Pelo bom senso do Presidente da Assembleia da República
(AR), foi ultrapassado o impasse que se criara na Conferência
de Líderes antes do 1.º debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, já que, por
votação, os deputados únicos representantes de partido não lhe poderiam fazer
perguntas nesses debates parlamentares quinzenais. Ferro Rodrigues ultrapassou
a situação pedindo aos líderes parlamentares que lhes reconhecessem a possibilidade
de fazer perguntas dispondo cada deputado representante único de um partido (DRUP), ou seja, de partido com um só deputado, de um
minuto e meio, tendo o Primeiro-Ministro direito a um minuto e meio para as
respetivas respostas. Por outro lado, o Presidente da AR solicitou que os
deputados procedessem à revisão do regimento no atinente aos poderes, deveres e
direitos dos DRUP, o que está a acontecer com a discussão de projetos entrados
na AR, mas em mais matérias.
Também foi a boa vontade de Ferro Rodrigues que
deu a possibilidade ao Livre de apresentar o projeto de lei de alteração da Lei
da Nacionalidade embora tivesse expirado o prazo definido pela Conferência de Líderes
para a apresentação de projetos de lei referentes a essa matéria.
Agora, pelos votos do PS, PSD e PCP, os DRUP
estão impedidos de participar na Conferência de Líderes nem mesmo com o
estatuto de observador.
Na verdade,
a votação impede o estatuto de observador na conferência de líderes aos
pequenos partidos, que serão, no entanto, ouvidos pelo presidente da AR “quando
o entenda útil”. Porém, têm direito a 5 declarações políticas por ano. Foi isto
anunciado em 12 de dezembro e foi este o resultado das votações indiciárias no
grupo de trabalho sobre o regimento da AR, na véspera de apresentar o seu
trabalho na comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias.
Esta
comissão decidirá, depois, se confirma ou não as votações do grupo de trabalho,
antes de enviar as alterações ao regimento para votação em plenário. PS e PSD
têm uma maioria confortável para as fazer aprovar.
Até agora,
os dois maiores partidos, com a ajuda do PCP, votaram lado a lado para, por
exemplo, chumbar a proposta do Chega de os DURP terem os mesmos direitos dos
grupos parlamentares, que têm de ter o mínimo de dois deputados. Os deputados
do CDS, do Chega e do PAN não estiveram na reunião do grupo de trabalho.
José Manuel
Pureza, do Bloco de Esquerda, tentou ainda ultrapassar o impasse propondo que
fosse dado aos três deputados únicos, de Iniciativa Liberal, Livre e Chega, o
mesmo estatuto na conferência de líderes que foi dado ao PAN na anterior
legislatura (2015-2019). Ou seja, o
estatuto de observador e com direito a intervir quando se tratasse de matérias
em que tenham de “exercer os seus direitos”, na expressão do regimento, que é o
caso do agendamento de iniciativas legislativas para plenário.
João Cotrim
de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, usou o argumento da “dignidade” de os
deputados terem o direito a ter assento na conferência de líderes e aceitou,
logo ali, a sugestão de Pureza. Tanto António Filipe, do PCP, como Pedro
Rodrigues, do PSD, consideraram que deve haver “uma diferenciação” entre grupo
parlamentar e os deputados únicos. E Joacine Katar Moreira, do Livre, assinalou
a “resistência enorme” em alterar o que está em vigor, por parte dos partidos,
e recordou que os novos deputados são “cidadãos escolhidos por milhares de
cidadãos” nas eleições.
Na hora da
votação, a proposta do Chega de dar plenos direitos aos deputados únicos, a
exemplo do que sucede com os grupos parlamentares, foi chumbada pelos votos do
PS, PSD e PCP e registou os votos contra do IL e Livre e a abstenção do Bloco
de Esquerda. A polémica em torno dos tempos e direitos dos deputados únicos
arrasta-se desde o início da sessão legislativa, em 24 de outubro e está para continuar.
***
Tudo isto
leva-me a questionar a propalada igualdade dos deputados – não os há de
primeira e de segunda – com que Ferro Rodrigues respondeu (e bem) ao então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva que
do alto do pilar tronal de Belém insinuava aos deputados “democráticos” de São
Bento que poderiam inviabilizar o programa de governo do PS.
Do meu ponto
de vista, todos os líderes parlamentares e os DRUP deveriam integrar de pleno
direitos a Conferência
de Líderes e ter ali direito à palavra e ao voto, obviamente tendo em conta a
representação proporcional. O voto do PS valeria 108 pontos, o do PSD 79 pontos,
o do BE 19 pontos, o do PCP 10 pontos, o do CDS 5 pontos, o do PAN 4, o do PEV
2 pontos e os dos DRUP um ponto cada um (Não há em matemática os conjuntos singulares?).
O deputado da Iniciativa Liberal deveria tirar
todas as consequências da dignidade do Parlamento e do deputado para exigir a
integração de direito e a deputada do Livre deveria ser mais assertiva na
defesa da sua posição quando recordou que
os novos deputados são “cidadãos escolhidos por milhares de cidadãos”. Ora, se
todos os cidadãos são livres e iguais em direitos, também os seus
representantes o são, observada a proporcionalidade da representação como
antigamente se definia nos problemas de matemática atingentes à regra de
companhia.
A dignificação do Parlamento passa pela dignificação
dos deputados pela via dos direitos, deveres, poderes e postura. E aqui entra o
comportamento no respeitante a declaração de presença, ausências, viagens,
morada, a não duplicação de subsídios, a trabalho político nos círculos por que
foram eleitos, a intervenção equitativa em grupos de trabalho, subcomissões, comissões,
grupo parlamentar e plenário e a contenção em votos de pesar, de congratulação,
de louvor ou de condenação.
Assim, o Presidente da AR vem apelando ao consenso político
no sentido da dignificação da AR pela contenção e qualificação no atinente aos
votos, tendo solicitado ao grupo de trabalho de revisão do regimento a
introdução de um mecanismo de triagem aos votos que diminua o afluxo destes ao
plenário. E Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, apontou que a
triagem é uma das possibilidades a estudar, dizendo:
“Todos os deputados são livres de
apresentarem as iniciativas que entenderem, mas em função de cada matéria essas
iniciativas devem baixar às comissões, serem aí votadas, dando-se assim uma
maior dignidade ao plenário. Em plenário, os votos devem ser apresentados com
consenso dos grupos parlamentares, ou pelo próprio presidente da AR.”.
Por outro
lado, como escrevia J. Carlos Vasconcelos na Visão, em 21 de novembro de 2018, a dignificação da AR é condição sine qua non de dignificação e defesa da
democracia. E ninguém pode dar maior contributo para ela que o deputado pela
seriedade, qualidade e dedicação. “Um deputado que disto não tenha consciência,
ou que tendo-a não aja em conformidade, mormente no plano ético, não merece ser
deputado e trai a alta responsabilidade de ser representante do povo” no órgão mais
simbólico da liberdade e da soberania.
Ora os deputados
podem ser desiguais ou por desrespeito de direitos ou por comportamento.
2020.01.08 – Louro de Carvalho
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