Não
tenho que me intrometer na vida interna dos partidos – nem o quero – e, neste
caso, do CDS. O órgão estatutário máximo, o Congresso, debate as diversas
moções, elege o líder e estabelece a composição dos demais órgãos estatutários.
No entanto, atendendo à informação que transpirou para o exterior, o facto
merece-me alguma reflexão.
Depois do
debate que mexeu com o Congresso em que os candidatos à liderança se
desentenderam e entenderam ou ficaram assim-assim, foi eleito para a presidência
do partido Francisco Rodrigues dos Santos, até agora líder da Juventude Popular
ou Juventude Centrista. Se lhe falta experiência e traquejo na relação
interpartidária e a condição de deputado – dados que, à partida, facilitariam o
trabalho de liderança e de oposição construtiva ao Governo, estratégia que
defende –, pelo vistos, não lhe falta energia, vivacidade e garra para
reconstruir a estrutura partidária, unificar a formação partidária a que passou
a presidir, percorrer o país, que elege como a sua assembleia, ganhar mais presidências
de câmara municipal e mais mandatos, rever-se no trabalho parlamentar que a
bancada (que
não o apoiou, dirigida por Cecília Meireles e de que faz parte João Almeida, até
agora seu adversário de candidatura)
desenvolve juntamente através dos cinco competentes deputados e constituir uma
frente de direita liderada pelo CDS, arrumando alegadamente o Chega contra a
parede da extrema-direita, já em 2023 ou antes, se as circunstâncias o exigirem.
Na verdade, um governo minoritário está sujeito a percalços, como ver um orçamento
chumbado ou ser objeto duma coligação negativa numa moção de censura ou numa
medida estruturante.
O 28.º Congresso
não foi propriamente um episódio demonstrativo da mui sã convivência
intrapartidária. Com efeito, não constituem bom exemplo de boa relação intra e
extrapartidária os remoques de incompetência à líder cessante, que professou
ter feito tudo o que pôde e soube – o que os resultados desmentem, pelo que
desistiu da liderança –, a gratidão piegas à ex-líder por parte de outros congressistas,
as vergastadas interpessoais de Pires de Lima a Francisco dos Santos, com os
subsequentes apupos ao ex-ministro da Economia, a reprimenda de alguém aos
apupantes, pois não se vaia um ex-ministro que tirou Portugal da bancarrota (fenómeno
discutível, sobretudo se aplicado a Pires de Lima, que foi ministro só depois
da “irrevogável” de Paulo Portas),
a designação de “quadrilha” lançada por Francisco Rodrigues dos Santos à
esquerda mais radical ou “elitezinha gourmet” de esquerda que tem assento parlamentar
ou a crítica a Assunção Cristas por fazer oposição excessivamente palavrosa e empolgada
a Costa.
O certo
é que Francisco dos Santos conseguiu a desistência do candidato Lopo d’Ávila,
que fez seu vice-presidente, e virou de João Almeida, que será muito útil no
Parlamento, para si o apoiante António Carlos Monteiro, que fez também
vice-presidente, o que irritou João Almeida, que teve o apoio claro de Nuno
Melo. Note-se que todos os candidatos protestavam que não eram de continuidade.
Convenha-se que, neste aspeto, o líder eleito era o que tinha melhores credenciais,
pois, como é natural, a juventudes estão não raro contra a linha oficial partidária.
É caso
para perguntar se o explícito agradecimento que fez a vários congressistas de
destaque ou o ter batido à porta dos adversários para fazer listas são um sinal
eficaz de que vem aí a união do partido ou o que entende o líder por partido
sexy como quer que o CDS venha a ser pelo país fora. A união consistirá em
abrir as portas a Manual Monteiro relegando para a memória do esquecimento a
liderança de Paulo Portas e a sua democracia cristã, que o fez lançar linhas
vermelhas em matéria social aquando da troika? E como vai o líder conseguir a reconciliação
com todos os antigos presidentes do partido: Portas, Cristas, Ribeiro e Castro,
Adriano Moreira?
***
Para já,
o líder conservador que frequentou o Colégio Militar e integrou a direção do
Sporting (que
deixou para se candidatar à liderança do CDS), anuncia medidas como o plafonamento da Segurança
Social, a baixa do IRS, a redução da taxa social única e a redução do número de
escalões no IRS, bem como a sua posição sobre temas fraturantes como estar
contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo (que
prefere a designação de união de facto)
e a adoção por casais gay. Tudo em linha com a ideologia conservadora, se bem
que não exclusiva desta.
Porém, a
medida que me merece reparo pela sua incoerência é o plano de formação partidária
para “um grupo nacional coeso de autênticos ‘comandos’ do combate político”,
inspirado na máxima de São João Paulo II “Não
tenhais medo”. Assim, em torno do slogan
“Portugal sem medo”, o plano inclui, entre outras, sessões periódicas semanais para
abordagem de matérias como democracia cristã (DC) e doutrina social da Igreja (DSI). E propõe formação especializada
em apologética (defesa verbal),
lógica para uma boa argumentação, oratória assertiva para políticos, discursos
convergentes e convincentes, domínio nos encontros jornalísticos e debates.
Tudo certo,
porque necessário politicamente para bem da definição e implantação de
políticas públicas. Contudo, parece esquecer-se de que foi o socialismo democrático
(outra
face da socialdemocracia)
e a democracia cristã que pacificaram a Europa e criaram nela um surto de
progresso, ora estiolado pelo advento do incontornável ultraliberalismo que
enveredou pela riqueza baseada em produtos financeiros e especulativos e
implantou, sem alternativa, a economia estribada nos baixos salários, aprofundando
as desigualdades económicas e sociais.
E, se
falarmos em DSI, resta saber se o líder pensa que pode invocar para a causa da
direita o Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, as encíclicas Rerum
Novarum (de Leão XIII),
Quanta Cura (de
Pio IX), Quadragesimo anno (de
Pio XI), Mater et Magistra, Pacem in Terris (ambas de São João XXIII), Populorum Progressio (de São Paulo VI), Laborem Exercens, Sollicitudo
Rei Socialis, Centesimus Annus (as
três de São João Paulo II),
Caritas in Veritate (de
Bento XVI) e Laudato Si (de
Francisco); as
radiomensagens de Pio XII; a Carta Apostólica Octogesima
adveniens (de São Paulo VI); a exortação apostólica Evangelii
Gaudium (de Francisco); e os
recorrentes discursos de Francisco. Com efeito, equacionar o destino universal
dos bens, o papel social da propriedade privada, a função social da empresa, o
justo salário, a articulação da vida profissional com a vida familiar e pessoal
e a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa talvez não se coadunem
com a ideologia ultraliberal. Talvez se possa começar peça leitura do livro “Impacto da Doutrina Social da Igreja no
Trabalhador e no Empresário”, de Hermenegildo Moreira (Editorial Cáritas, 2016), e passar à leitura atenta do Compêndio
da Doutrina
Social da Igreja
Talvez haja um longo caminho a percorrer no contexto de
falência do Estado Social, dos Liberalismos, dos Socialismos e da dita 3.ª via!
Qual será o partido que se arrogará o ónus e o direito de se encarregar da DSI,
que não pode ser presa de nenhum partido político?
2020.01.27
– Louro de Carvalho
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