sábado, 11 de janeiro de 2020

Jovens economistas querem um mundo mais justo e mais inclusivo


Quem o diz é João Pedro Tavares, presidente da ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores), que deu entrevista à Ecclesia e à Renascença, publicada a 10 de janeiro.
Na mira do encontro de jovens economistas convocado por Francisco para março em Assis, fala sobre o que julga deverem ser as prioridades do Orçamento – o aumento do salário mínimo, a necessidade de uma cultura de pagamento pontual e a conciliação família-trabalho e garante que “todas as políticas que defendam a dignidade das pessoas e das famílias terão o nosso apoio”.
Diz que a ACEGE acha que o OE2020 “é um orçamento de continuidade, de gestão corrente, em que o Governo, como na legislatura anterior, tem compromissos assumidos com múltiplos partidos para conseguir o equilíbrio parlamentar que lhe possibilita a aprovação”, quando “o país, para crescer a outros níveis, “precisa de uma reconfiguração”, que não existe ali.
Não obstante, vê algo de positivo, embora com limitações. E explica:
A economia portuguesa cresceu acima da média europeia, porque algumas grandes economias não cresceram aos mesmos níveis. (…) Portugal converge com a Europa, mas diverge, em termos de crescimento económico, no seu campeonato, não fica classificado nos primeiros lugares. E isto numa situação económica absolutamente única e excecional, porque estamos a viver climas de incerteza grandes, absolutamente imprevistos, como a guerra Irão-Iraque-Estados Unidos, a incerteza sobre o preço do petróleo, que impacta muito na economia portuguesa.”.
Embora o país tenha vindo a consolidar-se, haja um equilíbrio de contas públicas e seja uma boa notícia o excedente orçamental, regista-se que isto se consegue “à custa de um agravamento da carga fiscal como um todo”. Ora, é importante que as empresas não estejam estranguladas pela pesada carga fiscal, que tira competitividade à economia e às próprias empresas, às quais tira “alguma atratividade”. E menciona o caso da Irlanda, que “tem uma carga fiscal muito atrativa e compete com Portugal”, para dizer que a pesada carga fiscal retira às empresas “capacidade de investimento” e às famílias “capacidade de poupança e até de crescimento no consumo”. Assim, apesar de haver dados positivos, há aspetos que “carecem de uma mudança significativa”.
Questionado sobre a aposta nos impostos “bonzinhos”, como os que incidem sobre os produtos alimentares prejudiciais à saúde, através do IVA, explica-se:
Eu entendo esta linha, como entendo o imposto especial sobre plásticos, que foi aplicado há uns anos. Entendo, mas é sempre uma recolha de impostos. Mais importante do que recolher estes impostos seria saber de que forma é que eles estão a ser aplicados. Há um conjunto de impostos na sociedade que deviam ter aplicações diretas, e devia ser absolutamente transparente a forma como os governos (…) o fazem.”.
Dizer que o imposto sobre os plásticos vai ser aplicado por uma economia mais verde implicava dar a perceber “de que forma é que eles são aplicados para a reconfiguração de economia, para a promoção de um país mais verde, para uma maior sustentabilidade”.
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Interpelado na qualidade de empresário e gestor sobre o aumento do salário mínimo, tantas vezes içado como bandeira política, considera que “todas as políticas que defendam a dignidade das pessoas e das famílias” têm o apoio da ACEGE. E especifica:
Se o aumento do salário mínimo visa defender a família e as pessoas, se vai conduzir a mais empregos, com vínculos contratuais mais fortes, para uma maior sustentabilidade, a todos os níveis, tem todo o nosso apoio. Um aumento, obviamente, para valores razoáveis. É muito fácil, sem compromissos, fazer pedidos de salários mínimos de 850 euros.”.
Retém que o aumento foi razoável, é o possível, recebeu uma aceitação generalizada e duplicou nos últimos 20 anos (estava em 300 € em 2000, e está nos 653 euros agora). E, sendo que uma economia a crescer, a ser competitiva, interessante e apelativa, não se baseia em salários mínimos, aduz:
Quando digo que a economia portuguesa precisa de uma reconfiguração, é a segunda economia da Europa onde o salário médio e o salário mínimo são muito parecidos”.
E, a seguir, põe o dedo na ferida – a generalização do salário mínimo em Portugal –, vincando:
Quando um em cada cinco portugueses recebe salário mínimo, e 1,2 milhões de famílias recebe menos de 1000 euros por mês para se sustentar, o desafio não é o salário mínimo, de alguma maneira, porque esse não está substancialmente diferente do salário mínimo europeu. O que acontece é que na Europa em geral o salário mínimo é aplicado para determinadas franjas da sociedade, e aqui em Portugal tem uma aplicação generalizada. Portanto, tem de haver uma aposta de longo prazo na educação, tem de haver uma reconfiguração do tecido económico. As pessoas têm que sair da situação de salário mínimo.”.
Verificando que mesmo os portugueses mais qualificados, como os jovens, recebem o salário mínimo comenta:
Vimos muitas empresas deslocalizarem os seus back office para Portugal, porque Portugal é muito atrativo a esse nível, mas com esta subida do salário mínimo já vieram avisar que provavelmente têm de repensar as suas estratégias. Mas são empresas com mais de 10 mil pessoas. Portanto, há aqui uma retenção de capital muito importante, mas não é esta que queremos. Nós gostaríamos que a mão de obra fosse valorizada de outra forma.”.
Na verdade, como refere, “a introdução destas pessoas com salários mínimos também tem um impacto ao nível de produtividade”, que tem múltiplas variáveis, nomeadamente o que a pessoa de facto produz, o número de horas de trabalho (“e em Portugal é significativamente mais elevado que a média europeia, esse é um aspeto”). Ou seja, trabalha-se mais e produz-se menos. Está visto que o salário adequado incentiva a produtividade. Por isso, sugere:
Temos de aumentar a produtividade, dar condições para que as empresas invistam mais, para que o capital como um todo – que é o investimento nas empresas, os seus ativos e, retirando as depreciações, a produtividade – cresça, e para que a economia dessa maneira se renove. (…) Temos de reconfigurar a economia portuguesa significativamente, e uma pergunta que deixo é: ‘Quem pensa a longo prazo em Portugal?’ E outra: ‘Será que nós somos tudo aquilo que poderíamos ser, ou não?’ O que é que poderíamos ser de diferentes?”.
Considera má notícia “Estado que arrecada em tudo e que acaba por ser um pouco opressivo”, pois é “omnipresente e tem uma carga fiscal absolutamente superior a outros países europeus”.
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Quanto aos propalados pagamentos com atraso por parte do Estado ou por parte das empresas, disse ter havido mudanças em consequência da iniciativa ‘Compromisso Pagamento Pontual’, que não é exclusivamente da ACEGE; é também da CIP e da APIFARMA e do IAPME e a que aderiram “mais de mil e 200 empresas, incluindo organismos públicos, instituições, câmaras”. Assim, “houve uma ligeira melhoria nos prazos de pagamento”, sendo que “as empresas que menos cumprem são as maiores”, mas “houve um agravamento significativo do lado do Estado, da administração central” (sobretudo no setor da saúde), pois as câmaras, “a partir do momento em que também fazem a sua coleta de impostos locais, hoje em dia têm prazos de pagamento muito atrativos e são cumpridoras”.
Aduz que um estudo comprovou que “uma pioria de 12 dias, no prazo de pagamentos, conduziria a uma perda de 17 mil postos de trabalho”. E infere que os empresários e gestores não são apenas responsáveis pelas suas empresas, mas por toda uma cadeia de valor. Empresários e gestores, líderes da própria Administração Pública, que – ao não cumprir – levam empresas à falência e à perda de postos de trabalho, por aí em diante”.
Por isso, advoga uma mudança de mentalidade, de cultura, de atitude, o que envolve uma questão ética. E adianta:
Perante um problema de tesouraria, o que é que tenho de fazer? Devo priorizar o tipo de decisões que vou ter. Situações em que vou ter de despedir pessoas, por exemplo, reduzir a carga laboral, tenho de fazer ajustes… Mas há aqui também um tema de caráter e de ética, ou de falta de ética. Sem dúvida, tem de ser dito desta forma, que é pouco simpático, mas tem de ser assumido: este é um problema, este é um dos atrasos da Economia portuguesa face à Europa. Os nossos prazos de pagamento, os atrasos, são o dobro da média europeia, o dobro. Devíamos envergonhar-nos com este dado.”.
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Em relação à articulação do trabalho profissional com a vida familiar, diz que um estudo feito com a CIP e a Universidade Nova aponta para a necessidade da “mudança de mentalidades, de cultura, de cultura de liderança e na forma como se olha para a família, que é um parente menor”, surgindo “a penalização significativa da mulher, do seu papel na família e na empresa”. E “inexplicavelmente há homens que não aceitam que as mulheres ganhem o mesmo e que trabalhem no mesmo posto de trabalho; e mulheres que aceitam que existam estas diferenças”. Porém, considera que “as novas gerações elegeram a importância da harmonia família-trabalho” – põe-se família antes do trabalho – como o segundo tema mais relevante das suas escolhas profissionais. Aduz que se chegou a tal conclusão através de inquéritos feitos aos jovens. E diz:
Eles querem a defesa da dignidade no trabalho, o desenvolvimento de oportunidades de crescimento, pessoal e profissional, e o equilíbrio família-trabalho é logo considerado como o segundo aspeto mais relevante”.
Depois, menciona um estudo feito pela Fundação Mais Família, que anotou haver uma perda de talento, de 20%, quando “todas as universidades dizem que o talento vai ser o fator diferenciador no futuro, não vai ser a tecnologia”. E “70% da perda deste talento são pessoas que não querem ou não podem assumir novas responsabilidades”.
Também é referido que muita dessa perda de talento resulta desta falta de conciliação família-trabalho, sendo que “70% destas pessoas são mulheres, que não querem ou não podem assumir novas responsabilidades devido a uma sobrecarga familiar com descendentes ou ascendentes”. Assim, “estamos perante um desafio grande relativamente ao papel da mulher e ao tipo de oportunidades, à igualdade”.
É neste contexto que surge o inverno demográfico, o número de divórcios (com uma das taxas mais altas na Europa), burnouts, esgotamentos, stresse profissional – por via do número de horas que as pessoas trabalham e com as horas que gastam para se deslocarem para o trabalho e regressarem para casa. E, ganhando pouco, têm necessidade de compor o vencimento, fazendo horas extraordinárias noutros sítios.
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Por fim, aborda o encontro da Economia de Francisco, a de Francisco de Assis, como ínsita numa das responsabilidades de líder cristão empresarial espelhada na promoção do bem comum, na defesa da dignidade da pessoa, na cultura de solidariedade e de subsidiariedade e na defesa da casa comum, como um todo – o que implica “olhar para a empresa como uma comunidade, que cria e distribui valor, de forma justa; e olhar para as pessoas no centro da organização”.
E sobre o evento provocado pelo Papa em consonância com a DSI (Doutrina Social da Igreja), diz:
Desafia os jovens em Assis, entre eles 50 de Portugal, para falar da Economia de Francisco – não do Papa, mas de São Francisco de Assis: como é que este santo, do século XII, quis mostrar ao seu pai, um comerciante de tapetes, mercantilista, liberal, capitalista – e não tem mal em sê-lo, em parte –, de que forma se podia romper com o sistema e recriar algo de absolutamente distinto, de opção pelos mais pobres, de erradicação da pobreza.”.
Confia que as coisas mudarão com o despertar das consciências e com a mobilização dos mais seniores, promovendo a riqueza intergeracional, a inclusão e um fermento de maior justiça e equidade. A preparação que mobiliza mais universidades nomeadamente a AESE, a UCP e a Universidade Nova despertou o interesse a disponibilidade dos jovens, que querem um mundo mais justo e mais inclusivo. Vão ter “enormíssimos desafios no mundo do trabalho, no mundo digital, no mundo da família”, mas serão “uma lufada de ar fresco” num mundo materialista.
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Depois de ler a entrevista e de a reler, pergunto-me se o Ministro Santos Silva não tinha razão ao denunciar a fraquíssima capacidade de gestão no nosso tecido empresarial, embora ressalvando, como se pode ver pela entrevista, que a generalização é má conselheira.
2020.01.11 – Louro de Carvalho

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