quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A descontinuação da Rádio Sim ou o encerramento das suas emissões


Também o eufemismo “descontinuação” chegou a uma estrutura eclesiástica prestigiada, a Rádio Renascença (RR), que se dizia, e ainda se diz, Emissora Católica Portuguesa, embora agora se diga mais “a par com o mundo”.
Recorde-se que o Grupo Renascença Multimédia tem como acionistas o Patriarcado de Lisboa e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), pelo que a decisão de encerrar uma das suas estações tinha de resultar de amplo consenso dos Bispos e estribada no não prejuízo das expectativas dos rádio-ouvintes para os quais foi criada. Ora, alegando razões económicas e que a ideia da descontinuação já vinha de há muito por quebra de audiências, o Conselho de Gerência anunciou a descontinuação da estação. E, em reação, vieram a terreiro os Arcebispos de Braga e de Évora.
Nos termos dum comunicado publicado, a 5 de janeiro, no site da Arquidiocese primacial, “o Arcebispo acolheu com apreensão e surpresa a decisão, por parte da gerência da Rádio Renascença, de ‘descontinuar’ a Rádio Sim”, quando, “num tempo em que cresce o número de idosos em Portugal, a Igreja deveria ser-lhes próxima, produzindo conteúdos que lhes proporcionassem companhia e os ajudassem, muito concretamente, a viver, aprofundar e a celebrar a fé”, bem como “a serem informados sobre a atualidade da Igreja”. Dias depois, à voz crítica vinda de Braga somou-se a do arcebispo de Évora. Também através do seu site oficial, o Arcebispo Dom Francisco Senra Coelho assegurou que nunca a sua Arquidiocese fora “convidada a participar em qualquer encontro que tenha a ver com esta decisão”. E vincava:
Claro que o desaparecimento da Rádio Sim provoca um vazio e empobrecimento da presença da amizade e solidariedade cristã feita companhia junto destas nossas camadas populacionais. Certos de que os laços humanos estabelecidos entre a Rádio Sim e estas pessoas foram excelentes e continuam a fazer falta, agradecemos aos técnicos nacionais pelo excelente trabalho realizado. Claro que nos fica a interpelação de como continuar este trabalho, a todos pedimos oração para que o Senhor interceda por nós e nos inspire, na certeza de que não ficaremos parados.”.
No entanto, o Arcebispo de Évora introduziu uma nota de apaziguamento em relação ao Bispo auxiliar presidente da Rádio Renascença, Américo Aguiar:
Comungamos com o Conselho de Gerência da Emissora Católica Portuguesa o sofrimento que decisões como esta acarretam. A experiência comum que nos uniu ao longo destas dezenas de anos poderá ser sementeira de novos desafios assumidos em comum. Ficamos a aguardar, pois conhecemos a enorme capacidade criativa da Rádio Renascença que todos amamos.”.
Entretanto, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal veio manifestar “confiança” à decisão do Grupo Renascença Multimédia de “descontinuar” a Rádio Sim, desautorizando ou subvalorizando as críticas dos Arcebispos de Braga e de Évora à decisão.
A tomada de posição foi manifestada pelo Padre Manuel Barbosa, porta-voz da CEP, após uma reunião do seu Conselho Permanente, órgão executivo da CEP e não órgão de cúpula na hierarquia da Igreja Católica portuguesa, como querem dizer alguns meios de comunicação social. O Conselho Permanente, segundo a nota do porta-voz, manifestou “confiança” ao Grupo Renascença Multimédia na decisão de encerrar (“descontinuar”) a Rádio Sim, uma estação destinada a um auditório mais idoso que não obteve, nas audiências, os resultados pretendidos.
Em conferência de imprensa, Manuel Barbosa acrescentou ainda outro comentário: “O processo [de encerramento da Sim] já vem de há muito tempo” – comentário relevante tendo em conta que este caso expôs claramente uma guerra entre bispos. Dum lado está o Bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, presidente do Conselho de Gerência da Renascença, figura em ascensão na hierarquia e muito próxima Cardeal Patriarca Dom Manuel Clemente, presidente da CEP; do outro, dois pesos pesados na hierarquia, os Arcebispos de Braga e de Évora, respetivamente Dom Jorge Ortiga e Francisco José Senra Coelho. Os três integram de direito a CEP – mas nenhum o Conselho Permanente.
Aduzindo que o Grupo Renascença tem como acionistas a CEP e o Patriarcado de Lisboa, pelo que o encerramento da Rádio Sim foi discutido na CEP antes de a decisão ser posta em prática, Dom Américo Aguiar e outros prelados de Lisboa ouviram com grande irritação o Arcebispo de Braga criticar a decisão do encerramento da estação e invocar mesmo “surpresa” com a decisão. E o Conselho Permanente, ao manifestar “confiança” na administração do Grupo Renascença e ao acrescentar que “este processo já vem de há muito tempo” tenta pôr uma pedra no assunto.
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Rádio Sim era uma emissora de radiodifusão do Grupo Renascença Multimédia que entrou no ar a 4 de agosto de 2008, às 0 horas, nas antes frequências em OM (de AM) da Rádio Renascença (RR) e em FM a partir de todos os emissores regionais da RR. Emitia canções dos anos 50, 60, 70 e 80 e transmitia o Angelus (ou o Regina Coeli, no Tempo Pascal) e o  Rosário (sendo este transmitido diariamente em direto da Capelinha das Aparições a partir do Santuário de Fátima), e, aos domingos, transmitia a celebração da Eucaristia a partir de um templo português.
A 3 de janeiro, o Grupo Renascença Multimédia anunciou que a Rádio Sim seria descontinuada “em breve”, por motivos de sustentabilidade económica, revelando que “estão a ser pensadas soluções para continuar a acompanhar o respetivo público-alvo”. Que soluções?
Por seu turno, a RR é uma estação de rádio nacional dirigida a um público adulto que se interessa por música e informação. Além da cobertura nacional em FM, transmite pela Internet, sendo uma das estações de rádio mais conhecidas em Portugal; e, das grandes emissoras portuguesas nascidas na década de 1930, é a única que mantém inalterado o nome inicial.
Fundada por Monsenhor Manuel Lopes da Cruz, as emissões experimentais tiveram início em junho de 1936 com um emissor instalado em Lisboa. A 1 de janeiro do ano seguinte, iniciaram-se as emissões regulares. Um mês depois do início das emissões diárias, os estúdios da Rua Capelo ficaram prontos e a Renascença instalou-se no local onde ainda hoje permanece. Em 1975, foi ocupada por um grupo de trabalhadores, mas em dezembro foi devolvida à Igreja Católica e, ao invés da quase totalidade das emissoras, nunca chegou a ser nacionalizada.
Em 1987, passou a emitir duas programações, 24 horas por dia, através da Rádio Renascença (OM e FM nacionais) e da RFM (FM nacional). Em 1998, criou a Mega FM, para o público mais jovem, e, em 2008, a Rádio Sim, para o público mais idoso. Além destes canais, emitia programação de âmbito regional em OM e FM a partir de estúdios próprios instalados sucessivamente em diversas cidades, como Braga, Chaves, Elvas, Leira, Lisboa, Porto e Viseu, até 4 de agosto de 2008, dia em que as emissoras regionais se converteram em emissores regionais Stéreo da nova Rádio Sim, com programação pensada principalmente para a “Idade de Ouro” / “3.ª Idade”. Alguns dos programas mais marcantes da história da estação foram o famoso Despertar, de António Sala e Olga Cardoso (criado no final dos anos 70), e Bola Branca. Este último mantém-se no ar sendo um espaço de programação dedicado ao desporto, com ênfase sobretudo no futebol. A antena da estação transmite também, como a Rádio Sim, as orações do Angelus (ou o Regina Coeli, no Tempo Pascal) e do Rosário (sendo este último transmitido diariamente em direto da Capelinha das Aparições a partir do Santuário de Fátima) e, aos domingos, é transmitida a celebração da Eucaristia a partir dum templo português. Também transmite o debate quinzenal parlamentar com o Primeiro-Ministro e, quando há eleições legislativas e europeias, transmite debates com os Partidos com Assento Parlamentar e, em eleições presidenciais, transmite debates com os candidatos.
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Para já, um Bispo não se deve irritar, para não dizer que não devia ter assumido a Gerência da RR após ter sido feito Bispo. Depois, por uma questão de bom senso, os metropolitas (Patriarca, Arcebispo de Braga e Arcebispo de Évora) deviam ter-se concertado na solução da Rádio Sim ou em solução alternativa. Recordo que, nos tempos de 1975, em que a RR esteve refém dum grupo de trabalhadores, as dioceses e, em especial, as do Porto e de Aveiro, mobilizaram verbas e a opinião pública (com manifestações a norte), mesmo a não católica. E o PS esteve ao lado da Igreja nessa cruzada. Lembro-me de ter cooperado com as brigadas civis de vigilância de emissores e retransmissores da Emissora Católica. Por tudo, esta decisão, que mexe com um ponto estratégico da RR, não podia ser tomada pura e simplesmente pelo seu Conselho de Gerência e validada formalmente pelo Conselho Permanente da CEP.
Tratando-se duma estrutura eclesiástica, o assunto devia ser encarado pastoralmente e, se necessário, mobilizar as igrejas locais na angariação de fundos. Se para os programas tipicamente religiosos – Missa, Rosário e Angelus/Regina Coeli, a estação normal é solução, o não serviço da palavra, da companhia, da informação eclesial e das instruções e passatempos próprios da 3.ª idade constituem falta da proximidade inerente a uma estrutura eclesiástica ou afim. De resto, onde é que a RR se distingue hoje das demais emissoras, além dos programas acima referenciados? Hoje já nem é exemplo na expressão do português como já foi, imersa que está nas ‘chachadas’ da moda e em comentários que, na sua maior parte, sancionam uma visão retrógrada da economia e da política, para não falar de tiradas fora da caixa como o pedido de informação a Jerónimo de Sousa sobre o conteúdo do seu pequeno-almoço a concluir, em tom brejeiro, que os comunistas não comem criancinhas ao pequeno-almoço.
Se se considera a RR vital para a pastoral eclesial, ela pode usar o material económico, mas não pode soçobrar perante os critérios economicistas; deve sentir e fazer sentir que a Igreja una não deixa de ser pluralista; não pode abandonar os mais fragilizados: e deve ser objeto de mobilização multímoda da parte dos crentes para a manutenção e otimização dos programas tidos como necessários e adequados aos destinatários das emissões.
2020.01.15 – Louro de Carvalho

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