segunda-feira, 3 de julho de 2023

Hospitalidade, acolhimento, seguimento, testemunho e recompensa

 

Na Liturgia da Palavra do 13.º domingo do Tempo Comum, no Ano A, entrosam-se vários temas, todos eles atinentes ao discipulado, ficando patente o estatuto do discípulo, que se sintetiza em se identificar com Jesus, pelo batismo, e em assumir a missão de tornar presente na História e no tempo o plano de salvação de Deus para os homens.

***

A 1.ª leitura (2Rs 4,8-11.14-16a) prepara a catequese discipular, pela ênfase na hospitalidade e no acolhimento, que induzem a adesão a Deus e ao seu desígnio, obtendo a recompensa que a generosidade de Deus reserva a quem O acolhe e O segue. Mostra como todos podem colaborar na realização do projeto de Deus. Diretamente (Eliseu) ou indiretamente (a sunamita), todos têm um papel a desempenhar para que Deus Se torne presente no Mundo e interpele os homens.

O rico, sempre malvisto por causa das suas atitudes, neste relato, tem atitude de profunda fé e de grande despojamento. Uma mulher rica, mas estéril, habitante de uma região onde se adorava um deus pagão, patrono das pessoas desejosas de ter filhos, não se deixa contaminar com essa religião. Ao invés, depois de hospedar, inúmeras vezes, o profeta Eliseu, grande defensor de Javé, pede ao marido a construção, em sua casa, de um quarto confortável para que o profeta pudesse descansar, quando viesse em missão.

Após a morte de Salomão (932 a.C.), o Povo de Deus dividiu-se em dois reinos: Israel, a norte, e Judá, a sul. Os dois reinos passaram a ter vidas separadas e, mesmo, antagónicas.

Estamos no reino de Israel, em meados do século IX a.C., durante o reinado de Jorão (853-842 a.C.). As relações económicas, políticas e culturais que Israel insiste em estabelecer com outros países tornam-no vulnerável às influências estrangeiras e favorecem a entrada no país de cultos diversos. Neste contexto, surge o profeta Eliseu, discípulo de Elias, a continuar a obra do mestre, tentando trazer, de novo, os Israelitas aos caminhos da fidelidade à aliança. O profeta faz parte de uma comunidade de “filhos de profetas” (“benê nebi’im”), seguidores incondicionais de Javé, que vivem na absoluta fidelidade aos mandamentos de Deus e não se deixam contaminar pelos valores estrangeiros. Vivem pobremente e são regularmente consultados pelo Povo, que neles busca apoio face aos abusos dos poderosos.

Eliseu é chamado, recorrentemente, o “homem de Deus” (‘ish Elohim), título que designa o homem que é intérprete da Palavra de Javé junto dos outros homens, Palavra poderosa, que opera maravilhas e que tem a capacidade de transformar a realidade. Os “milagres” atribuídos a Eliseu, o grande taumaturgo do Antigo Testamento (AT) são a expressão viva da força de Deus, que, através do profeta intervém na História e salva os pobres.

O episódio em causa passa-se em Sunam, pequena cidade do Sul da Galileia, não longe de Meggido, à entrada da planície de Yezre’el, em casa de uma mulher rica e sem filhos. O caso da sunamita tem duas partes: a descrição da hospitalidade da mulher ao profeta, recompensada por este com o anúncio do nascimento de um filho; e a repentina doença e morte desse filho, que exigirá nova intervenção do profeta, no sentido de devolver a vida ao menino. A Liturgia da Palavra desta dominga fica-se pelo relato da generosa hospitalidade que Eliseu encontra em casa da sunamita, que não se limita a oferecer-lhe uma refeição, sempre que este passava por Sunam, no trânsito para o e do monte Carmelo. Antes, manda construir, para o profeta, um quarto no terraço da sua casa e mobilá-lo adequadamente.

E é de anotar que tudo é decidido em diálogo com o marido, o que mostra que o empenho pessoal é necessário, mas não é suficiente: importa que mobilize o outro ou os outros. Aqui, o pedido da mulher faz com que a ajuda ao profeta fosse algo que envolvesse a sua família.

Mais: ela poderia ter pedido uma grande quantia para dar de ajuda ao profeta, que ele receberia com gratidão e iria embora. Porém, a mulher preferiu hospedá-lo em sua casa, proporcionando-lhe conforto pessoal e o afeto de uma família. Além de permanecer fiel a Deus, tem a iniciativa de participar na ação missionária do profeta.

Eliseu, cheio de gratidão, anuncia-lhe que, apesar de ser estéril e de seu marido ser bastante idoso, será mãe. Ora, o que mais desejava na vida era ser mãe, mas não o pedira aos deuses: mas fiel a Javé, Ele a presenteia, para alegrar o seu coração, tão generoso e fiel.

Assim se percebe que o gesto da sunamita e do marido não se circunscreve a tirar todas as consequências do “sacramento da hospitalidade”, tão importante para os povos do Crescente Fértil, mas exprime o reconhecimento de que Eliseu é um “homem de Deus”, que é preciso acolher, pois, através dele, Deus age no Mundo. Ajudando Eliseu, a sunamita mostra a sua adesão ao Senhor e manifesta a disponibilidade para colaborar com Deus no desígnio de salvação que Deus tem para o Mundo e para os homens. Em resposta a esta generosidade, Eliseu anuncia à mulher o nascimento de um filho, promessa de valor especial, dada a quase impossibilidade de ter um filho, que pesa sobre o casal, devido à avançada idade do marido.

O relato ensina que a colaboração com Deus na realização do seu plano de salvação para os homens é fonte de vida e de bênção. Deus não deixa de recompensar todos aqueles que com Ele colaboram. Por outro lado, o trecho sugere que o projeto de salvação envolve toda a gente e é uma responsabilidade que a todos compromete. Uns são chamados a estar mais na “linha da frente” e a desenvolver uma ação mais exposta, ao passo que outros são chamados a desenvolver uma ação mais discreta, mas não menos importante.

Numa Europa que se tornou um condomínio fechado, de onde é excluída uma imensa multidão de pobres sem futuro e sem esperança, que mendigam um futuro sem miséria, este episódio convida-nos a refletir sobre a hospitalidade e sobre o acolhimento. É certo que os recursos não são inesgotáveis, mas a política que seguimos em relação aos imigrantes está a esconder uma boa dose de egoísmo e de falta de vontade de partilha. Ora, o dar não nos despoja, nem nos faz perder seja o que for, mas é sempre fonte de vida e de bênção. Porém, a dádiva não deve ser interesseira, mas desinteressada e gratuita.

Há pessoas chamadas por Deus a deixar a terra, a família, os pontos de referência culturais e sociais, a fim de dedicarem a vida ao anúncio da Palavra. Não são super-homens ou supermulheres, mas são como quaisquer outros, com as mesmas necessidades de afeto, de apoio e de solidariedade. É nossa responsabilidade ajudá-los, não só com meios materiais, mas também com compreensão, com solidariedade, com amor.

***

O Evangelho (Mt 10,37-42) é uma catequese sobre o discipulado, com vários passos: definição do caminho do discípulo, que tem de ser capaz de fazer de Jesus a opção fundamental e de O seguir na via do amor e da entrega da vida; mobilização de toda a comunidade testemunhar a Boa Nova de Jesus; e promessa de recompensa àqueles que acolherem, com generosidade e amor, os missionários do Reino. É a parte final do “discurso da missão”, atribuído a Jesus, que o teria pronunciado pouco antes do envio dos discípulos em missão, e que se constitui em catequese de Mateus, a partir de diversos materiais, como os relatos de envio ou “ditos” de Jesus acerca dos “doze” e várias outras “sentenças” que, originalmente, tinham outro contexto, mas que, agora, foram selecionados para revitalizar a opção missionária da comunidade.

O trecho em apreço divide-se em duas partes. Na primeira, Mateus giza um conjunto de exigências radicais para quem quer seguir Jesus; na segunda, sugere que toda a comunidade deve anunciar Jesus e põe na boca de Jesus o anúncio de uma recompensa, destinada a quem acolher os mensageiros do Evangelho.

Seguir Jesus não é fácil e consensual, ladeado de aplauso e de encorajamento, antes comporta um caminho radical, que resulta de opção que implica, muitas vezes, ruturas e escolhas exigentes. Não é admissível uma situação ambivalente. Não é de menosprezar ou de desvalorizar a família ou os amigos. Todavia, se a alternativa for optar por Jesus ou pela família (ou amigos), a escolha do discípulo deve recair sempre em Jesus, a primeira lealdade deve ser sempre com Jesus.

A família era a estrutura social que dava sentido à vida do indivíduo, tal como agora, mesmo que monoparental, é estruturante da personalidade do indivíduo e célula fundamental da sociedade. Assim, a rutura com a família era – e é – a medida extrema de desenraizamento social. É verdade que o discípulo não tem de romper com a família para seguir Jesus, mas não pode deixar que a família ou os afetos o impeçam de responder, coerente e radicalmente, ao desafio do Reino.

De igual modo, sucede com uma alternativa que se coloque em escolher entre Jesus e as próprias seguranças. Aí a escolha discipular deve ser a cruz e Jesus, pois, fazer da vida um dom a Deus e aos homens significa romper com os esquemas que, ótica dos homens, dão comodidade. Com efeito, optar por Jesus e segui-Lo até à cruz não é caminho de morte, mas caminho de vida, pois, quando o homem aceita viver na obediência ao plano de Deus e fazer da vida um dom de amor aos irmãos, encontra a verdadeira vida.

No atinente à recompensa a quem acolhe os mensageiros da Boa Nova de Jesus, o evangelista aponta quatro grupos, que integram a comunidade e que têm a responsabilidade do testemunho: os apóstolos, os profetas, os justos e os pequenos. Todos eles têm a missão de anunciar a Boa Nova de Jesus. Os apóstolos – que acompanharam sempre Jesus – são as testemunhas primordiais, pois deles se diz que quem os recebe, recebe Jesus. Os profetas são os pregadores itinerantes que interpelam a comunidade em nome de Deus e a ajudam a ser coerente com os valores evangélicos. Os justos são os cristãos procedentes do judaísmo, que procuram viver, na comunidade cristã, em coerência com a Lei de Moisés. E os pequenos são os discípulos que não integram a comunidade em pleno, pois estão em processo de amadurecimento da opção (são os catecúmenos que estão a descobrir a fé, à espera do compromisso pleno com Cristo e com o Evangelho. No entanto, todos, porque formam a comunidade cristã, têm a missão de anunciar o Evangelho de Jesus.

Enfim, a questão fundamental é: a tarefa de anunciar o Evangelho pertence a todos os membros da comunidade; e os missionários que testemunham, de modo eminente, a Boa Nova e que dão a vida ao serviço do Reino devem ser acolhidos com entusiasmo e com generosidade.

Quem prega, quem testemunha, quem acolhe, quem segue não fica sem a generosa recompensa.

***

A 2.ª leitura (Rm 6,3-4. 8-11) recorda o estatuto do cristão: alguém que, pelo batismo, se identificou com Jesus e o Segue. Com efeito, ao ser batizado, renuncia ao egoísmo e ao pecado, para viver no dinamismo da vida nova, passando o pecado a ser algo de absurdo, já que, pelo batismo, o cristão se enxertou em Cristo, de quem passou a receber a vida que o anima.

A vida de Cristo foi vivida no amor, na partilha, no dom total de Si. Assim, ao viver a vida segundo Deus, Cristo matou o pecado; e a cruz, como expressão de vida feita dom radical, é o golpe final no pecado (que é egoísmo, autossuficiência, fechamento). A ressurreição mostra essa vida nova que brota de um “não” firme ao egoísmo e ao pecado.

Ora os cristãos, pelo batismo, são enxertados em Cristo, ou seja, passam a fazer parte do Corpo de Cristo e a receber de Cristo a vida que os anima. Se neles circula a vida de Cristo, o pecado não tem aí lugar, mas só a vida de dom, de entrega, de serviço, que leva à ressurreição, à vida plena. O batizado sepulta o pecado e ressuscita para a vida, de onde o pecado tem de estar ausente.

***

O cristão sabe que Jesus recompensa. Porém, não deve fazer o bem a pensar na recompensa, mas de forma gratuita, generosa. A recompensa tem de vir por acréscimo.   

Cristo vê a generosidade em prol da missão. Ao mesmo tempo em que é exigente com os seus enviados, diz que aquele que receber um missionário terá a recompensa, como se o acolhimento tivesse sido feito ao próprio Jesus.

Não nos esqueçamos do recado que o Senhor nos deu a respeito de um gesto tão simples que é dar um copo de água ao que tem sede. E saibamos que o Senhor está atento à generosidade de nosso coração, para nos retribuir com o que é necessário para a plenitude da felicidade, que é o amor, amar e sentir-se amado.

2023.07.03 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário