No próximo dia 4 de fevereiro, perfaz um ano
sobre a assinatura do Documento sobre fraternidade humana em prol da paz
mundial e da convivência comum, em Abu Dabhi, por parte
do Papa Francisco e do Grão Imame de Al-Azhar, Ahhmed Al-Tayyeb, no contexto da
viagem apostólica do Pontífice aos Emiratos Árabes Unidos (3 a 5 de
fevereiro de 2019).
No primeiro
aniversário da assinatura do importante texto, a Civiltà Cattolica publicará um novo volume da série digital “Accenti” dedicada a esse tema, com
Prefácio do Cardeal Miguel Angel Ayuso Guixot, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo
Inter-Religioso e também presidente do Alto
Comité para a Fraternidade Humana, criado para implementar os objetivos do
Documento, e que frisa que o Documento
vem na esteira do
Concílio Vaticano II.
O texto do Documento
constitui-se como instrumento
para a compreensão mais profunda e pessoal do que aconteceu em Abu Dhabi, a 4
de fevereiro de 2019, e da fraternidade como um caminho concreto e poderoso
“desafio ao apocalipse”. Não se trata duma fraternidade entendida como simples “aspiração
abstrata e consoladora”, mas como “um critério eficaz e praticável de
coexistência e, portanto, um critério político urgente”. É nestes termos
que La Civiltà Cattolica apresenta o novo volume da série
digital “Accenti”, curada pelos padres jesuítas e desenvolvida em torno de
palavras-chave inspiradas na atualidade.
O volume com
o Prefácio de Guixot distribui-se por 5 secções e especifica algumas formas de
atingir os objetivos do Documento sobre
fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, na linha
do que estabelece o pequeno Prefácio
que antecede e enquadra o Documento,
como exigência da fé do crente (cristão e muçulmano) “a ver no outro
um irmão que se deve apoiar e amar” em resultado da confissão da “fé em Deus,
que criou o universo, as criaturas e todos os seres humanos – iguais pela Sua
Misericórdia” –, fé que, por vocação, o crente expressa nesta fraternidade
humana, que postula a coexistência pacífica e a sã convivência, alçadas hoje a poderoso
critério político urgente, “salvaguardando a criação e todo o universo e
apoiando todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres” – um
dado que decorre da essência das religiões.
Abu Dhabi
foi, segundo o Vatican News, “um
momento significativo no caminho do diálogo inter-religioso” e “uma nova janela
aberta para dar horizontes mais aprofundados ao caminho do diálogo” rumo à
prossecução “no caminho da fraternidade, da paz e da convivência comum”. E
isto, como assegura o Prefácio do Cardeal Guixot dimana do percurso iniciado
com o Vaticano II, designadamente com as Declarações Conciliares Nostra
Aetate, sobre a Igreja e as Religiões Não Cristãs, e Dignitatis
Humanae, sobre a Liberdade Religiosa, e ampliado com iniciativas como o Dia Mundial de Oração pela Paz em Assis
e o Dia da Reflexão, diálogo e oração
pela paz e justiça no mundo “Peregrinos da verdade, peregrinos da paz” (desejados
por São João Paulo II e Bento XVI), entre
outras. Assim, o purpurado assinala que “o compromisso da Igreja Católica com o
diálogo inter-religioso que abre caminho à paz e à fraternidade, faz parte de
sua missão original e tem suas raízes no evento conciliar”.
E todo o
documento em referência – nascido de reflexão conjunta nos âmbitos muçulmano e
católico, mas compartilhado por outros – é permeado pela convicção de que “juntos
podemos e devemos trabalhar com coragem e fé para recuperar a esperança de um
novo futuro para a humanidade”, ou seja, juntos podemos construir um
novo futuro. Trata-se, pois, como escreve o Cardeal, de um texto empenhativo,
um “ponto sem retorno” que exige de todo homem e mulher reflexão,
estudo e esforço de difusão.
E Guixot
salienta que o Papa, na sua recente viagem à Tailândia e ao Japão, quis dar uma
cópia da Declaração de Abu Dhabi ao Patriarca Supremo dos Budistas, no Templo
Wat Ratchabophit Sathit Maha Simaran em Bangcoque, com o desejo de poder
contribuir “para a formação de uma cultura de compaixão, de fraternidade e de
encontro, tanto aqui como em outras partes do mundo” (Visita ao
Patriarca Supremo de Budistas, Bangcoque, 21 de novembro de 2019). E sobre a “cultura da compaixão”, Francisco “insistiu
igualmente nos encontros no Japão”, recorda o Cardeal.
E o Prefácio
de Guixot conclui que o texto da Declaração de Abu Dhabi está a progredir cada
vez mais, também para lá das relações entre cristãos e muçulmanos” abraçando “todos
aqueles que acreditam que Deus nos criou para nos conhecermos, para cooperarmos
entre nós e vivermos como irmãos que se amam” (e citou o texto do Documento).
Recorde-se
que os insignes subscritores do Documento
em referência dizem que, partindo do valor transcendente da fé e da
misericórdia, “em vários encontros dominados por uma atmosfera de fraternidade
e amizade”, compartilharam “as alegrias, as tristezas e os problemas do mundo
contemporâneo, a nível do progresso científico e técnico, das conquistas
terapêuticas, da era digital, dos mass-media, das comunicações”; e,
“a nível da pobreza, das guerras e das aflições de tantos irmãos e irmãs em
diferentes partes do mundo, por causa da corrida às armas, das injustiças
sociais, da corrupção, das desigualdades, da degradação moral, do terrorismo,
da discriminação, do extremismo e de muitos outros motivos”. E foi “de tais
fraternas e sinceras acareações” e “do encontro cheio de esperança num futuro
luminoso para todos os seres humanos, que nasceu a ideia do Documento sobre
a Fraternidade Humana”, documento pensado com sinceridade e
seriedade “para ser uma declaração conjunta de boas e leais vontades, capaz de
convidar todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade
humana, a unirem-se e trabalharem em conjunto”, de modo que seja para as
novas gerações “um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na compreensão da
grande graça divina que torna irmãos todos os seres humanos”.
Assim,
os insignes subscritores da declaração conjunta almejavam que ela seja: um “convite
à reconciliação e à fraternidade entre todos os crentes”, mas também “entre os
crentes e os não crentes e entre todas as pessoas de boa vontade”; um “apelo a
toda a consciência viva, que repudia a violência aberrante e o extremismo cego”;
um “apelo a quem ama os valores da tolerância e da fraternidade, promovidos e
encorajados pelas religiões; um “testemunho da grandeza da fé em Deus, que une
os corações divididos e eleva a alma humana”; um “símbolo do abraço entre o
Oriente e o Ocidente, entre o Norte e o Sul e entre todos os que acreditam que
Deus nos criou para nos conhecermos, cooperarmos entre nós e vivermos como
irmãos que se amam”. Enfim, esperavam e esperam e tentaram e tentam realizar
tudo isto com vista a “uma paz universal de que gozem todos os homens nesta
vida”.
Ante
estes esforços, pergunto-me como ocorrem factos de que dão conta as redes
sociais que atestam a intolerância de escolas, comunidades muçulmanas e, em
especial, da Arábia Saudita.
Não obstante,
não pode haver qualquer dúvida de que a fraternidade é um corolário da vivência
da fé cristã de modo que todos e cada um possam clamar “Pai Nosso que estás nos Céus”.
2020.01.14 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário