onde morreram mais de 300 timorenses, bem como a presença do chefe do Governo de Portugal no Parlamento Nacional, presidido por Fernanda Lay, a primeira mulher a ocupar o cargo em Timor-Leste, país de 1,3 milhões de habitantes, que ocupa o 140.º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.

A agenda do primeiro-ministro português contemplou, ainda, visitas a instituições educativas, como a Escola Portuguesa de Díli, que tem o nome do poeta Ruy Cinatti, a inauguração das novas instalações do Centro de Língua Portuguesa, na Universidade Nacional Timor Lorosa’e, e ao Centro Cultural Português, que passa a chamar-se Jorge Sampaio, bem como ao Centro Juvenil Padre António Vieira e ao Externato São José.

A acompanhar António Costa, esteve o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, que iniciou, no dia 24, uma visita oficial ao Sudeste Asiático, com passagem pela Indonésia, por Timor-Leste e pelas Filipinas, para discutir a intensificação das relações económicas, assim como a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

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António Costa, no último ato da sua visita oficial de dois dias ao país, afirmou a importância de reforçar o ensino do Português em Timor-Leste. Assim, numa intervenção perante os alunos do Externato São José, destacou a importância de Timor-Leste ser o único país lusófono na Ásia, pelo que o Português “não é só mais uma língua, é a língua que faz a diferença” e “que reforça a identidade de Timor-Leste, faz a identidade de Timor-Leste”. E “foi esta identidade que fez com que, na luta armada, na ação diplomática ou no trabalho cultural e educativo, tenham resistido ao invasor e recuperado a liberdade e a independência”, disse, em referência à ocupação indonésia entre 1975 e 1999.

O primeiro-ministro português tinha afirmado o apoio ao alargamento do projeto bilateral dos Centros de Aprendizagem e Formação Escolar – financiado conjuntamente por Portugal e por Timor-Leste e cuja finalidade é capacitar professores timorenses – a todos os postos administrativos no país, e prometido reforçar o apoio à Escola Portuguesa de Díli, que visitou.

No segundo dia da visita, o chefe do Governo português reuniu-se, ainda, com a presidente do Parlamento Nacional e colocou flores na Cruz dos Mártires, no cemitério de Santa Cruz, numa homenagem às mais de 300 vítimas mortais do massacre de 12 de novembro de 1991, durante a ocupação indonésia. Nessa homenagem, disse, em conversa com um dos sobreviventes do massacre, que a memória do massacre em Santa Cruz deve ser mantida viva, pois “é uma forma de os homenagear e também de dar força e consolidar os valores pelo qual deram a vida”.

No final de uma reunião de trabalho com o primeiro-ministro timorense, no primeiro dia da sua visita oficial de dois dias, António Costa declarou que a visita se destinava à identificação das prioridades do novo Governo de Timor-Leste para a cooperação, no horizonte do mandato do Governo que recentemente entrou em funções e no momento em que também Portugal prepara o seu novo programa estratégico de cooperação. E vincou a índole amiga da visita, que é também de abertura de portas para o desenvolvimento conjunto do trabalho de cooperação.  

Por sua vez, o primeiro-ministro timorense sublinhou que “a amizade que sempre foi demonstrada pelo povo português e pelo Governo português será mais uma vez provada, na prática, no apoio a este jovem país, que quer ir para a frente, que quer desenvolver-se, para que o povo sinta que a independência valeu a pena”.

No discurso no jantar oferecido pelo primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, o primeiro-ministro português afirmou que as empresas portuguesas devem aumentar a sua presença no país e aproveitar a oportunidade criada pela entrada de Timor-Leste na Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) – facto a que João Gomes Cravinho, ministro português dos Negócios Estrangeiros deu especial relevo, em declarações aos jornalistas.

Lembrando que Portugal é o principal parceiro comercial europeu de Timor-Leste e conta com uma presença significativa de empresas no país, afirmou a necessidade de melhorar as relações comerciais e de investimento, contribuindo mais para o desenvolvimento e crescimento do país.

A integração de Timor-Leste na ASEAN é uma enorme oportunidade para a expansão e para o desenvolvimento das empresas portuguesas em toda a região, um mercado que não conhecem e que contam com Timor e com os timorenses para ajudar a conhecer e abrir as portas. E Timor-Leste pode assumir-se, para Portugal e para os restantes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como porta de entrada num importante mercado de 650 milhões de pessoas, bem como ser porta de entrada destes grupos regionais nos países da mesma CPLP.

O primeiro-ministro anfitrião disse que o seu Governo quer desenvolver a economia azul (ecoeconomia do mar) para gerar desenvolvimento sustentável, afirmando o desejo de colher a experiência, o conhecimento e a inovação portuguesa. E referiu o objetivo de descentralizar a administração, podendo Timor-Leste aproveitar a experiência portuguesa.

Em relação à política de migrações, o primeiro-ministro português, no final da reunião com o Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos Horta, afirmou que foi discutido o assunto da mobilidade e da exploração laboral de Timorenses em Portugal e que os dois países estão a criar um modelo para combater circuitos paralelos de imigração ilegal. “Desde o passado dia 10, voltámos a emitir vistos” de entrada em Portugal, “agora de uma forma mais controlada”, disse, acrescentando que “houve uma intervenção relativamente aos Timorenses que estavam em território português” atraídos por melhores condições de vida, mas sem emprego ou alojamento.

Por outro lado, a Embaixada de Portugal em Díli tem já uma funcionária “para tratar exclusivamente de temas de formação e de emprego”, “para que tudo seja tratado diretamente através da Embaixada, evitando qualquer tipo de circuitos paralelos de imigração ilegal, tráfico de seres humanos e exploração das pessoas”.

Nesta linha de atuação, os dois países assinaram, ainda, um protocolo que “permitirá seguir uma boa prática”, “que já estamos a praticar em Cabo Verde, de fazer formação no país de origem, para as pessoas desenvolverem uma atividade profissional ou no país de origem ou em Portugal, mas já com formação feita”, disse António Costa, que sustentou a necessidade de a migração ser “feita por canais legais, para que seja do benefício do próprio, para benefício do seu país de origem e do país de destino, acrescentando que “a única a forma eficaz de combater a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos é termos canais legais de migração”.

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ASEAN, com secretariado localizado em Jacarta, na Indonésia, é uma organização intergovernamental regional de países do Sudeste Asiático, que promove a cooperação intergovernamental e facilita a integração económica, política, de segurança, militar, educacional e sociocultural entre os seus membros e entre outros países da Ásia. E envolve, regularmente, outros países da região Ásia-Pacífico e além. Principal parceira da Organização de Cooperação de Xangai, a ASEAN mantém uma rede global de alianças e de parceiros de diálogo, sendo tida por muitos como uma potência global, a união central para cooperação na Ásia-Pacífico e uma organização importante e influente. Está envolvida em vários assuntos internacionais e hospeda missões diplomáticas em todo o Mundo.

No dia da primeira conferência da ASEAN, em fevereiro de 1976, foi assinado o Tratado de Amizade e Cooperação, com a descrição dos princípios a ser seguidos pelas nações aderentes. Entre eles constam o respeito mútuo pela independência, pela soberania, pela igualdade, pela integridade territorial e pela identidade nacional, bem como o direito de cada nação de se guiar, livre de interferência, de subversão ou de coerção exterior. Ficou também definido que nenhuma nação deve interferir nos assuntos internos das restantes, que os desentendimentos devem ser resolvidos de forma pacífica e que deve haver uma renúncia ao uso da força e uma efetiva cooperação entre todos.

Em 1992, os países participantes decidiram transformá-la em zona de livre-comércio, a implantar gradativamente até 2008. Foi fundada, originalmente, pela Tailândia, pela Indonésia, pela Malásia, por Singapura e pelas Filipinas.

A nível económico, desde a sua fundação e através de vários tratados, cresceram bastante as trocas comerciais entre os Estados-membros. Em 1992, foi criada a uma zona de comércio livre, de modo a desenvolver a competitividade da região, que assim passou a funcionar como um bloco unido. O objetivo foi o de promover uma maior produtividade e competitividade. A nível de relações externas, a prioridade da ASEAN é fomentar o contacto com os países da região Ásia-Pacífico, mas foram também estabelecidos acordos de cooperação com o Japão, com a China e com a Coreia do Sul. Atualmente, a organização é patrocinada por 134 empresas multinacionais e tem acordos militares e económicos com os EUA. E tentou um acordo com os EUA, sob sigilo, para desregulamentar os mercados.

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É, pois, compreensível que a visita de uma comitiva governamental portuguesa tenha estado em Timor-Leste a assinalar a entrada deste país naquela organização asiática. E, obviamente, é plausível que dois países, geograficamente tão distantes, mas historicamente tão próximos, tenham intensificado a cooperação em temas tão importantes como a estratégia, a formação, a economia azul e circular (esta implicaredução do desperdício ou dos resíduos ao mínimo, pela reciclagem e pela reutilização), a educação, a promoção da Língua Portuguesa e a política das migrações. Que esta cooperação se perpetue e sirva de exemplo consolidado de solidariedade!

2023.07.27 – Louro de Carvalho

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