sábado, 15 de julho de 2023

Equívoco justicialista nas buscas a personalidades e a sedes do PSD (?)

 

A operação da Justiça a personalidades e a sedes do Partido Social Democrata (PSD), salvo o tom quase displicente com que Rui Rio reagiu ao caso, gerou um raro consenso à esquerda e à direita: o PSD considera a ação “desproporcional”; e as críticas são transversais.

A sede do partido, a sua sede distrital do Porto, a casa do ex-líder e a do ex-secretário-geral adjunto foram alvo de buscas da Polícia Judiciária (PJ), com forte dispositivo acompanhado pelo canal de televisão CNN Portugal. Porquê a televisão? Em causa estão suspeitas de uso indevido de dinheiros público, com verbas pagas pela Assembleia da República (AR), para as assessorias parlamentares, a serem, alegadamente, utilizadas pelo partido para funcionários não-parlamentares. Também o ex-secretário-geral adjunto, Hugo Carneiro (agora deputado) foi alvo de buscas, tendo ficado sem telemóvel e sem computador.

Francisco Louçã, antigo deputado do Bloco de Esquerda (BE) considerou: “A utilização do espaço público para criar uma perceção de culpa a alguém que pode ou não ser culpado tem um efeito cancerígeno na confiança na Justiça.”

Ao Diário de Notícias (DN), o economista justificou a sua opinião, recordando que o aparato mediático deixa entrever que  há um padrão muito repetido, em vários casos políticos diferentes”, como o da detenção de José Sócrates, na manga do aeroporto de Lisboa, em 2014. Porém, não sabe se isso significará a existência de “uma instrumentalização da Justiça”.

Álvaro Beleza, presidente da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) e membro da Comissão Política do Partido Socialista (PS), sustenta que “estamos com um ataque às democracias no Mundo Ocidental” e que a intervenção judicial “podia ser mais sóbria”. Todavia, para este socialista, há uma dimensão mais profunda, que tem a ver com a reforma da Justiça. Embora confie nos profissionais da justiça, que “são gente séria e dedicada”, defende que “deve ser feita uma adaptação do sistema judicial ao século XXI” e que “isso é um assunto relevante de que toda a gente parece ter medo de falar”, pelo que “os dois principais partidos têm de tratar deste assunto”.

Também Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), deixou palavras duras sobre o setor da justiça. “A associação espúria de alguns setores do sistema judiciário com um certo mundo mediático constitui uma grave ameaça para a democracia”, declarou em nota à Lusa, no dia das buscas domiciliárias a Rui Rio.

Em relação ao caso, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República (PR), à saída do Centro Ismaili, em Lisboa, ao início da noite de 13 de julho, considerou que há uma “dupla natureza” jurídica em relação aos grupos parlamentares, que estudou na tese de doutoramento, em 1985: “Uma das questões mais interessantes é saber qual a natureza jurídica dos grupos parlamentares, [se] são órgãos do partido ou do Parlamento, ou [se] são as duas coisas. Eu cheguei à conclusão [de] que eram as duas coisas, tal como chegou à conclusão o Tribunal Constitucional (TC), pelo menos num acórdão antigo que conheço. Esta dupla natureza torna muito difícil saber o funcionamento e financiamento do dia-a-dia”, afirmou o chefe de Estado, que insinuou que os estatutos do PSD e do PS perfilham a ideia de que os grupos parlamentares são órgãos do Parlamento e do respetivo partido.

Hugo Soares, secretário-geral do PSD, enviou uma carta à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, sobre a atuação da justiça, que considerou “desproporcional”. À SIC, a procuradora prometeu analisar a missiva do partido.

O PS anunciou que vai apresentar uma norma, na AR, para “esclarecer, de forma clara e cabal”, a gestão de recursos entre partidos e grupos parlamentares. Segundo disse à RTP João Torres, secretário-geral adjunto, é importante “fixar” o entendimento sobre este assunto.

Um grupo de 30 deputados do PSD – maioritariamente da ala próxima de Rui Rio – entregou uma carta a convocar uma reunião de urgência do grupo parlamentar social-democrata, defendendo que é o grupo parlamentar, a sua dinâmica funcional, os termos da sua relação com o pessoal de assessoria técnica, a proteção dos seus componentes, a extensão da liberdade da ação política partidária e da sua relação com o grupo parlamentar, “a existência ou não de limites à forma como desempenha a atividade legislativa e o escrutínio da atividade governativa, que o justificam e exigem amplamente”. Em resposta, Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, convocou a reunião para 18 de julho.

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Não li a tese de doutoramento do PR, mas li os estatutos do PSD e do PS. Obviamente, o grupo parlamentar (GP) é considerado órgão do partido, tal como a AR legitima, nos termos da Constituição a organização dos deputados em grupos parlamentares. A questão não é essa e o PSD não precisa de que o PR venha em seu auxílio. O problema é a legitimidade ou não de funcionários ou assessores dos partidos poderem ser pago com verbas da AR.

A Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, aprovada pela Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, cuja última alteração lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril (e Declaração de Retificação n.º 17/2018, de 18 de junho), estabelece no artigo 3.º, de onde provêm as receitas dos partidos: quotas e outras contribuições dos filiados; contribuições de candidatos e representantes eleitos em listas apresentadas por cada partido ou coligações; subvenções públicas, nos termos da lei; produto de atividades de angariação de fundos; rendimentos provenientes do seu património designadamente, arrendamentos, alugueres ou aplicações financeiras; produto de empréstimos, nos termos das regras gerais da atividade dos mercados financeiros; produto de heranças ou legados; e donativos de pessoas singulares, sujeitos ao limite anual de 25 vezes (25 x) o valor do indexante os apoios sociais (IAS) por doador.

O artigo 5.º, que regula a “subvenção pública para financiamento dos partidos políticos”, estabelece, no n.º 4, que a cada GP, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito “é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente”. E, nos termos do n.º 6, estas subvenções são pagas em duodécimos, por conta de dotações especiais inscritas, para esse efeito, no Orçamento da AR.

Estas normas não colidem com a do n.º 1, que estabelece: “a cada partido que haja concorrido a ato eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República”.

Também a Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), aprovada pela Lei n.º 77/88, de 1 de julho, cuja última alteração lhe foi introduzida pela Lei n.º 24/2021, de 10 de maio (e Declaração de Retificação n.º 17/2021, de 4 de junho), estabelece, no artigo 46.º:

Os GP dispõem de gabinetes constituídos por pessoal de sua livre escolha e nomeação nos seguintes termos: a) com dois deputados, inclusive: pelo menos um adjunto, um secretário, um secretário auxiliar e outros funcionários; b) com mais de dois e até oito deputados, inclusive: um chefe de gabinete e pelo menos um adjunto, um secretário, dois secretários auxiliares e outros funcionários; c) com mais de 8 e até 20 deputados, inclusive: um chefe de gabinete e pelo menos dois adjuntos, dois secretários, dois secretários auxiliares e outros funcionários; d) com mais de 20 e até 30 deputados, inclusive: um chefe de gabinete e pelo menos três adjuntos, três secretários, três secretários auxiliares e outros funcionários; e) com mais de 30 deputados: um chefe de gabinete e pelo menos três adjuntos, três secretários, três secretários auxiliares e ainda, por cada conjunto de 25 deputados ou resto superior a 10, pelo menos mais um adjunto, um secretário, um secretário auxiliar e outros funcionários.

No início de cada legislatura, os GP comunicam aos serviços da AR o mapa de pessoal de apoio, com a indicação das categorias e vencimentos; e, no início de cada mês os gabinetes dos GP comunicarão aos serviços da AR as horas extraordinárias a processar aos funcionários dos GP.

As despesas com as remunerações previstas não podem ultrapassar, anualmente, as verbas que resultam do quadro seguinte: a) GP de dois deputados – 24 x 14 SMN (salário mínimo nacional) + 6 x 14 SMN por deputado; b) de três a 15 deputados – 45 x 14 SMN + 6 x 14 SMN por cada deputado; c) com mais de 15 deputados – 60 x 14 SMN mais: 6 x 14 SMN por deputado, para 15 deputados; 3 x 14 SMN por deputado, para o número de deputados que exceda 15, até ao máximo de 40; 2,25 x 14 SMN por deputado, acima de 40 e até 80 deputados; 1,8 x 14 SMN por deputado, acima de 80 deputados.

Os GP podem alterar a composição do mapa de pessoal, desde que daí não resulte agravamento da despesa global, e como definir o modo e o local de trabalho.

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Embora o PS, em resposta ao PR, questione o panorama político, ao propor alterações à lei de financiamento dos partidos, querendo promover maior transparência e responsabilidade na gestão dos recursos políticos, a questão está resolvida pelas leis em vigor.

Concorde-se ou não – a contribuição privada é muito limitada – e condicionada, a legislação dá cobertura a que os funcionários dos GP trabalhem para o partido e aufiram remuneração por esse facto, pois deixa à responsabilidade dos partidos a determinação do número de funcionários do seu GP, do local e o tempo de trabalho, desde que não ultrapassem os limites definidos.

Assim, sem se fazer um juízo de valor sobre a forma de atuar, em si, dos investigadores, intervenção da PJ, o aparato de que a comunicação social deu nota só revela uma leitura acrítica da denúncia que espoletou a intervenção, pois os inspetores e peritos, tal como os procuradores do Ministério Público (MP) devem conhecer as leis.

Não sei se estaremos perante uma tentativa – intencional ou não – de ilegalização da política, por via judicial, como admite Pacheco Pereira, ou se estaremos perante um surto de intervenção no Estado de Direito, por parte de pessoas que olham para o país através da folha Excel e com a mentalidade justicialista acima da própria lei.

Poderemos até estar em presença de um fenómeno demolidor da atual situação: o partido do governo fragilizado por casos e casinhos (uns com fundamento, outros mitificados); o grande partido da oposição em terreno movediço; e uma esquerda quase sem voz. São circunstâncias objetivas propícias à escalada de forças sebastianistas para, em nome da lei e da ordem, se imporem ao Povo. Não é despiciendo o dito de Rui Rio: Se o Presidente da República, a Assembleia e os partidos não tiverem coragem de dizer ‘basta’, haverá algum dia em que alguém vai dizer ‘chega’.”

Entretanto, debatam-se as ideias, não andemos 60 anos a discutir uma obra, reine o bom senso e resolvam-se os problemas do povo.          

2023.07.14 – Louro de Carvalho

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