quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Os deputados serão todos iguais, mas os seus direitos talvez não


Pelo bom senso do Presidente da Assembleia da República (AR), foi ultrapassado o impasse que se criara na Conferência de Líderes antes do 1.º debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, já que, por votação, os deputados únicos representantes de partido não lhe poderiam fazer perguntas nesses debates parlamentares quinzenais. Ferro Rodrigues ultrapassou a situação pedindo aos líderes parlamentares que lhes reconhecessem a possibilidade de fazer perguntas dispondo cada deputado representante único de um partido (DRUP), ou seja, de partido com um só deputado, de um minuto e meio, tendo o Primeiro-Ministro direito a um minuto e meio para as respetivas respostas. Por outro lado, o Presidente da AR solicitou que os deputados procedessem à revisão do regimento no atinente aos poderes, deveres e direitos dos DRUP, o que está a acontecer com a discussão de projetos entrados na AR, mas em mais matérias.
Também foi a boa vontade de Ferro Rodrigues que deu a possibilidade ao Livre de apresentar o projeto de lei de alteração da Lei da Nacionalidade embora tivesse expirado o prazo definido pela Conferência de Líderes para a apresentação de projetos de lei referentes a essa matéria.
Agora, pelos votos do PS, PSD e PCP, os DRUP estão impedidos de participar na Conferência de Líderes nem mesmo com o estatuto de observador.
Na verdade, a votação impede o estatuto de observador na conferência de líderes aos pequenos partidos, que serão, no entanto, ouvidos pelo presidente da AR “quando o entenda útil”. Porém, têm direito a 5 declarações políticas por ano. Foi isto anunciado em 12 de dezembro e foi este o resultado das votações indiciárias no grupo de trabalho sobre o regimento da AR, na véspera de apresentar o seu trabalho na comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Esta comissão decidirá, depois, se confirma ou não as votações do grupo de trabalho, antes de enviar as alterações ao regimento para votação em plenário. PS e PSD têm uma maioria confortável para as fazer aprovar.
Até agora, os dois maiores partidos, com a ajuda do PCP, votaram lado a lado para, por exemplo, chumbar a proposta do Chega de os DURP terem os mesmos direitos dos grupos parlamentares, que têm de ter o mínimo de dois deputados. Os deputados do CDS, do Chega e do PAN não estiveram na reunião do grupo de trabalho.
José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, tentou ainda ultrapassar o impasse propondo que fosse dado aos três deputados únicos, de Iniciativa Liberal, Livre e Chega, o mesmo estatuto na conferência de líderes que foi dado ao PAN na anterior legislatura (2015-2019). Ou seja, o estatuto de observador e com direito a intervir quando se tratasse de matérias em que tenham de “exercer os seus direitos”, na expressão do regimento, que é o caso do agendamento de iniciativas legislativas para plenário.
João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, usou o argumento da “dignidade” de os deputados terem o direito a ter assento na conferência de líderes e aceitou, logo ali, a sugestão de Pureza. Tanto António Filipe, do PCP, como Pedro Rodrigues, do PSD, consideraram que deve haver “uma diferenciação” entre grupo parlamentar e os deputados únicos. E Joacine Katar Moreira, do Livre, assinalou a “resistência enorme” em alterar o que está em vigor, por parte dos partidos, e recordou que os novos deputados são “cidadãos escolhidos por milhares de cidadãos” nas eleições.
Na hora da votação, a proposta do Chega de dar plenos direitos aos deputados únicos, a exemplo do que sucede com os grupos parlamentares, foi chumbada pelos votos do PS, PSD e PCP e registou os votos contra do IL e Livre e a abstenção do Bloco de Esquerda. A polémica em torno dos tempos e direitos dos deputados únicos arrasta-se desde o início da sessão legislativa, em 24 de outubro e está para continuar.
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Tudo isto leva-me a questionar a propalada igualdade dos deputados – não os há de primeira e de segunda – com que Ferro Rodrigues respondeu (e bem) ao então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva que do alto do pilar tronal de Belém insinuava aos deputados “democráticos” de São Bento que poderiam inviabilizar o programa de governo do PS.
Do meu ponto de vista, todos os líderes parlamentares e os DRUP deveriam integrar de pleno direitos a Conferência de Líderes e ter ali direito à palavra e ao voto, obviamente tendo em conta a representação proporcional. O voto do PS valeria 108 pontos, o do PSD 79 pontos, o do BE 19 pontos, o do PCP 10 pontos, o do CDS 5 pontos, o do PAN 4, o do PEV 2 pontos e os dos DRUP um ponto cada um (Não há em matemática os conjuntos singulares?).
O deputado da Iniciativa Liberal deveria tirar todas as consequências da dignidade do Parlamento e do deputado para exigir a integração de direito e a deputada do Livre deveria ser mais assertiva na defesa da sua posição quando recordou que os novos deputados são “cidadãos escolhidos por milhares de cidadãos”. Ora, se todos os cidadãos são livres e iguais em direitos, também os seus representantes o são, observada a proporcionalidade da representação como antigamente se definia nos problemas de matemática atingentes à regra de companhia.    
A dignificação do Parlamento passa pela dignificação dos deputados pela via dos direitos, deveres, poderes e postura. E aqui entra o comportamento no respeitante a declaração de presença, ausências, viagens, morada, a não duplicação de subsídios, a trabalho político nos círculos por que foram eleitos, a intervenção equitativa em grupos de trabalho, subcomissões, comissões, grupo parlamentar e plenário e a contenção em votos de pesar, de congratulação, de louvor ou de condenação.  
Assim, o Presidente da AR vem apelando ao consenso político no sentido da dignificação da AR pela contenção e qualificação no atinente aos votos, tendo solicitado ao grupo de trabalho de revisão do regimento a introdução de um mecanismo de triagem aos votos que diminua o afluxo destes ao plenário. E Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, apontou que a triagem é uma das possibilidades a estudar, dizendo:
Todos os deputados são livres de apresentarem as iniciativas que entenderem, mas em função de cada matéria essas iniciativas devem baixar às comissões, serem aí votadas, dando-se assim uma maior dignidade ao plenário. Em plenário, os votos devem ser apresentados com consenso dos grupos parlamentares, ou pelo próprio presidente da AR.”.
Por outro lado, como escrevia J. Carlos Vasconcelos na Visão, em 21 de novembro de 2018, a dignificação da AR é condição sine qua non de dignificação e defesa da democracia. E ninguém pode dar maior contributo para ela que o deputado pela seriedade, qualidade e dedicação. “Um deputado que disto não tenha consciência, ou que tendo-a não aja em conformidade, mormente no plano ético, não merece ser deputado e trai a alta responsabilidade de ser representante do povo” no órgão mais simbólico da liberdade e da soberania.
Ora os deputados podem ser desiguais ou por desrespeito de direitos ou por comportamento.
2020.01.08 – Louro de Carvalho

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