Foram agredidas, a 15 de janeiro, pelas 11 horas, num
gabinete do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, uma juíza e uma
procuradora do Ministério Público, tendo as agressões, segundo a ASJP (Associação
Sindical dos Juízes Portugueses), ocorrido no âmbito de uma audiência de regulação do poder
parental, por parte duma mulher com cerca de 30 anos, que foi, na sequência do
incidente, detida e conduzida às celas do Tribunal de Matosinhos.
A mesma fonte, sem precisar o motivo
da discordância, disse que o pai do menor sobre o qual decorria a audiência
“estaria presente na diligência”, sendo que a criança está cargo de avós.
“A juíza teve ferimentos ligeiros na
face, mas não houve necessidade de recorrer a ajuda hospitalar”, referiu Maximiano
Vale, secretário da direção da ASJP, mas, segundo a edição online do Jornal de Notícias, a juíza e a
procuradora tiveram de receber assistência médica.
O presidente
da ASJP disse ao Público que, depois
de uma parte da audiência ter decorrido de forma normal, a mãe da criança
“exaltou-se”, “deu um murro na juíza e tentou atingi-la com um candeeiro”. A
seguir, “quis virar a mesa, mas a juíza segurou o monitor e impediu que isso
acontecesse”. Por seu turno, “a procuradora tentou deter a mãe da criança e foi
arranhada”.
Após
a agressão, a mulher tentou fugir, mas foi interceptada por um segurança. Começou por ser presente a um JIC (juiz de
instrução criminal) de
Matosinhos, que pediu que a avaliação da medida de coação fosse feita por outro
JIC, na circunstância da Comarca do Porto.
À Rádio Renascença o supradito dirigente sindical lamentou
que muitos tribunais não disponham das ferramentas necessárias para dissuadir
situações extremas e apontou:
“Há
muitos tribunais que não têm seguranças, policiamento, botões de pânico,
detetores de metais. Portanto, este tipo de situação pode ocorrer com facilidade
noutro tribunal do país.”.
A ASJ
manifestou o receio de que situações destas se “banalizem” porque “a
generalidade dos tribunais carece de segurança”. Neste sentido, a Direção Regional
do Norte da ASJP assinalou:
“Há tribunais que pontualmente dispõem
dessas ferramentas [de segurança], mas a maioria não. Isto é algo transversal
não só à justiça, mas, como temos assistido recentemente, às áreas da saúde e
da educação. Os serviços públicos que prestam serviços de relevância muitas
vezes lidam com interesses que podem gerar situações conflituantes. Impõe-se
uma atenção especial de todos para evitar que estas situações se banalizem.”.
A ASJP diz serem
frequentes as agressões a funcionários, testemunhas, arguidos e magistrados e pede que o problema seja resolvido de
uma vez por todas. Para Manuel Ramos Soares, estas situações “são frequentes”.
É certo que “nem sempre partem para a agressão física, muitas vezes a agressão
não chega a consumar-se, mas situações de insultos, ameaças, vidros partidos,
acontecem com frequência e às vezes parte-se mesmo para agressões”. As situações
mais recentes aconteceram num gabinete pequeno. “Naturalmente, não ia estar lá
um polícia sentado, disse, mas a juíza podia ter um botão para acionar o
socorro”. Esta é uma das reivindicações da ASJP. “Os tribunais têm de ter áreas
reservadas de acesso e circulação, botões de pânico nos gabinetes e salas de
audiência, policiamento fardado e armado e um sistema eficaz de controlo de entradas”.
E Ramos Soares lembra que “muitos tribunais não tinham pórticos de segurança;
alguns passaram a ter, mas já não estão outra vez ativos” e denuncia:
“Há
pórticos que funcionam com segurança privada, que não pode fazer detenções no
caso de alguém aparecer com uma arma. Só pode vedar a entrada. Não há
policiamento público na maior parte dos tribunais. Não têm sequer um polícia
fardado e com arma no edifício.”.
A ASJP vai solicitar ao Ministério da
Justiça uma reunião e quer tratar da matéria com prioridade junto dos Conselhos
Superiores da Magistratura e do Ministério Público, pois critica:
“Em
Portugal, somos muito bons a fazer planos, mas depois para gastar dinheiro e
colocá-los em prática já não somos bons. (…) Também somos bons a dizer que
vamos resolver. Não me admiro que apareçam declarações e reuniões nos próximos
dias e toda a gente a dizer que vai resolver, até que aconteça a próxima
agressão.”.
***
A mulher
agressora, que ficou em prisão preventiva, medida de coação decretada por
um JIC, está indiciada pela prática de três crimes, um de coação contra
órgão constitucional e dois crimes de ofensas à integridade física qualificada.
O juiz José Rodrigues Cunha, presidente da Comarca do Porto, explicou:
“ (...) Dado que foi praticado sob duas
magistradas e que nessa medida é agravado, entendeu o tribunal que se verificam
os requisitos para aplicar a medida de coação mais grave, prisão preventiva, e
foi isso que foi decidido. Portanto, a arguida aguardará os termos do processo
em prisão preventiva.”.
Em
comunicado, o tribunal afirma que o comportamento da arguida foi “extremamente
grave” e “altamente censurável”, tendo ainda em conta que o mesmo atingiu “um
dos pilares da democracia, dos tribunais, como órgão de soberania a quem
incumbe a administração da justiça em nome do povo e a realização do Estado de
Direito”. E o comunicado prossegue:
“A atitude da arguida, a forma de realização
dos factos, especialmente desvaliosa – desferiu um murro na face, atingindo as
zonas do nariz e da boca da juiz [juíza – diria eu] de direito, agarrou e
atirou um candeeiro à mesma, como agarrou a secretária levantando-a,
inclinando-a em direção da juiz [juíza – diria eu] de direito, desorganizando
todos os objetos de trabalho que estavam em cima da mesma. Agarrou e apertou o
pescoço da magistrada do MP [Ministério Público] que se encontrava presente à
diligência, magoando-a –, não pode deixar de ser fortemente censurável.”.
***
O Ministério
da Justiça “lamenta profundamente” estas as agressões. Em comunicado, refere
que, apesar das condições de segurança existentes no edifício, “não foi
possível evitar” a agressão, e garante continuar “fortemente empenhado no
reforço” de medidas que protejam os magistrados. E, enquanto “manifesta total
solidariedade” às magistradas envolvidas no caso, elenca as medidas de
segurança existentes no edifício para onde o tribunal se mudou em agosto de
2018 e que tem condições de segurança
melhores do que as existentes no anterior e lamenta:
“Não foi possível evitar esta situação
apesar de o edifício em causa se encontrar munido de sistema automático de deteção
de intrusão, de sistema automático de controlo de acessos nas portas exteriores
de acesso ao edifício, de sistema de videovigilância e de pórtico e raquetes de
detecção de metais”.
O local tem
ainda “três postos de segurança e vigilância privada”, o mais recente dos quais
entrou em funcionamento apenas a 8 de janeiro, precisamente “para reforço de
segurança”. Porém, apesar de este caso demonstrar que nem sempre é possível
evitar casos de agressão, mesmo que existam diversas medidas de segurança, o
ministério de Van Dunem garante que não vai desistir de reforçar essas medidas
nos tribunais “através da implementação de sistemas automáticos de deteção de
intrusão e controlo de acessos, botões de pânico, sistemas de videovigilância e
de deteção de metais através de pórtico e de raquete”.
***
Obviamente o sucedido é totalmente condenável.
Porém, não se entende como, dada a periculosidade de processos destes, as
partes são convocadas para um gabinete onde pessoas e materiais estão próximos,
e não para um salão de audiências. Não vale dizer, no caso, que há, como meios
de segurança, detetores de metais, videovigilância, seguranças, pois a agressão
foi manual e com materiais que não foram levados do exterior
Quanto à medida de coação, apesar de a
moldura penal do crime perpetrado poder ser superior a 5 anos, não é crível que
estivesse iminente o perigo de fuga do país, a perturbação do inquérito ou a
continuação do crime. É certo que se alega que a agressora tem antecedentes de
agressão a polícias, mas a polícia deve estar precavida e, no caso de
magistrados, ela só se aproximará com a autorização de alguém. E só se requer
que a segurança dos tribunais, a nível de pessoal e tecnológico, seja reforçada
e funcione mesmo.
De resto, como refere o art.º 193.º/2
do CPP (Código do
Processo Penal), “a prisão
preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas
quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação” menos gravosas.
Veja-se se o caso da agressora se
encaixa nalguma das alíneas do n.º 1 do art.º 202.º do CPP:
“a) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena
de prisão de máximo superior a 5 anos; b) houver fortes indícios de
prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta; c) houver
fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a
criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo
superior a 3 anos; d) houver fortes indícios de prática de crime doloso
de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado,
burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafação
de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena
de prisão de máximo superior a 3 anos; e) houver fortes indícios da
prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e
outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime
cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições,
puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; f) se tratar de
pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional,
ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”.
Espera-se que a justificação de
ataque a órgãos constitucionais – os Tribunais são órgãos de soberania e o
Ministério Público é protegido constitucionalmente com vista à participação na execução
da política criminal definida pelos órgãos de soberania e o exercício da ação
penal orientada pelo princípio da legalidade e defesa da legalidade democrática
– não se cifre na defesa privilegiada da classe dos juízes e da dos
procuradores, não se usando de critério semelhante, embora eventualmente noutra
proporção (apenas de grau) para os casos de agressão a outros servidores
públicos como os professores e profissionais de saúde, talvez mais expostos.
Quanto ao alarme social que alguns
juristas aduzem nestes casos, o que não devíamos dizer de tantos indiciados que
andam por aí à solta (por exemplo, assaltantes, banqueiros, alguns
políticos, corruptos, corruptores, foragidos à justiça, alguns falidos e
insolventes dolosos)!
E, ainda quanto a órgãos de soberania, porque não há, por exemplo, medidas de
coação contra esses que foram ao Parlamento apoucar a Casa da Democracia e
insultar, através dos deputados, todos os portugueses (não
se lembram, têm uma vaga ideia; não sabem quanto e a quem pagam rendas, não têm
nada em seu nome, mas vivem à grande…)?
Se calhar, em nome do povo, a
justiça protege os seus melhor que os outros. Os JIC não essencialmente os juízes
das liberdades, direitos e garantias? Mas aquela agressora não tem direitos,
não carece de garantias, não merece ser livre. Mísera sorte, estranha condição!
2020.01.17 – Louro de Carvalho
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