A homilia do
Papa Francisco na Missa da Solenidade da Epifania do Senhor, que se celebrou
neste dia 6 de janeiro no Vaticano, gravita em torno do conceito, da
necessidade e da atitude da adoração na vida cristã, sendo que nos temos de
questionar assiduamente se, de facto, somos “cristãos adoradores”.
Diz o
Pontífice, em consonância com o texto mateano do Evangelho (Mt 2,1-11), que os magos começaram por
confessar perante Herodes a intenção, o objetivo de adorar o Rei dos Judeus.
Com efeito, o objetivo da caminhada daqueles estrangeiros era a adoração, pelo
que, ao verem o menino e a mãe, “prostrando-se, adoraram-no”.
Cabe aqui uma
palavra parentética sobre a postura corporal da adoração. O Papa Bento XVI, na
homilia da Missa de encerramento da JMJ de Colónia, dizia sobre o sentido da
adoração:
“A palavra grega ressoa proskynesis. Significa o gesto da submissão, o
reconhecimento de Deus como a nossa verdadeira medida, cuja norma aceitamos
seguir. Significa que liberdade não quer dizer gozar a vida, considerar-se
absolutamente autónomo, mas orientar-se segundo a medida da verdade e do bem,
para, desta forma, nos tornarmos nós próprios verdadeiros e bons. Este gesto é
necessário, mesmo se a nossa ambição de liberdade num primeiro momento resiste
a esta perspetiva. Fazê-la completamente nossa só será possível na segunda
passagem que a Última Ceia nos apresenta [tomar e comer, tomar e beber, deixar
lavar os pés…]. A palavra latina para adoração é ad-oratio contacto
boca a boca, beijo, abraço e, por conseguinte, fundamentalmente amor. A
submissão torna-se união, porque Aquele ao qual nos submetemos é Amor. Assim,
submissão adquire um sentido, porque não nos impõe coisas alheias, mas
liberta-nos em função da verdade mais íntima do nosso ser.”.
Sendo assim,
adorar pode fazer-se de pé, ajoelhado, prostrado em terra, alçado ao alto. E,
dificilmente deitado ou sentado, a não ser que o adorado esteja ao nosso colo
ou dentro de nós, como na e depois da comunhão sacramental.
Obviamente os
magos não podiam adorar o menino montados nos camelos, tiveram que se apear. E,
como ele estava no colo de sua mãe ou na manjedoura, adoraram-no ajoelhados ou
prostrados em terra (neste
caso, por se reconhecerem indignos de estar ao nível dele), pois, não podiam estar em nível
superior. Por outro lado, como os reis recebiam as saudações sentados no seu
trono, os súbditos veneravam-nos ajoelhando-se ou prostrando-se nunca ficando a
um nível superior. Por isso, ainda hoje se diz que, perante os homens, ficamos
sempre de pé e podemos ajoelhar face a Deus.
Diz o Santo
Padre que, “se perdermos o sentido da adoração, falta-nos o sentido
de marcha da vida cristã, que é um caminho rumo para o Senhor, e não para nós”
e que o risco existe quando temos ao lado “personagens incapazes de adorar”. E
o exemplo do Evangelho é Herodes e a sua corte, sendo que o rei “usa o verbo
‘adorar’, mas de maneira falaciosa”, pois quer que os magos o informem do local
do encontro do Menino para também o ir adorar. Só que Herodes adorava-se apenas
a si mesmo, pelo que tentava livrar-se do menino que lhe surgia como rival. Ora
isto ensina-nos – diz o Pontífice – que “o homem, quando não adora a Deus,
é levado a adorar-se a si mesmo” e que a “vida cristã, sem adorar o
Senhor, pode tornar-se uma forma educada de se louvar a si mesmo e a sua
habilidade”. Na verdade, há cristãos que “não sabem adorar”, não rezam
adorando; servem-se de Deus em vez de servirem a Deus, trocam os interesses do
Evangelho pelos seus, revestem de religiosidade o que lhes convém, confundem o
poder, que é servir os outros, com o poder, que é servir-se a si mesmo.
Também os
sumos sacerdotes e os escribas do povo, que indicam com precisão a Herodes o
local onde nasceria o Messias, pois conhecem as profecias, mas não vão adorar o
Messias.
E daqui
Francisco infere:
“Na
vida cristã, não basta saber. Sem sair de si mesmo, sem ir ao encontro de Deus,
sem O adorar, não O conhecemos. De pouco ou nada servem a teologia e a ação
pastoral, se não se dobram os joelhos; se não se faz como os magos, que não se
limitaram a ser sábios organizadores duma viagem, mas caminharam e adoraram.
Quando se adora, apercebemo-nos de que a fé não se reduz a um belo conjunto de
doutrinas, mas é a relação com uma Pessoa viva, que devemos amar.”.
Ora, adorar,
segundo Bergoglio, é permanecer face a face com Jesus, conhecendo e
contemplando o seu rosto. E o Santo padre diz cumulativamente:
Adorar é “fazer
o êxodo” da escravidão de si; é “colocar o Senhor no centro”; é “predispor as
coisas na sua justa ordem, reservando o primeiro lugar para Deus”; é “antepor
os planos de Deus” ao nosso tempo, direitos, espaços; é aceitar o ensinamento
da Escritura: ‘Ao Senhor, teu Deus, adorarás’; é “sentir que nos pertencemos
mutuamente, eu e Deus”; é tratá-Lo por ‘Tu’ na intimidade e “depor a
seus pés a nossa vida, permitindo-Lhe entrar nela”; é fazer descer sobre o
mundo a sua consolação; é descobrir que basta dizer ‘Meu Senhor e meu Deus’ e
deixar-se invadir pela sua ternura; é ir ter com Jesus com o único pedido de
estar com Ele; é “descobrir que a alegria e a paz crescem com o louvor e a ação
de graças”; é “permitir a Jesus que nos cure e transforme”; é “dar-Lhe a
possibilidade de nos transformar com o seu amor, iluminar as nossas trevas,
dar-nos força na fraqueza e coragem nas provações”; é ir ao essencial: ‘o
caminho para se desintoxicar de tantas coisas inúteis, de dependências que
anestesiam o coração e estonteiam a mente’; é aprender a rejeitar o que não
deve ser adorado: ‘o deus dinheiro, o deus consumo, o deus prazer, o deus
sucesso, o nosso eu arvorado em deus’;
é “fazer-se pequenino na presença do Altíssimo”; é descobrir que a grandeza da
vida não consiste em ter, mas em amar; é “descobrirmo-nos como irmãos e irmãs
face ao mistério do amor que ultrapassa todas as distâncias”; é “beber o bem na
fonte”; é encontrar no Deus próximo a coragem de nos aproximarmos dos outros; é
saber calar face do Verbo divino, para aprender a dizer palavras que consolem; é
“um gesto de amor que muda a vida”; é fazer como os Magos: levar-Lhe o ouro,
para Lhe dizer que nada é mais precioso do que Ele, oferecer-Lhe o incenso,
para Lhe dizer que só com Ele se eleva para o alto a nossa vida, apresentar-Lhe
a mirra (com ela se
ungiam os corpos feridos e dilacerados) “como promessa a Jesus de que socorreremos o próximo
marginalizado e sofredor, porque nele está o Senhor”.
Se soubermos
ajoelhar diante de Jesus, venceremos a tentação de olhar apenas aos nossos
interesses. Ao adorá-Lo, descobrimos que a vida cristã é uma história de amor
com Deus, onde não basta ter boas ideias sobre Ele, mas é preciso colocá-Lo em
primeiro lugar, como faz um namorado com a amada e como deve ser a Igreja: “a
adoradora enamorada de Jesus, seu esposo”.
É preciso
redescobrir a adoração como exigência da fé. Ao rezar, sabemos pedir e
agradecer ao Senhor; mas a Igreja deve progredir ainda na oração de adoração; “devemos
crescer na adoração”, pois ela é uma ciência que temos de aprender todos os
dias: rezar adorando.
Cabe-nos a
nós, como Igreja, colocar em prática as palavras que acabamos de rezar no
Salmo: ‘Adorar-Vos-ão, Senhor, todos os povos da terra’. Na verdade, adorando
em qualquer lugar, mas em espírito e verdade – sós ou acompanhados (somos pessoas e comunidade) – descobriremos, como os Magos, “a
direção certa do nosso caminho” e, como eles, sentiremos “imensa alegria”.
2020.01.06 –
Louro de Carvalho
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