terça-feira, 11 de julho de 2023

Cimeira de Vilnius da NATO unida, mas sob o signo da divisão

 

É verdade que a cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN) de Vilnius, na Lituânia, de 11 a 12 de julho, fica marcada pelo objetivo comum do apoio à Ucrânia na guerra com a Rússia, tal como no entendimento sobre o processo de adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica. Todavia, a divisão persiste no atinente ao envio de armas de fragmentação para o teatro de operações no país que pretende ser aceite na NATO.

Foi, ainda antes do início oficial da cimeira, ultrapassada a relutância da Turquia sobre a aceitação da Suécia na NATO e sobre a da Turquia na União Europeia (UE).   

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, diz que a Suécia tem sido permissiva no acolhimento de dissidentes turcos, que a Turquia define como terroristas, pelo que tem levantado entraves ao processo, apesar dos esforços suecos para responder às exigências turcas. Entretanto, no dia 10, prescindiu da sua visão sobre a atitude sueca para com os dissidentes e aceitou propor ao seu Parlamento a ratificação da aceitação da entrada da Suécia na NATO, desde que a UE, em particular, a Suécia, apreciasse, positiva e celeremente, o pedido de adesão da Turquia à UE: “A Turquia está à espera à porta da União Europeia há mais de 50 anos e quase todos os países membros da NATO são agora membros da União Europeia. Estou a fazer este apelo a esses países que deixaram a Turquia à espera, às portas da UE, durante mais de 50 anos.”

Com isto concordam o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, cuja saída da liderança da Aliança – “forte e unida” – se previa para agora, mas que se dá como reconduzido por mais algum tempo, e pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Também a Hungria, que estava renitente, deu luz verde à entrada da Suécia na NATO.

Outro ponto em que os membros da NATO estão de acordo é a prudência em relação à entrada da Ucrânia na NATO. A aceitação na Aliança é garantida, mas não agora, em que o foco se põe no esforço de guerra, com os aliados a aumentar os orçamentos nacionais da Defesa.   

Este entendimento vigou, apesar de o presidente ucraniano, ter voltado a pressionar a NATO a avançar com a adesão da Ucrânia. Em mensagem publicada no Telegram e no Twitter, a caminho de Vilnius, para a cimeira da NATO, Volodymyr Zelensky escreveu que será “absurdo”, se a Ucrânia não receber o convite para integrar a Aliança: “É sem precedentes e absurdo que não seja definido um prazo nem para o convite nem para a adesão da Ucrânia [à NATO]. Em vez disso, algumas palavras vagas sobre ‘condições’ são adicionadas, até mesmo para convidar a Ucrânia.”

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Os aliados europeus não podem deixar de contar com os Estados Unidos da América (EUA) para garantirem a sua defesa. Joe Biden, que tem a vantagem de falar claro, respondeu aos jornalistas que o interpelaram sobre as bombas de fragmentação: “Eles ficaram sem munições.”

O presidente americano já tinha explicado a difícil decisão, que passou por longa negociação com a Ucrânia. Os arsenais dos EUA, que têm fornecido cerca de 70% do armamento de que os Ucranianos precisam para resistirem à Rússia e para reconquistarem terreno, são esgotáveis. O problema não é de agora. Em junho, a Ucrânia começou a ficar sem munições, sobretudo obuses de 155 mm, as mais usadas; em março, na véspera da contraofensiva, pediu 250 mil obuses, por mês à UE, cuja produção não excedia as 20 mil unidades.

Os ministros da Defesa decidiram a compra conjunta, mas levaram meses a debater como a pôr em prática. A França queria que fosse feita só à indústria europeia, mas a maioria dos restantes países, incluindo a Alemanha, queria fazê-la depressa e a quem as tivesse. A guerra não espera. E a responsabilidade de manter o fluxo constante de armamento para a Ucrânia tem cabido, em primeiro lugar, aos EUA, que, a par das bombas de fragmentação, enviam mais um pacote de 800 milhões de dólares.

Seja como for, a decisão dos EUA de entregarem a Kiev armamento proibido pela Convenção de Oslo divide os aliados. No meio da polémica, o presidente dos EUA, foi, a 9 de julho, ao Reino Unido, que se opôs à medida, tal como Portugal.

Antes de se pôr a caminho de Londres, a primeira paragem (de três) na sua minitour europeia, Joe Biden, tentou afogar a fervura da controvérsia surgida após a confirmação do envio pelos EUA de armas de fragmentação para a Ucrânia. O Pentágono e Zelensky explicaram que haverá registo rigoroso da utilização deste armamento, partilhado com todos os parceiros. Além de que, alegam, tais bombas evoluíram para uma versão menos perigosa para os civis, as principais vítimas colaterais da sua utilização, e não serão usadas em território russo, mas só na recuperação das regiões ocupadas em solo ucraniano.

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, frisou que as munições a entregar têm uma taxa de não explosão (ficam no solo por detonar) inferior a 2,5%, indicando que haverá muito menos cartuchos não detonados que possam resultar em mortes não intencionais de civis. E alega que as bombas de fragmentação que a Rússia supostamente está a usar no conflito têm uma taxa de não explosão de 30 a 40%.

Mais de cem países, incluindo membros da NATO, como a França, a Alemanha, a Espanha, o Canadá e Portugal, opõem-se ao uso de bombas de fragmentação, pois ratificaram a Convenção sobre Munições de Fragmentação, ao invés da Ucrânia, da Rússia e dos EUA. E António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), condenou este uso.

“A Espanha tem um compromisso firme com a Ucrânia, mas também tem um compromisso firme de que certas armas e bombas não podem ser entregues em nenhuma circunstância”, afirmou a ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles. Tal dicotomia foi também expressa pelo governo português. Em declaração conjunta, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e o Ministério da Defesa Nacional (MDN) garantiram que Portugal continuará a apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário, nos planos político, militar, financeiro e humanitário”, mas recordam que o país é signatário da Convenção, de Dublin e de Oslo, sobre Munições de Dispersão (2008), que promove a proibição de bombas de fragmentação, alertando que podem provocar vítimas numa área muito alargada e, por vezes, muito tempo depois de lançadas.  

Este foi um dos temas polémicos da conversa de Biden, em Downing Street, com o líder britânico Rishi Sunak, um dos primeiros a condenar o uso deste armamento. E, em Vilnius, repetiu os seus argumentos. Segundo o jornal The Guardian, a discussão iria centrar-se no envio de bombas de fragmentação e no alargamento da NATO, o que efetivamente aconteceu.

Em entrevista à CNN, Joe Biden deixou clara a sua posição sobre o segundo ponto da agenda da Aliança Atlântica. Na sua opinião, a Ucrânia ainda “não está pronta” para entrar na NATO, uma votação nesse sentido “seria prematura” e “dificilmente [a Ucrânia] terá o apoio unânime dos membros, enquanto a guerra decorre”. O presidente americano explicou que “entrar na NATO é um processo que leva algum tempo até ser possível reunir todas as condições, desde a democratização até toda uma série de requisitos”. Os EUA reafirmam, porém, que, “enquanto a Ucrânia trabalha para alcançar todos os critérios para ser um membro da Aliança”, estão disponíveis para “prestar apoio militar semelhante ao que é dado a Israel, há já tanto tempo”.

Também António Costa rumou a Vilnius para a cimeira da Aliança Atlântica. E, no dia 10, visitou os militares portugueses da Força Aérea empenhados na Lituânia, no âmbito de missões da NATO. Chegou à Base Aérea de Siauliai, a cerca de 200 quilómetros da capital lituana, ao final da tarde, acompanhado pela ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras.

Após a cerimónia de boas-vindas e da fotografia de grupo com as forças nacionais destacadas (FND), o primeiro-ministro visitou várias aeronaves de combate, nomeadamente os caças F-16, que os Portugueses usam na missão ‘Baltic Air Policing (BAT)’, de patrulhamento do espaço aéreo. Posteriormente, participou num briefing sobre as operações em curso e, ao início da noite, jantou com os militares portugueses, tendo, depois, rumado à Cimeira da NATO.

Os aliados da NATO, numa base rotacional, contribuem para estas medidas, de forma flexível e escalável, em resposta à evolução da situação de segurança no flanco leste da Aliança”, detalhou à Lusa o Estado-Maior-General das Forças Armadas. Portugal e a Roménia sucederam, em março, à França e à Alemanha na BAP e, no final de julho, outros dois Estados-membros ficarão encarregues do patrulhamento aéreo – sinal de força e de solidariedade.

A BAP é a missão de policiamento aéreo com o objetivo de proteger o território aliado e as populações de ameaças e de ataques aéreos e de mísseis, podendo fornecer apoio a aeronaves civis, por exemplo, quando perdem a comunicação com o controlo de tráfego aéreo.

Desde o início do conflito, os aliados têm reforçado a presença no flanco leste da NATO, nomeadamente em países como a Roménia, com Portugal a participar em duas missões que visam contribuir para a capacidade de dissuasão e de defesa da Aliança: a ‘Tailored Forward Presence’ e a ‘Enhanced Vigilance Activity’. Portugal participa com 118 militares e cinco aeronaves (quatro são F-16 M) em duas missões da NATO: as “Assurance Measures” e a BAP. A primeira, iniciada em 2014, consiste em atividades de presença contínua em terra, mar e ar, dentro e junto da fronteira leste do território aliado, a reforçar a defesa, a dissuadir ameaças, a tranquilizar populações e a deter potenciais agressões.

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Arma ou bomba de fragmentação (em Inglês: cluster bombs ou cluster munitions) é um artefacto explosivo que, acionado, liberta grande quantidade de projéteis ou fragmentos menores, para causar grande número de vítimas, já que, além da concussão causada pela explosão, os fragmentos são lançados a alta velocidade em todas as direções, provocando ferimentos graves ou mortais, numa área grande. O efeito na tropa é devastador: além de mortos e de feridos, causa pânico generalizado, pela sua crueza e brutalidade. Pode ser usada contra outros alvos – veículos, linhas de transmissão e abrigos – e lançada a partir do ar ou do solo, podendo também ser usada como mina terrestre. A médio prazo, causa ferimentos e morte na população civil.

A definição de armas de fragmentação inclui toda a munição, como granadas, foguetes e bombas, que contenha grande número de bombas menores que, ao serem lançadas, se espalham sobre uma área grande (equivalente a meia dúzia de campos de futebol). Esses explosivos podem ficar intactos por muitos anos (não detonados), pelo que representam perigo iminente para a população, podendo causar mutilações ou mortes, quando explodem. A maioria das vítimas é civil.

Estas submunições lançadas têm coeficiente de falha de 5% a 40%, podendo ficar enterradas, sem explodir, por muito tempo, depois da guerra. Os especialistas estimam que foram mortos, pelo menos, dez mil inocentes e foi mutilado um número muito maior de pessoas, devido ao uso de bombas de fragmentação em zonas de conflito espalhadas pelo mundo, desde 1965.

Vários países usaram estas armas em conflitos. A Rússia usou-as na Geórgia; a NATO, na Sérvia e no Iraque; Israel, no Líbano, em 2006; os EUA, no Afeganistão, na Sérvia, no Laos e no Iraque, entre outros. No Iraque, os EUA e o Reino Unido terão lançado cerca de um milhão desses artefactos. Por curiosidade, as crianças agarram os miniprojéteis (minas antipessoais) não explodidos, com forma chamativa, como bola de ténis ou lata de refrigerante.

Por ser questão de Direito Humanitário Internacional, começou, em 2003, a campanha contra esses explosivos, de que resultou a convenção de 2008, negociada em Dublin e ratificada em Oslo. Porém, há países que não lucram com um mundo pacificado: dizem “paz”, mas querem a guerra!

2023.07.11 – Louro de Carvalho

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