terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A Fraternidade Humana como critério político urgente


No próximo dia 4 de fevereiro, perfaz um ano sobre a assinatura do Documento sobre fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, em Abu Dabhi, por parte do Papa Francisco e do Grão Imame de Al-Azhar, Ahhmed Al-Tayyeb, no contexto da viagem apostólica do Pontífice aos Emiratos Árabes Unidos (3 a 5 de fevereiro de 2019).
No primeiro aniversário da assinatura do importante texto, a Civiltà Cattolica publicará um novo volume da série digital “Accenti” dedicada a esse tema, com Prefácio do Cardeal Miguel Angel Ayuso Guixot, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e também presidente do Alto Comité para a Fraternidade Humana, criado para implementar os objetivos do Documento, e que frisa que o Documento vem na esteira do Concílio Vaticano II.
O texto do Documento constitui-se como instrumento para a compreensão mais profunda e pessoal do que aconteceu em Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019, e da fraternidade como um caminho concreto e poderoso “desafio ao apocalipse”. Não se trata duma fraternidade entendida como simples “aspiração abstrata e consoladora”, mas como “um critério eficaz e praticável de coexistência e, portanto, um critério político urgente”. É nestes termos que La Civiltà Cattolica apresenta o novo volume da série digital “Accenti”, curada pelos padres jesuítas e desenvolvida em torno de palavras-chave inspiradas na atualidade.
O volume com o Prefácio de Guixot distribui-se por 5 secções e especifica algumas formas de atingir os objetivos do Documento sobre fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, na linha do que estabelece o pequeno Prefácio que antecede e enquadra o Documento, como exigência da fé do crente (cristão e muçulmano) “a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar” em resultado da confissão da “fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres humanos – iguais pela Sua Misericórdia” –, fé que, por vocação, o crente expressa nesta fraternidade humana, que postula a coexistência pacífica e a sã convivência, alçadas hoje a poderoso critério político urgente, “salvaguardando a criação e todo o universo e apoiando todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres” – um dado que decorre da essência das religiões.
Abu Dhabi foi, segundo o Vatican News, “um momento significativo no caminho do diálogo inter-religioso” e “uma nova janela aberta para dar horizontes mais aprofundados ao caminho do diálogo” rumo à prossecução “no caminho da fraternidade, da paz e da convivência comum”. E isto, como assegura o Prefácio do Cardeal Guixot dimana do percurso iniciado com o Vaticano II, designadamente com as Declarações Conciliares Nostra Aetate, sobre a Igreja e as Religiões Não Cristãs, e Dignitatis Humanae, sobre a Liberdade Religiosa, e ampliado com iniciativas como o Dia Mundial de Oração pela Paz em Assis e o Dia da Reflexão, diálogo e oração pela paz e justiça no mundo “Peregrinos da verdade, peregrinos da paz” (desejados por São João Paulo II e Bento XVI), entre outras. Assim, o purpurado assinala que “o compromisso da Igreja Católica com o diálogo inter-religioso que abre caminho à paz e à fraternidade, faz parte de sua missão original e tem suas raízes no evento conciliar”.
E todo o documento em referência – nascido de reflexão conjunta nos âmbitos muçulmano e católico, mas compartilhado por outros – é permeado pela convicção de que “juntos podemos e devemos trabalhar com coragem e fé para recuperar a esperança de um novo futuro para a humanidade”, ou seja, juntos podemos construir um novo futuro. Trata-se, pois, como escreve o Cardeal, de um texto empenhativo, um “ponto sem retorno” que exige de todo homem e mulher reflexão, estudo e esforço de difusão.
E Guixot salienta que o Papa, na sua recente viagem à Tailândia e ao Japão, quis dar uma cópia da Declaração de Abu Dhabi ao Patriarca Supremo dos Budistas, no Templo Wat Ratchabophit Sathit Maha Simaran em Bangcoque, com o desejo de poder contribuir “para a formação de uma cultura de compaixão, de fraternidade e de encontro, tanto aqui como em outras partes do mundo” (Visita ao Patriarca Supremo de Budistas, Bangcoque, 21 de novembro de 2019). E sobre a “cultura da compaixão”, Francisco “insistiu igualmente nos encontros no Japão”, recorda o Cardeal.
E o Prefácio de Guixot conclui que o texto da Declaração de Abu Dhabi está a progredir cada vez mais, também para lá das relações entre cristãos e muçulmanos” abraçando “todos aqueles que acreditam que Deus nos criou para nos conhecermos, para cooperarmos entre nós e vivermos como irmãos que se amam” (e citou o texto do Documento).
Recorde-se que os insignes subscritores do Documento em referência dizem que, partindo do valor transcendente da fé e da misericórdia, “em vários encontros dominados por uma atmosfera de fraternidade e amizade”, compartilharam “as alegrias, as tristezas e os problemas do mundo contemporâneo, a nível do progresso científico e técnico, das conquistas terapêuticas, da era digital, dos mass-media, das comunicações”; e, “a nível da pobreza, das guerras e das aflições de tantos irmãos e irmãs em diferentes partes do mundo, por causa da corrida às armas, das injustiças sociais, da corrupção, das desigualdades, da degradação moral, do terrorismo, da discriminação, do extremismo e de muitos outros motivos”. E foi “de tais fraternas e sinceras acareações” e “do encontro cheio de esperança num futuro luminoso para todos os seres humanos, que nasceu a ideia do Documento sobre a Fraternidade Humana”, documento pensado com sinceridade e seriedade “para ser uma declaração conjunta de boas e leais vontades, capaz de convidar todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a unirem-se e trabalharem em conjunto”, de modo que seja para as novas gerações “um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres humanos”.
Assim, os insignes subscritores da declaração conjunta almejavam que ela seja: um “convite à reconciliação e à fraternidade entre todos os crentes”, mas também “entre os crentes e os não crentes e entre todas as pessoas de boa vontade”; um “apelo a toda a consciência viva, que repudia a violência aberrante e o extremismo cego”; um “apelo a quem ama os valores da tolerância e da fraternidade, promovidos e encorajados pelas religiões; um “testemunho da grandeza da fé em Deus, que une os corações divididos e eleva a alma humana”; um “símbolo do abraço entre o Oriente e o Ocidente, entre o Norte e o Sul e entre todos os que acreditam que Deus nos criou para nos conhecermos, cooperarmos entre nós e vivermos como irmãos que se amam”. Enfim, esperavam e esperam e tentaram e tentam realizar tudo isto com vista a “uma paz universal de que gozem todos os homens nesta vida”.
Ante estes esforços, pergunto-me como ocorrem factos de que dão conta as redes sociais que atestam a intolerância de escolas, comunidades muçulmanas e, em especial, da Arábia Saudita.  
Não obstante, não pode haver qualquer dúvida de que a fraternidade é um corolário da vivência da fé cristã de modo que todos e cada um possam clamar “Pai Nosso que estás nos Céus”.
2020.01.14 – Louro de Carvalho

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