A
comunicação social deu voz a um comunicado da Direção-Geral da Administração
Educativa (DGAE),
segundo o qual o Ministério da Educação (ME) quer acabar com a situação dos alunos com falta de aulas em diversas
disciplinas.
Há
quem chame a esta pretensão com o formato com que foi divulgada um “penso
rápido” para a falta de professores. Antes fosse! Ora, porque não resolve o
problema, cuja solução está noutras medidas que o ME não quer tomar ou não o
pode fazer porque a ditadura das Finanças se mantém persistente, e porque é
pior a emenda que o soneto, prefiro chamar-lhe remendo esfarrapado, que deixa o rasgão à vista sem tapar quase
nada.
Em
síntese, o que é dito é que os
professores de línguas estrangeiras podem lecionar Português no 3.º Ciclo e no
Ensino Secundário e as aulas de Geografia podem ser dadas por docentes de
História no caso das turmas que continuam sem professor. No caso de Português e
Inglês, as aulas podem ser dadas por professores de Francês, Alemão e Espanhol,
desde que os docentes tenham “estágio pedagógico habilitante” ou “adequada
formação científica”. E, no caso da Informática, as aulas podem ser dadas pelos
detentores de habilitações de grau superior no âmbito das TIC (Tecnologias
da Informação e Comunicação) e por
docentes de qualquer outra área, desde que sejam formadores acreditados pelo
Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua, nesta área de informática,
ou que aí tenham concluído ações de formação.
Assim, o que importa é que “não haja turmas sem
docentes”, pelo que a DGAE refere que a
existência de horários ainda por preencher no início do 2.º período obriga a
“reajustamentos no circuito delineado para a satisfação das necessidades
ligadas à docência” de determinadas disciplinas, nomeadamente Português,
Inglês, Geografia e Informática.
Adianta o ME que as orientações da DGAE vêm no sentido
de resolver o problema da falta de professores, esclarecendo que não alteram o
enquadramento legal no que respeita às competências exigidas aos docentes (até
alteram). A este respeito, diz o comunicado:
“Estas medidas visam agilizar o processo de
recrutamento de docentes, tratando-se de um conjunto de medidas exclusivamente
gestionárias, inseridas predominantemente no domínio da distribuição de serviço
docente, não modificando o enquadramento legal das competências concursais,
garantindo sempre a habilitação profissional dos docentes”.
Filinto Lima, professor, diretor escolar, presidente
da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), entende esta medida, mas vê-a como um paliativo ou uma
espécie de penso rápido numa doença muito grave, a escassez de professores que
atinge várias escolas e determinados grupos disciplinares: uma realidade que
não é de agora, mas que se agravou nos últimos anos, “sobretudo nas regiões de
Lisboa e Vale do Tejo e Algarve, associada ao valor exorbitante das rendas e ao
baixo salário auferido nos primeiros anos de exercício da profissão” (vd “educare.pt”,
17 de janeiro). Por isso, admite
que o facto de a tutela ter
emitido um comunicado sobre o assunto é um indicador da importância e dimensão
do assunto, que “tem expressão e deve ser significativa para o ME ter vindo a
terreiro com um comunicado”.
O presidente da ANDAEP pretende medidas de fundo para
combater este problema estrutural, tendo e mantendo, nas escolas públicas,
professores com habilitações de excelência, para não retrocedermos “décadas na
Educação, fazendo lembrar os anos 80 em que algumas disciplinas eram lecionadas
por professores com habilitações mínimas” ou, digo eu, o ano letivo de 1976/77
em que os professores, alegadamente por culpa do computador, eram colocados em
grupos de recrutamento totalmente diferentes da sua formação académica e foram
obrigados a lecionar durante todo o ano letivo disciplinas para as quais não
tinham competência, estudando os livros antes de a vez chegar aos alunos.
Segundo Filinto Lima, o Governo terá que dignificar e
valorizar a carreira docente, acarinhando os professores, revendo os seus
vencimentos (sobretudo nos primeiros escalões),
proporcionando condições de trabalho, abrindo vagas para concurso por forma a
aproveitar os “professores contratados que lecionam há bastante tempo e inverter
a tendência da existência de vagas desertas nos cursos da universidade que
formam professores”.
Está na base da medida do ME a impossibilidade de
colmatar necessidades temporárias de docentes depois de utilizados os
procedimentos habituais, ou seja, duas sucessivas reservas de recrutamento e a
contratação de escola. Assim, o predito comunicado aponta:
“No início deste 2.º período letivo, por
forma a garantir a maximização na gestão do corpo docente, visando assegurar o
superior interesse dos alunos, os serviços do ME, sendo confrontados com
situações concretas, identificaram casos em que as ferramentas disponíveis para
substituir docentes não estavam a ser totalmente utilizadas – nomeadamente a
possibilidade de atribuição de horas extraordinárias aos docentes da escola ou
a possibilidade de completamento de horário a docentes que têm horários
incompletos no mesmo estabelecimento ou noutro estabelecimento”.
A ANPRI (Associação Nacional de Professores
de Informática) reage dizendo
que não é claro como se implementa a novidade da colaboração entre agrupamentos
no sentido da partilha de recursos humanos e lembrando que vem solicitando uma
reunião com o Ministro desde novembro. Com efeito, a ausência de resposta
revela desconfiança na capacidade dos diretores para a utilização de
procedimentos de gestão, aos quais podem recorrer em caso de comprovada necessidade
e depois de cumpridos os mecanismos de reservas de recrutamento e de
contratação de escola, visto que grande parte carece de procedimentos em
plataformas e autorização superior.
Para a ANPRI, a DGAE não acrescenta muito de novo, ou
seja, nada que não esteja nos normativos em vigor, e não se pode deixar passar
em branco “critérios diferentes que discriminam o acesso à lecionação das
disciplinas do grupo de recrutamento de Informática”. Os critérios da DGAE
indiciam a desvalorização desta área, pois não é com a frequência duma ação de
formação contínua na área das TIC que um docente de qualquer outra área fica
preparado para implementar as aprendizagens essenciais nesta disciplina, sendo
que ao equipamento desatualizado se juntam agora “docentes pouco preparados”. E
a associação é mordaz ao vincar:
“Tudo isto revela uma grande falta de
estratégia e um manifesto desinteresse para com os problemas com o pessoal
docente. A falta de professores, que por sua vez afeta a formação dos alunos,
tem de ser tratada com seriedade (…) Chegamos ao momento, em qualquer um, pode lecionar
qualquer coisa.” (vd comunicado da ANPRI).
Por seu turno, a API (Associação de Professores de Inglês) diz que a tutela está “a tapar o sol com a peneira” e
que não há garantias de que estas indicações sejam temporárias. E questiona:
“Quem é que vai avaliar se um professor sem
habilitação profissional tem uma ‘adequada formação científica’ para lecionar
Inglês?”.
Já a APP (Associação de Professores de
Português) está mais tranquila, pois os
professores indicados têm a componente de Português na licenciatura e estágio
profissional. E realça:
“Mesmo não tendo habilitação académica para
a disciplina que lecionam, há professores que adquiriram muitas capacidades
para a ensinar na prática profissional que lhes foi dada no estágio”.
Do seu lado, a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) frisa que as indicações da DGAE passam ao lado do
problema de fundo e criam “antecedentes preocupantes”. Em seu entender, as
diretivas “nada resolvem ou constituem remendos”. Com efeito, “a falta de
professores tem de ser encarada com maior seriedade do que a agora demonstrada
pelo ME, antes de se tornar sistémica, levando à urgente adoção de medidas de
fundo”. A aprovação dum regime especial de aposentação (a classe
está envelhecida e cansada: as escolas precisam de renovação), a abertura de lugares de quadro de escola, a
estabilização profissional e a vinculação dos docentes com três ou mais anos de
serviço são algumas das suas insistências.
***
Por enquanto a falta de professores não é sistémica,
mas arrisca-se a sê-lo. Não sei se as instituições do ensino superior se mantêm
interessadas em formar professores ou se não há candidatos por a profissão
estar desvalorizada social, económica e politicamente.
A atual falta de docentes recai basicamente sobre
horários incompletos (geralmente em regime de substituição) a ocupar por professores contratados que têm um
vencimento de miséria, que não dá para pagar alojamento ou deslocação. E o erro
passa por não completamento de horários dentro dos grupos ou não recurso a
horas extraordinárias ou por não considerar completo o horário letivo a partir
de determinado número de horas a completar com outras atividades.
De momento, o ME deveria refletir sobre os motivos por
que há tantos professores doentes física e/ou psiquicamente, nomeadamente pelas
condições de trabalho, falta de autoridade e exposição permanente ao insulto, à
indisciplina, ao escrutínio hipercrítico, ao ataque da escola paralela (vulgo
centros de estudos), à
sobrecarga de trabalho (a famigerada componente não letiva e as malditas
fichas para tudo) à ação
discricionária de alguns diretores, à concorrência instalada na avaliação do
desempenho docente, à pressão na fabricação do sucesso académico, bem como o
exercício docente em idade para lá dos 60 anos de idade.
Subscrevo tudo o que dizem Filinto Lima, a ANPRI, a API
e a FENPROF. Não me revejo no que diz na totalidade a APP. Na verdade, a maior
parte dos professores de Inglês e de Alemão do ensino secundário não têm
Português no curso, mas sim linguísticas, literaturas e culturas inglês, alemã
e americana.
Sei que o comunicado da DGAE não inova. Como diz a
ANPRI, os normativos já determinam que em situações excecionais, os docentes
podem ser obrigados a lecionar disciplinas para as quais tenham preparação
científica. Sempre entendi isso como, por exemplo, um docente habilitado
profissionalmente para um determinado grupo de disciplinas poder lecionar
outras disciplinas para as quais não tem habilitação profissional, mas tem a
antigamente dita habilitação própria ou aqueles que têm habilitação
profissional para dois grupos e estão colocados num deles. Não obstante – e
aqui critico a APP –, pergunto-me como é que professores, mesmo com habilitação
própria e ou profissional para português, que estão, há anos, arredados da lecionação da disciplina, se
darão com o novo dicionário terminológico (até os que estavam no
terreno tiveram dificuldade).
Isto para não falar dos docentes preparados para grupos bidisciplinares que,
por inércia ou comodidade, passaram o tempo a lecionar só uma disciplina.
Pode um professor de História
lecionar Geografia e vice-versa? Sim, dará boa conta do recado, por que sabe
ler e interpretar documentos, gráficos e tabelas, mas tem que estudar muito
antes dos alunos. Já não sei se um professor de Alemão ou de Inglês lecionaria
Francês…
Em suma, o ME com estas medidas
mostra falta de respeito para com os professores. Não creio que as altas
sumidades ministeriais não conheçam os curricula dos cursos superiores nem os
programas das disciplinas do ensino não superior. Fazem lembrar os arquitetos
da reforma administrativa que ordenaram o país a régua e a esquadro ou o
autarca que pretendia que três bandas filarmónicas tocassem em conjunto a mesma
peça sem a terem ensaiado!
2020.01.21 – Louro de Carvalho
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