domingo, 5 de janeiro de 2020

Depois do Natal, a manifestação de Jesus a todos os homens e povos


Este é o tema da celebração da Solenidade da Epifania do Senhor. Com efeito, a luz de Deus, encarnada em Cristo na história humana, ilumina a Terra inteira, atrai a si todos os povos e todos os homens podem conhecer o Senhor e acolher a Salvação que Ele oferece gratuitamente a todos sem exceção. Na Liturgia da Palavra, a 1.ª leitura (Is 60,1-6) anuncia a chegada da luz salvadora que transfigurará Jerusalém pela ternura maternal de Deus e que atrairá à cidade de Deus os povos de todo o mundo. O texto do Evangelho (Mt 2,1-11) mostra a concretização desse anúncio, com os magos que vêm de longe e representam os povos de toda a Terra. Troca-se Jerusalém por Belém, a mais modesta das cidades de Judá, onde nasceu o Salvador. E a 2.ª leitura (Ef 3,2-3a.5-6) apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos na comunidade fraterna dos crentes em Jesus.
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A passagem da 1.ª leitura insere-se no Tritoisaías (capítulos 56-66 do Livro de Isaías), um conjunto de textos cuja proveniência não é consensual; uns dizem que se trata dum profeta anónimo pós-exílico, que profetizou em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; mas a maioria pensa que são textos provenientes de diversos autores pós-exílicos e redigidos ao longo de um longo arco de tempo (entre os séculos. VI e V a.C.). Em todo o caso, trata-se da época pós-exílica e na reconstrução de Jerusalém, notando-se as marcas do passado nas pedras calcinadas, com poucos e pobres judeus ali estabelecidos, o que torna lenta e muito modesta a reconstrução, sendo que os inimigos espreitam a população desanimada.
Assim, a profecia, anunciando o dia futuro em que Deus vai chegar em seu esplendor tornando bela, harmoniosa e jubilosa a cidade, glorifica Jerusalém, a cidade da luz ou “dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol) e Deus habitará para sempre no seio do seu Povo, como testemunhará o Templo reconstruído.
Inspirado pelo sol nascente que ilumina as pedras brancas das construções de Jerusalém e faz com que a cidade se transfigure pela manhã e sobressaia brilhante por entre as montanhas que a circundam, o profeta sonha com uma Jerusalém mui diferente da que os retornados do Exílio conhecem; essa nova cidade levantar-se-á quando chegar a luz de Deus, que lhe dará uma nova face. Então, Jerusalém atrairá os olhares de todos os que esperam a salvação. Por conseguinte, a cidade será abundantemente repovoada e os povos de toda a terra – atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus – convergirão para lá, inundando-a de riquezas e cantando os louvores de Deus.
Como pano de fundo deste texto está a expressão da constante preocupação de Deus com a vida e a felicidade daqueles e daquelas que Ele criou. Deus está sempre presente no coração das pessoas e acompanha a caminhada do seu Povo oferecendo-lhe a vida definitiva. E esta “fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança. Caminhamos pela vida de fronte erguida confiantes no amor infinito de Deus e na sua vontade de nos salvar e libertar.
Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer. É, pois, necessário que nas nossas comunidades e estruturas brilhe a luz libertadora de Deus em Cristo e aí haja espaço para todos os que buscam a luz libertadora, de modo que os irmãos que têm a vida destroçada, ou os que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, sejam acolhidos, respeitados e amados e que as diferenças próprias da diversidade de culturas sejam vistas como uma riqueza que importa preservar e acarinhar.
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A visita dos magos ao menino de Belém é um episódio terno que, ao longo dos temos, tem provocado considerável impacto nos sonhos e nas fantasias dos cristãos. Todavia é de recordar, que estamos no “Evangelho da Infância” e que os factos narrados não são o relato preciso de acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão e o modo como é acolhido ou rejeitado. Ou seja, Mateus não apresenta uma reportagem da visita de três Chefes de Estado estrangeiros à gruta de Belém, mas, recorrendo a símbolos e imagens bem expressivos para os primeiros cristãos, apresenta Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra. É um relato epifânico, mas não o único. Também a mudança da água em vinho em Caná, a teofania do Jordão após o Batismo de Jesus por João, a transfiguração no Tabor, a ressurreição de Lázaro e as aparições do Ressuscitado são manifestações salvadoras de Cristo com vista à expressão do seu messianismo em prol de todos os homens. E a epifania continua na ação da Igreja em saída missionária a todas as periferias.
O relato de Mateus elege os magos como as primícias dos adoradores. O texto eminentemente catequético localiza reiteradamente o nascimento de Jesus em Belém, a terra natal do rei David, e liga Jesus aos anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf Mq 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Quer, assim, Mateus desdizer os que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré vendo nisso obstáculo para O reconhecerem como o Messias.
Depois, o texto mateano releva uma estrela “especial” que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação supostamente histórica desta referência levou alguém a cálculos astronómicos para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela mencionada por Mateus; outros procuraram um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente. Não é disto que se trata. Mateus pede emprestada à crença popular epocal a ideia de que o nascimento duma importante personagem era acompanhado da aparição duma nova estrela, tal como a tradição judaica que fazia acompanhar o nascimento do Messias por uma estrela que surge de Jacob (cf Nm 24,17). Com estes elementos postos ao serviço da catequese, Mateus fornece aos cristãos da sua comunidade argumentos para rebater os que negavam que Jesus era o Messias esperado.
Quanto aos magos, importa referir que o termo grego “mágos” usado por Mateus abarca vasta panóplia de significados e é aplicado a personagens diversas: sacerdotes persas, reis, mágicos, feiticeiros, charlatães, propagandistas religiosos. Aqui, pode designar astrólogos mesopotâmicos conhecedores do messianismo judaico. Em todo o caso, esses “magos” representam, na catequese mateana, os povos estrangeiros de que fala o Tritoisaías (cf Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém (os magos pediram informação em Jerusalém, que ficou com medo) com as suas riquezas (ouro, incenso e mirra) para encontrar a luz salvadora que brilha sobre a cidade santa e que é Jesus. O que se manifestou na carne, foi justificado pelo Espírito e foi contemplado pelos anjos não se fechou numa redoma dourada, mas foi revelado aos gentios, para ser acreditado no mundo e exaltado na glória. Por isso, merece o louvor de todos os povos (cf 1Tm 3,16). 
Além disso, o relato mateano recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se repetem ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, ao passo que os “magos” do oriente (pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” ante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto os pagãos sentem uma indizível alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador. Herodes dissimula com a promessa de adoração a ideia de O matar.
Mateus anuncia, assim, que Jesus será rejeitado pelos seus, mas que vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrarem, perguntam aos judeus (que conhecem as Escrituras) o que fazer, encontram Jesus e adoram-No como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho rumo a Jesus.
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A Carta aos Efésios apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão. Os que sustentam a autoria paulina da carta discutem o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61 e 63. É, porém, uma sólida apresentação duma catequese bem estruturada e amadurecida, parecendo constituir uma espécie de síntese do pensamento paulino, em que o tema aglutinador é o que o autor, que evangeliza por força da graça que recebeu em prol da comunidade, chama de “o mistério”: o projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
Na parte dogmática da carta (Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a catequese sobre “o mistério”: depois dum hino que põe em relevo a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel de cabeça da Igreja (cf Ef 1,15-23); a seguir, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf Ef 2,1-10); e expõe como Cristo, realizando “o mistério”, levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf 2,11-22). O texto da Solenidade vem na sequência: o Apóstolo apresenta-se como testemunha do mistério ante judeus e ante pagãos (cf Ef 3,1-13).
A Paulo, como aos Doze, foi revelado “o mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor. Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se destina só aos judeus, mas a todos os povos da terra. Paulo é, por chamamento divino, o pregoeiro desta novidade. Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único “corpo”, o “corpo de Cristo” ou Igreja, partilham o mesmo projeto que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus”; e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf Gn 12,3) – promessa realizada em Cristo com todo o esplendor espelhado no Tritoisaías. E a grande novidade da Carta aos Efésios é que Jesus Cristo é a revelação e a realização plena do projeto de Deus, que não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem exceção.
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Por tudo isto, se nos guindámos, pelo Natal, a trombeteiros do presépio, agora temos que ser trombeteiros, de coração e de boca, do episódio da adoração dos magos, apontadores da estrela, vasculhadores corajosos das Escrituras, lucíferos do Evangelho da Salvação e da Paz, fermento dum novo mundo segundo o coração de Cristo.
2020.01.05 – Louro de Carvalho     

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