domingo, 23 de julho de 2023

Medicamento travará declínio por Alzheimer entre quatro a sete meses

 

Um novo medicamento experimental concebido para o tratamento de Alzheimer pode retardar o agravamento da doença entre quatro a sete meses, conforme um estudo da Eli Lilly, empresa farmacêutica com sede na cidade de Indianápolis, Estado de Indiana, nos Estados Unidos da América (EUA), fundada pelo farmacêutico Eli Lilly, em 1876.

Todavia, o fármaco designado por donanemab tem uma contraindicação séria: a possibilidade de inchaço ou hemorragia cerebral, que foi associada, no estudo da Eli Lilly, a três mortes, tendo cerca de um quarto dos doentes apresentado sinais de inchaço e 20% tido micro-hemorragias.

O fármaco está a ser desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, que já solicitou a aprovação da parte da agência federal norte-americana para os medicamentos (FDA, na sigla em inglês).

Já em maio, a farmacêutica tinha anunciado que o donanemab parecia funcionar, mas os resultados finais de um ensaio clínico que envolveu 1.700 doentes só agora foram publicados pela revista científica Journal of the American Medical Association e apresentados numa conferência da Associação Internacional de Alzheimer, em Amesterdão, nos Países Baixos.

À semelhança do fármaco Leqembi, produzido pela farmacêutica japonesa Eisai e recentemente aprovado, apesar de também ter a referida contraindicação, o donanemab é composto por anticorpos produzidos em laboratório, administrados por via intravenosa e que têm como alvo um dos principais responsáveis pela doença de Alzheimer – os aglomerados de proteínas conhecidas como placas amiloides.

Apesar de reconhecerem que estes medicamentos representam uma nova era no tratamento de Alzheimer, os cientistas admitem haver, ainda, muitas questões sobre o perfil dos pacientes em que devem ser testados e o nível do benefício. “Provavelmente, os benefícios modestos não seriam questionados por pacientes ou por médicos, se os anticorpos fossem de baixo risco, baratos e simples de administrar, mas não são nada disso”, escreve o médico Eric Widera, da Universidade da Califórnia, em San Francisco, no editorial do Journal of the American Medical Association.

O estudo envolveu pessoas entre os 60 e 85 anos, que estavam ainda numa fase precoce da doença. Os 1.700 doentes foram divididos em dois grupos, em que metade recebeu infusões mensais do donanemab e a outra metade infusões placebo, ao longo de 18 meses.

Além das placas amiloides, os investigadores monitorizaram os níveis da proteína tau, também responsável pela Alzheimer. Com efeito, a proteína tau, que estabiliza os microtúbulos e é abundante nos neurónios do sistema nervoso central e menos abundante em outros locais, atrasa as causas de demências neurodegenerativas.

De acordo com os resultados, os dois grupos pioraram ao longo dos 18 meses (ou melhor, 76 semanas), mas a evolução foi cerca de 22,3% mais lenta nas pessoas com Alzheimer precoce, cujos exames cerebrais revelaram níveis baixos ou médios da proteína tau, por terem recebido donanemab, parecendo que o medicamento funcionava melhor nos estágios iniciais da doença, uma vez que os doentes com níveis diferentes (baixos a médios de tau) tiveram um declínio 35,1% mais lento. Isto significa que o donanemab atrasou entre quatro a sete meses o declínio do estado de saúde dos doentes. Entre os doentes a quem foi administrado o medicamento, 47% foram considerados estáveis, um ano após o início do estudo, comparado com os 29% do outro grupo, os que receberam infusões de placebo, em que a placa amiloide só reduziu 1%.

Se aprovado, será o segundo tratamento para a doença de Alzheimer comprovadamente capaz de retardar os sintomas da doença neurodegenerativa, depois de a FDA ter autorizado, no início do mês de julho, a utilização do Leqembi.

Segundo a Alzheimer’s Research UK, os resultados do ensaio com donanemab são marca de entrada numa “nova era”, uma viragem que poderá ser o “princípio do fim” da doença de Alzheimer, ou melhor, a doença “pode tornar-se tratável”, permitindo que as pessoas com a patologia continuem a realizar tarefas do quotidiano, como por exemplo cuidar da casa ou fazer compras. Para a Alzheimer’s Society, poderá ser “o princípio do fim” da doença de Alzheimer. E, de cordo com a Sky News, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) está já a avaliar se o medicamento pode ser utilizado no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.

O ensaio avaliou a segurança e eficácia do medicamento produzido pela farmacêutica norte-americana Eli Lilly, pois remove as placas da proteína amiloide que se acumulam no cérebro de pessoas com Alzheimer. E os resultados apurados no acompanhamento das 1700 pessoas com a doença em fase inicial foram publicados, como se disse, no Journal of the American Medical Association e apresentados na conferência internacional da Alzheimer’s Association.

“Os resultados deste estudo reforçam a importância de diagnosticar e de tratar a doença mais cedo do que o fazemos atualmente”, apontou Mark Mintun, vice-presidente do grupo de investigação e desenvolvimento em neurociências da Eli Lilly, citado pela Sky News.

“Tratamentos como o donanemab são os primeiros passos em direção a um futuro em que a doença de Alzheimer poderá ser considerada uma doença de longa duração, a par da diabetes ou da asma. As pessoas poderão ter de viver com ela, mas poderão dispor de tratamentos que lhes permitam gerir eficazmente os seus sintomas e continuar a ter uma vida plena”, salientou Richard Oakley, diretor de investigação da Alzheimer’s Society, àquela publicação britânica.

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Também em Portugal, investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) desenvolveram um dispositivo que deteta concentrações mínimas de dopamina em amostras de baixo volume, ajudando a combater doenças neurológicas como Parkinson ou Alzheimer. A investigação, publicada na revista científica Journal of Nanobiotechnology, permitiu o desenvolvimento de um dispositivo inovador capaz de detetar, “de forma precisa” concentrações mínimas de dopamina em amostras biológicas de baixo volume, adiantou a FMUP, em comunicado de 6 de março.

O biossensor potencia o desenvolvimento de novos meios de diagnóstico precoce, bem como de monitorização clínica em algumas doenças neurológicas, como Parkinson ou Alzheimer.

Citados no comunicado, os investigadores Luís Jacinto e Patrícia Monteiro esclarecem que a medição das concentrações de dopamina no cérebro é “de grande importância para o desenvolvimento de novos meios de diagnóstico e de terapêutica em algumas doenças do foro neurológico”. “Alterações anormais nos níveis do neurotransmissor dopamina, que desempenha um papel essencial no cérebro humano como a função motora e a memória, podem ter consequências graves e levar a distúrbios cerebrais, como Parkinson ou Alzheimer”, afirmam.

A sensibilidade do novo dispositivo, baseada em transístores de grafeno, será também importante para a delineação de novas técnicas de monitorização do fluxo de dopamina em modelos pré-clínicos de investigação académica e farmacêutica.

O projeto, financiado em um milhão de euros pela Fundação La Caixa, envolveu uma equipa multidisciplinar de especialistas em neurociências, biologia molecular, física e engenharia física, engenharia biomédica e engenharia dos materiais e medicina.

Além dos investigadores da FMUP, o desenvolvimento e validação do biossensor contou com a colaboração do Instituto Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) e do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, da Escola de Medicina da Universidade do Minho.

O projeto “NeuralGRAB”, que visa desenvolver uma plataforma bioeletrónica para medir vários neurotransmissores envolvidos em doenças neurológicas, como a dopamina e a serotonina, contou ainda com a participação do Centro de Astrobiologia do Conselho Superior de Investigações Científicas, em Madrid.

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Porém, nem só de fármacos vive a prevenção e o tratamento destas doenças. Sete hábitos saudáveis e fatores relacionados com o estilo de vida podem desempenhar papel relevante na redução do risco de desenvolver demência, revelam dados preliminares de um estudo dos Institutos Nacionais da Saúde dos Estados Unidos (NIH), divulgado em março.

O estudo acompanhou, durante 20 anos, 13.720 mulheres nos Estados Unidos, com uma idade média inicial de 54 anos. Do total de participantes, 1771 acabaram por desenvolver demência, o que corresponde a 13%.

De acordo com os dados da investigação que foi apresentada no encontro anual da Academia Americana de Neurologia, em abril, os sete aspetos que podem fazer a diferença são: ser ativo, ter uma boa alimentação, manter um peso saudável, não fumar, controlar o colesterol, manter a tensão arterial normal e ter um baixo nível de açúcar no sangue.

Para cada um dos sete fatores, foi atribuída uma pontuação a cada pessoa: zero, em caso de avaliação “pobre ou intermédia”; um se considerada “ideal”. No início do estudo, a pontuação média foi de 4,3. Dez anos depois, o valor desceu ligeiramente, para 4,2. E, depois de ajustados fatores como a idade ou o nível de educação, a equipa de investigação concluiu que, por cada aumento de um ponto, o risco de demência diminuiu 6%.

“Como sabemos, agora, que a demência pode começar no cérebro, décadas antes do diagnóstico, é importante que aprendamos mais sobre como os hábitos, na meia-idade, podem afetar o risco de demência na velhice”, afirmou a investigadora Pamela Rist, uma das autoras do estudo, em comunicado. “A boa notícia é que fazer escolhas de estilo de vida saudáveis na meia-idade pode levar a uma diminuição do risco de demência mais tarde na vida”, acrescentou.

“Pode ser capacitante para as pessoas saberem que, adotando medidas como praticar exercício físico, durante meia hora por dia, ou mantendo a tensão arterial sob controlo, podem reduzir o risco de demência”, esclareceu Rist, sublinhando que o principal fator de risco é a idade, mas é possível prevenir o declínio cognitivo.

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Em suma, a par dos fármacos ou para os evitar, tanto quanto possível, julga-se que praticar 50 minutos de exercício físico por semana pode ser suficiente para reduzir risco de mortalidade de pessoas inativas. Todas as pessoas – de qualquer género e condição – podem tomar medidas simples para reduzir o risco de demência. Além da atividade física e do cuidado com o coração, ter uma boa noite de sono, desafiar o cérebro e manter-se ligado às pessoas que nos rodeiam, tudo isto pode ajudar a reduzir as hipóteses de desenvolver demência.

A nível mundial e devido ao envelhecimento da população, estima-se que o número de pessoas com demência suba para 153 milhões em 2050 – das quais 351.504 em Portugal.

Na doença de Alzheimer, a idade é o principal fator de risco, mas o estilo de vida é fundamental.

2023.07.23 – Louro de Carvalho

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