Também o eufemismo “descontinuação” chegou a uma
estrutura eclesiástica prestigiada, a Rádio
Renascença (RR), que se dizia, e ainda se diz, Emissora Católica Portuguesa, embora
agora se diga mais “a par com o mundo”.
Recorde-se que o Grupo Renascença Multimédia tem como acionistas o Patriarcado de Lisboa e a
Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), pelo que a decisão de encerrar uma das suas estações tinha de resultar de
amplo consenso dos Bispos e estribada no não prejuízo das expectativas dos rádio-ouvintes
para os quais foi criada. Ora, alegando razões económicas e que a ideia da
descontinuação já vinha de há muito por quebra de audiências, o Conselho de
Gerência anunciou a descontinuação da estação. E, em reação, vieram a terreiro os Arcebispos de
Braga e de Évora.
Nos termos dum comunicado publicado, a 5 de
janeiro, no site da Arquidiocese primacial,
“o Arcebispo acolheu com apreensão e
surpresa a decisão, por parte da gerência da Rádio Renascença, de ‘descontinuar’ a Rádio Sim”, quando, “num tempo em que cresce o número de idosos em
Portugal, a Igreja deveria ser-lhes próxima, produzindo conteúdos que lhes
proporcionassem companhia e os ajudassem, muito concretamente, a viver,
aprofundar e a celebrar a fé”, bem como “a serem informados sobre a atualidade
da Igreja”. Dias
depois, à voz crítica vinda de Braga somou-se a do arcebispo de Évora. Também
através do seu site oficial, o Arcebispo
Dom Francisco Senra Coelho assegurou que nunca a sua Arquidiocese fora “convidada
a participar em qualquer encontro que tenha a ver com esta decisão”. E vincava:
“Claro que o desaparecimento da Rádio
Sim provoca um vazio e empobrecimento da presença da amizade e
solidariedade cristã feita companhia junto destas nossas camadas populacionais.
Certos de que os laços humanos estabelecidos entre a Rádio Sim e estas pessoas foram excelentes e continuam a fazer
falta, agradecemos aos técnicos nacionais pelo excelente trabalho realizado.
Claro que nos fica a interpelação de como continuar este trabalho, a todos
pedimos oração para que o Senhor interceda por nós e nos inspire, na certeza de
que não ficaremos parados.”.
No entanto,
o Arcebispo de Évora introduziu uma nota de apaziguamento em relação ao Bispo auxiliar
presidente da Rádio Renascença,
Américo Aguiar:
“Comungamos com o Conselho de Gerência da Emissora Católica Portuguesa o
sofrimento que decisões como esta acarretam. A experiência comum que nos uniu
ao longo destas dezenas de anos poderá ser sementeira de novos desafios
assumidos em comum. Ficamos a aguardar, pois conhecemos a enorme capacidade
criativa da Rádio Renascença que
todos amamos.”.
Entretanto, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal veio manifestar “confiança” à decisão
do Grupo Renascença Multimédia de “descontinuar”
a Rádio Sim, desautorizando ou
subvalorizando as críticas dos Arcebispos de Braga e de Évora à decisão.
A tomada de
posição foi manifestada pelo Padre Manuel Barbosa, porta-voz da CEP, após uma
reunião do seu Conselho Permanente, órgão executivo da CEP e não órgão de
cúpula na hierarquia da Igreja Católica portuguesa, como querem dizer alguns
meios de comunicação social. O Conselho Permanente, segundo a nota do
porta-voz, manifestou “confiança” ao Grupo
Renascença Multimédia na decisão de encerrar (“descontinuar”) a Rádio Sim,
uma estação destinada a um auditório mais idoso que não obteve, nas audiências,
os resultados pretendidos.
Em
conferência de imprensa, Manuel Barbosa acrescentou ainda outro comentário: “O
processo [de
encerramento da Sim] já vem de
há muito tempo” – comentário relevante tendo em conta que este caso expôs
claramente uma guerra entre bispos. Dum lado está o Bispo auxiliar de Lisboa,
Américo Aguiar, presidente do Conselho de Gerência da Renascença, figura em
ascensão na hierarquia e muito próxima Cardeal Patriarca Dom Manuel Clemente,
presidente da CEP; do outro, dois pesos pesados na hierarquia, os Arcebispos
de Braga e de Évora, respetivamente Dom Jorge Ortiga e Francisco José Senra
Coelho. Os três integram de direito a CEP – mas nenhum o Conselho Permanente.
Aduzindo que
o Grupo Renascença tem como acionistas a CEP e o Patriarcado de Lisboa, pelo
que o encerramento da Rádio Sim foi
discutido na CEP antes de a decisão ser posta em prática, Dom Américo Aguiar e
outros prelados de Lisboa ouviram com grande irritação o Arcebispo de Braga criticar
a decisão do encerramento da estação e invocar mesmo “surpresa” com a decisão. E
o Conselho Permanente, ao manifestar “confiança” na administração do Grupo Renascença e ao acrescentar que “este
processo já vem de há muito tempo” tenta pôr uma pedra no assunto.
***
A Rádio
Sim era uma emissora de radiodifusão do Grupo Renascença Multimédia que
entrou no ar a 4 de agosto de 2008, às 0 horas, nas antes frequências
em OM (de AM) da Rádio
Renascença (RR) e em FM a
partir de todos os emissores regionais da RR.
Emitia canções dos anos 50, 60, 70 e 80 e transmitia o Angelus (ou o Regina Coeli, no Tempo Pascal) e o
Rosário (sendo este transmitido
diariamente em direto da Capelinha das Aparições a partir do Santuário
de Fátima), e, aos domingos, transmitia
a celebração da Eucaristia a partir de um templo português.
A 3 de
janeiro, o Grupo Renascença
Multimédia anunciou que a Rádio
Sim seria descontinuada “em breve”, por motivos de sustentabilidade
económica, revelando que “estão a ser pensadas soluções para continuar a acompanhar
o respetivo público-alvo”. Que soluções?
Por
seu turno, a RR é uma estação de rádio nacional
dirigida a um público adulto que se interessa por música e informação. Além da
cobertura nacional em FM, transmite
pela Internet, sendo uma das estações de rádio mais conhecidas em Portugal; e,
das grandes emissoras portuguesas nascidas na década de 1930, é a única que mantém inalterado o nome inicial.
Fundada por
Monsenhor Manuel Lopes da Cruz, as emissões experimentais tiveram início
em junho de 1936 com um emissor instalado em Lisboa. A 1 de janeiro do ano
seguinte, iniciaram-se as emissões regulares. Um mês depois do início das
emissões diárias, os estúdios da Rua Capelo ficaram prontos e a Renascença instalou-se no local onde
ainda hoje permanece. Em 1975, foi ocupada por um grupo de trabalhadores, mas
em dezembro foi devolvida à Igreja Católica e, ao invés da quase totalidade das
emissoras, nunca chegou a ser nacionalizada.
Em 1987,
passou a emitir duas programações, 24 horas por dia, através da Rádio Renascença (OM e FM
nacionais) e da RFM (FM nacional). Em 1998,
criou a Mega FM, para o público
mais jovem, e, em 2008, a Rádio Sim,
para o público mais idoso. Além destes canais, emitia programação de âmbito
regional em OM e FM a partir de estúdios próprios instalados sucessivamente em
diversas cidades, como Braga, Chaves, Elvas, Leira, Lisboa, Porto
e Viseu, até 4 de agosto de 2008, dia em que as emissoras regionais se
converteram em emissores regionais Stéreo da nova Rádio Sim, com programação pensada
principalmente para a “Idade de Ouro” / “3.ª Idade”. Alguns dos programas mais
marcantes da história da estação foram o famoso Despertar, de António
Sala e Olga Cardoso (criado no final dos anos 70), e Bola Branca. Este último mantém-se no
ar sendo um espaço de programação dedicado ao desporto, com ênfase sobretudo no
futebol. A antena da estação transmite também, como a Rádio Sim, as orações do Angelus
(ou o Regina Coeli, no Tempo Pascal) e do Rosário (sendo este último transmitido
diariamente em direto da Capelinha das Aparições a partir do Santuário
de Fátima) e, aos domingos, é transmitida
a celebração da Eucaristia a partir dum templo português. Também
transmite o debate quinzenal parlamentar com o Primeiro-Ministro e, quando
há eleições legislativas e europeias, transmite debates com os Partidos com
Assento Parlamentar e, em eleições presidenciais, transmite debates com os
candidatos.
***
Para já, um
Bispo não se deve irritar, para não dizer que não devia ter assumido a Gerência
da RR após ter sido feito Bispo. Depois,
por uma questão de bom senso, os metropolitas (Patriarca, Arcebispo de Braga e Arcebispo
de Évora) deviam ter-se concertado na solução
da Rádio Sim ou em solução alternativa.
Recordo que, nos tempos de 1975, em que a RR
esteve refém dum grupo de trabalhadores, as dioceses e, em especial, as do
Porto e de Aveiro, mobilizaram verbas e a opinião pública (com
manifestações a norte), mesmo a
não católica. E o PS esteve ao lado da Igreja
nessa cruzada. Lembro-me de ter cooperado com as brigadas civis de vigilância
de emissores e retransmissores da Emissora Católica. Por tudo, esta decisão,
que mexe com um ponto estratégico da RR,
não podia ser tomada pura e simplesmente pelo seu Conselho de Gerência e
validada formalmente pelo Conselho Permanente da CEP.
Tratando-se
duma estrutura eclesiástica, o assunto devia ser encarado pastoralmente e, se necessário,
mobilizar as igrejas locais na angariação de fundos. Se para os programas
tipicamente religiosos – Missa, Rosário e Angelus/Regina Coeli, a estação normal é
solução, o não serviço da palavra, da companhia, da informação eclesial e das
instruções e passatempos próprios da 3.ª idade constituem falta da proximidade
inerente a uma estrutura eclesiástica ou afim. De resto, onde é que a RR se distingue
hoje das demais emissoras, além dos programas acima referenciados? Hoje já nem
é exemplo na expressão do português como já foi, imersa que está nas ‘chachadas’
da moda e em comentários que, na sua maior parte, sancionam uma visão
retrógrada da economia e da política, para não falar de tiradas fora da caixa como
o pedido de informação a Jerónimo de Sousa sobre o conteúdo do seu pequeno-almoço
a concluir, em tom brejeiro, que os comunistas não comem criancinhas ao pequeno-almoço.
Se se considera
a RR vital para a pastoral eclesial,
ela pode usar o material económico, mas não pode soçobrar perante os critérios
economicistas; deve sentir e fazer sentir que a Igreja una não deixa de ser
pluralista; não pode abandonar os mais fragilizados: e deve ser objeto de
mobilização multímoda da parte dos crentes para a manutenção e otimização dos programas
tidos como necessários e adequados aos destinatários das emissões.
2020.01.15 –
Louro de Carvalho
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