Quem
o diz é João Pedro Tavares, presidente da
ACEGE (Associação
Cristã de Empresários e Gestores), que deu
entrevista à Ecclesia e à Renascença, publicada a 10 de janeiro.
Na
mira do encontro de jovens economistas convocado por Francisco para março em
Assis, fala sobre o que julga deverem ser as prioridades do Orçamento – o aumento do salário mínimo, a necessidade de uma
cultura de pagamento pontual e a conciliação família-trabalho e garante que “todas as políticas
que defendam a dignidade das pessoas e das famílias terão o nosso apoio”.
Diz que a ACEGE acha que o OE2020 “é um orçamento de
continuidade, de gestão corrente, em que o Governo, como na legislatura
anterior, tem compromissos assumidos com múltiplos partidos para conseguir o
equilíbrio parlamentar que lhe possibilita a aprovação”, quando “o país, para
crescer a outros níveis, “precisa de uma reconfiguração”, que não existe ali.
Não obstante, vê algo de positivo, embora com
limitações. E explica:
“A economia
portuguesa cresceu acima da média europeia, porque algumas grandes economias não
cresceram aos mesmos níveis. (…) Portugal converge com a Europa, mas diverge,
em termos de crescimento económico, no seu campeonato, não fica classificado
nos primeiros lugares. E isto numa situação económica absolutamente única e
excecional, porque estamos a viver climas de incerteza grandes, absolutamente
imprevistos, como a guerra Irão-Iraque-Estados Unidos, a incerteza sobre o preço
do petróleo, que impacta muito na economia portuguesa.”.
Embora o país tenha vindo a consolidar-se, haja um
equilíbrio de contas públicas e seja uma boa notícia o excedente orçamental,
regista-se que isto se consegue “à custa de um agravamento da carga fiscal como
um todo”. Ora, é importante que as empresas não estejam estranguladas pela pesada
carga fiscal, que tira competitividade à economia e às próprias empresas, às
quais tira “alguma atratividade”. E menciona o caso da Irlanda, que “tem uma
carga fiscal muito atrativa e compete com Portugal”, para dizer que a pesada carga
fiscal retira às empresas “capacidade de investimento” e às famílias “capacidade
de poupança e até de crescimento no consumo”. Assim, apesar de haver dados
positivos, há aspetos que “carecem de uma mudança significativa”.
Questionado sobre a aposta
nos impostos “bonzinhos”, como os que incidem sobre os produtos alimentares
prejudiciais à saúde, através do IVA, explica-se:
“Eu entendo esta linha, como entendo o
imposto especial sobre plásticos, que foi aplicado há uns anos. Entendo, mas é
sempre uma recolha de impostos. Mais importante do que recolher estes impostos
seria saber de que forma é que eles estão a ser aplicados. Há um conjunto de
impostos na sociedade que deviam ter aplicações diretas, e devia ser
absolutamente transparente a forma como os governos (…) o fazem.”.
Dizer que o imposto sobre os plásticos vai ser
aplicado por uma economia mais verde implicava dar a perceber “de que forma é
que eles são aplicados para a reconfiguração de economia, para a promoção de um
país mais verde, para uma maior sustentabilidade”.
***
Interpelado na qualidade de
empresário e gestor sobre o aumento do salário mínimo, tantas vezes içado como
bandeira política, considera que “todas as políticas
que defendam a dignidade das pessoas e das famílias” têm o apoio da ACEGE. E
especifica:
“Se o aumento do salário mínimo visa
defender a família e as pessoas, se vai conduzir a mais empregos, com vínculos
contratuais mais fortes, para uma maior sustentabilidade, a todos os níveis,
tem todo o nosso apoio. Um aumento, obviamente, para valores razoáveis. É muito
fácil, sem compromissos, fazer pedidos de salários mínimos de 850 euros.”.
Retém que o aumento foi razoável, é o possível, recebeu uma aceitação
generalizada e duplicou nos últimos 20 anos (estava em 300 € em 2000, e está nos
653 euros agora). E, sendo
que uma economia a crescer, a ser
competitiva, interessante e apelativa, não se baseia em salários mínimos, aduz:
“Quando digo que a economia portuguesa
precisa de uma reconfiguração, é a segunda economia da Europa onde o salário
médio e o salário mínimo são muito parecidos”.
E, a seguir, põe o dedo na ferida – a generalização do
salário mínimo em Portugal –, vincando:
“Quando um em cada cinco portugueses recebe
salário mínimo, e 1,2 milhões de famílias recebe menos de 1000 euros por mês
para se sustentar, o desafio não é o salário mínimo, de alguma maneira, porque
esse não está substancialmente diferente do salário mínimo europeu. O que
acontece é que na Europa em geral o salário mínimo é aplicado para determinadas
franjas da sociedade, e aqui em Portugal tem uma aplicação generalizada.
Portanto, tem de haver uma aposta de longo prazo na educação, tem de haver uma
reconfiguração do tecido económico. As pessoas têm que sair da situação de
salário mínimo.”.
Verificando que mesmo os
portugueses mais qualificados, como os jovens, recebem o salário mínimo
comenta:
“Vimos muitas empresas deslocalizarem os
seus back office para Portugal, porque Portugal é muito
atrativo a esse nível, mas com esta subida do salário mínimo já vieram avisar
que provavelmente têm de repensar as suas estratégias. Mas são empresas com
mais de 10 mil pessoas. Portanto, há aqui uma retenção de capital muito
importante, mas não é esta que queremos. Nós gostaríamos que a mão de obra
fosse valorizada de outra forma.”.
Na verdade, como refere, “a introdução destas pessoas com salários mínimos
também tem um impacto ao nível de produtividade”, que tem múltiplas variáveis,
nomeadamente o que a pessoa de facto produz, o número de horas de trabalho (“e em
Portugal é significativamente mais elevado que a média europeia, esse é um
aspeto”). Ou seja, trabalha-se mais e
produz-se menos. Está visto que o salário adequado incentiva a produtividade.
Por isso, sugere:
“Temos de aumentar a produtividade, dar
condições para que as empresas invistam mais, para que o capital como um todo –
que é o investimento nas empresas, os seus ativos e, retirando as depreciações,
a produtividade – cresça, e para que a economia dessa maneira se renove. (…) Temos
de reconfigurar a economia portuguesa significativamente, e uma pergunta que
deixo é: ‘Quem pensa a longo prazo em Portugal?’ E outra: ‘Será que nós somos
tudo aquilo que poderíamos ser, ou não?’ O que é que poderíamos ser de
diferentes?”.
Considera má notícia “Estado que arrecada em tudo e
que acaba por ser um pouco opressivo”, pois é “omnipresente e tem uma carga
fiscal absolutamente superior a outros países europeus”.
***
Quanto aos propalados
pagamentos com atraso por parte do Estado ou por parte das empresas, disse ter
havido mudanças em consequência da iniciativa ‘Compromisso Pagamento Pontual’, que não
é exclusivamente da ACEGE; é também da CIP e da APIFARMA e do IAPME e a que
aderiram “mais de mil e 200 empresas, incluindo organismos públicos,
instituições, câmaras”. Assim, “houve uma ligeira melhoria nos prazos de
pagamento”, sendo que “as empresas que menos cumprem são as maiores”, mas “houve
um agravamento significativo do lado do Estado, da administração central” (sobretudo
no setor da saúde), pois as
câmaras, “a partir do momento em que também fazem a sua coleta de impostos
locais, hoje em dia têm prazos de pagamento muito atrativos e são cumpridoras”.
Aduz que um estudo comprovou que “uma pioria de 12
dias, no prazo de pagamentos, conduziria a uma perda de 17 mil postos de trabalho”.
E infere que os empresários e gestores não são apenas responsáveis pelas suas
empresas, mas por toda uma cadeia de valor. Empresários e gestores, líderes da
própria Administração Pública, que – ao não cumprir – levam empresas à falência
e à perda de postos de trabalho, por aí em diante”.
Por isso, advoga uma mudança de mentalidade, de
cultura, de atitude, o que envolve uma questão ética. E adianta:
“Perante um problema de tesouraria, o que é
que tenho de fazer? Devo priorizar o tipo de decisões que vou ter. Situações em
que vou ter de despedir pessoas, por exemplo, reduzir a carga laboral, tenho de
fazer ajustes… Mas há aqui também um tema de caráter e de ética, ou de falta de
ética. Sem dúvida, tem de ser dito desta forma, que é pouco simpático, mas tem
de ser assumido: este é um problema, este é um dos atrasos da Economia
portuguesa face à Europa. Os nossos prazos de pagamento, os atrasos, são o
dobro da média europeia, o dobro. Devíamos envergonhar-nos com este dado.”.
***
Em relação à articulação do trabalho profissional com
a vida familiar, diz que um estudo feito com a CIP e a Universidade Nova aponta
para a necessidade da “mudança de mentalidades, de cultura, de cultura de
liderança e na forma como se olha para a família, que é um parente menor”,
surgindo “a penalização significativa da mulher, do seu papel na família e na
empresa”. E “inexplicavelmente há homens que não aceitam que as mulheres ganhem
o mesmo e que trabalhem no mesmo posto de trabalho; e mulheres que aceitam que
existam estas diferenças”. Porém, considera que “as novas gerações elegeram a
importância da harmonia família-trabalho” – põe-se família antes do trabalho –
como o segundo tema mais relevante das suas escolhas profissionais. Aduz que se
chegou a tal conclusão através de inquéritos feitos aos jovens. E diz:
“Eles querem a defesa da dignidade no
trabalho, o desenvolvimento de oportunidades de crescimento, pessoal e
profissional, e o equilíbrio família-trabalho é logo considerado como o segundo
aspeto mais relevante”.
Depois, menciona um estudo feito pela Fundação Mais Família, que anotou haver
uma perda de talento, de 20%, quando “todas as universidades dizem que o
talento vai ser o fator diferenciador no futuro, não vai ser a tecnologia”. E “70%
da perda deste talento são pessoas que não querem ou não podem assumir novas
responsabilidades”.
Também é referido que muita dessa perda de talento
resulta desta falta de conciliação
família-trabalho, sendo que “70% destas pessoas são mulheres, que não
querem ou não podem assumir novas responsabilidades devido a uma sobrecarga
familiar com descendentes ou ascendentes”. Assim, “estamos perante um desafio
grande relativamente ao papel da mulher e ao tipo de oportunidades, à igualdade”.
É neste contexto que surge o inverno demográfico, o número de divórcios (com uma das
taxas mais altas na Europa), burnouts, esgotamentos, stresse
profissional – por via do número de horas que as pessoas trabalham e com as
horas que gastam para se deslocarem para o trabalho e regressarem para casa. E,
ganhando pouco, têm necessidade de compor o vencimento, fazendo horas
extraordinárias noutros sítios.
***
Por fim, aborda o encontro
da Economia de Francisco, a de Francisco de Assis, como ínsita numa das responsabilidades de líder cristão empresarial
espelhada na promoção do bem comum, na defesa da dignidade da pessoa, na
cultura de solidariedade e de subsidiariedade e na defesa da casa comum, como
um todo – o que implica “olhar para a empresa como uma comunidade, que cria e
distribui valor, de forma justa; e olhar para as pessoas no centro da
organização”.
E sobre o evento provocado pelo Papa em consonância
com a DSI (Doutrina Social da Igreja), diz:
“Desafia os jovens em Assis, entre eles 50
de Portugal, para falar da Economia de Francisco – não do Papa, mas de São
Francisco de Assis: como é que este santo, do século XII, quis mostrar ao seu
pai, um comerciante de tapetes, mercantilista, liberal, capitalista – e não tem
mal em sê-lo, em parte –, de que forma se podia romper com o sistema e recriar
algo de absolutamente distinto, de opção pelos mais pobres, de erradicação da
pobreza.”.
Confia que as coisas
mudarão com o despertar das consciências e com a mobilização dos mais seniores,
promovendo a riqueza intergeracional, a inclusão e um fermento de maior justiça
e equidade. A preparação que mobiliza
mais universidades nomeadamente a AESE, a UCP e a Universidade Nova despertou o
interesse a disponibilidade dos jovens, que querem um mundo mais justo e mais
inclusivo. Vão ter “enormíssimos desafios no mundo do trabalho, no mundo
digital, no mundo da família”, mas serão “uma lufada de ar fresco” num mundo
materialista.
***
Depois de ler a entrevista e de a reler, pergunto-me se
o Ministro Santos Silva não tinha razão ao denunciar a fraquíssima capacidade
de gestão no nosso tecido empresarial, embora ressalvando, como se pode ver pela
entrevista, que a generalização é má conselheira.
2020.01.11 – Louro de Carvalho
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