Pela morte e ressurreição de Jesus (o seu verdadeiro Batismo), tornámo-nos
filhos no Filho. Tanto assim é que, enquanto os anjos diziam às mulheres que O
procuravam no sepulcro que fossem dizer aos “seus discípulos” que Ele os
precederia na Galileia (cf Mt 28,7-8), Ele próprio,
aparecendo-lhes daí a instantes, lhes disse: “Não
temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.” (Mt 28,10).
Por isso, tal como se lê em modo pascal, ou seja, à
luz da ressurreição de Cristo, a perícopa de Atos dos Apóstolos (At10,34-38) assumida como 2.ª leitura da
Liturgia da Palavra da Festa da Batismo do Senhor, também se deve ler neste
modo o texto do 1.º canto do Servo de Javé (Is 42,1-4.6-7),
assumido como 1.ª leitura, e a perícopa do evangelho mateano que relata o
episódio do Batismo de Jesus no Jordão (Mt 3,13-17), tomado como proclamação evangélica da
Festa.
Na verdade, a ressurreição do Senhor, subsequente à
sua Paixão e Morte na Cruz, é a grande epifania de Deus que fez do Filho, que
depois de Ele se submeter ao Batismo pregado por João, o Messias Senhor, “o
Senhor de todos”. Com efeito, nesse Batismo de penitência e purificação, de que
não precisava, mas que recebeu para que se cumprisse “toda a justiça”, ou seja,
todo o plano de Deus, “Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” e, a começar pela Galileia,
andando por toda a Judeia, passava a fazer o bem e a curar todos os que eram
oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele. Por isso, Pedro passou a
compreender que “Deus não faz aceção
de pessoas, mas que, em qualquer povo, quem o teme e põe em prática
a justiça, lhe é agradável”. E, a sustentar esta compreensão da missão universal,
Pedro evocou os principais elementos do ministério messiânico de Jesus, prestes
a fazer o primeiro anúncio do Senhor de todos a um pagão a quem ia ministrar o
Batismo.
Já Isaías
profetizava, em nome do Senhor, a propósito do servo que escolhera desde o seio
materno e que, sendo por Deus protegido, constituía o seu enlevo, a sua
complacência, o seu agrado. Por isso, fez repousar sobre Ele o seu espírito
para que “leve às nações a verdadeira justiça”.
E este enviado excecional de Deus tem caraterísticas igualmente excecionais de
mansidão e humildade; é um Messias pacífico, possuidor duma invencível força
interior, pois Ele protagonizará a revolução profunda a partir de dentro:
“Não gritará,
não levantará a voz, não clamará nas ruas. Não quebrará a cana rachada, não
apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira
justiça. Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito,
as leis que os povos das ilhas esperam dele.” (Is 42, 2b-4).
A sua
vocação e toda a proteção que o Senhor Lhe confere gravitam em torno do
desígnio divino: “fazer do servo a aliança dum povo e a luz das nações”, com a inefável
missão de: abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e
da prisão os que vivem nas trevas.
O Evangelho
de Mateus já não fala do servo eleito, mas do Filho muito amado. Anote-se o
percurso de Jesus da Galileia para o Jordão para ser batizado e recorde-se o
percurso de Jesus sinteticamente evocado por Pedro a seguir a esse Batismo.
Isto leva-nos
a pensar que há um caminho a percorrer para chegarmos ao Batismo. Neste aspeto,
como noutros, o Batismo de Jesus na água do Jordão (rio
que desagua no Mar Morto, cuja água passa por razões químico-climáticas à evaporação
ali) é paradigmático
do nosso. Temos de seguir um caminho para o Batismo e inaugurar uma nova
caminhada com ele, depois dele e por causa dele. E temos que o pedir. E, se não
formos nós a caminhar para ele e a pedi-lo, alguém tem de o fazer por nós: pais
e padrinhos. Mas é caminhada após o Batismo é a nossa, mas em comunidade.
O
Batismo de Jesus não é de purificação, só porque dela Ele não precisava, mas o
nosso é, embora muitos, quando o recebem, tenham pouco de que se purificar, mas
há sempre a apresentação da nossa condição humana limitada.
O Batismo
do Jordão é o início da caminhada messiânica para o evento fundante da Igreja,
da comunidade, do povo de redimidos – a Paixão e Morte de Jesus a desembocar na
ressurreição. Aqui há a semelhança com o Jordão que caminha para o Mar Morto
irmanando-se com os químicos que não deixam viver as águas, as plantas, os
peixes, mas em que as águas acabam por evaporar-se saindo do campo da morte e
voltando à atmosfera viva (evoca-se a ressurreição de Cristo e
a sua ascensão). E,
nós pelo Batismo, incorporamo-nos em Cristo, filho do Pai e rio de águas vivas,
recebemos a unção do Espírito Santo, Senhor e Fonte de Vida, como Cristo a
recebeu no Jordão e na cruz, assimilamo-nos a Cristo na morte, sepultura e
ressurreição e ascenderemos ao céu por graça divina.
“Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então
o céu abriu-se e Jesus viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo pousar sobre ele.
E do céu veio uma voz que dizia:
‘Este é o meu Filho amado, no qual me agradei (no qual me comprazi – ev
ô eudókêsa –, me enlevei, de quem me orgulho) (Mt 3,16-17).
Como em Isaías, o Espírito do Senhor repousou sobre Jesus. De
facto, o céu abriu-se. Pensavam os judeus que o céu estava fechado porque,
mercê dos pecados do povo, Deus abandonara o povo: não mandava profetas, nem juízes,
nem reis com poder – estavam subjugados ao império romano. Agora, com a
abertura do céu, mostra-se que Deus vem acompanhar o seu povo e tornar-se
presente e próximo. E quem corporiza essa presença é Aquele que recebeu o
Batismo de João. E Jesus reconhece o Espírito de Deus na pomba que desce e
repousa sobre Si próprio. É o Espírito que o unge para a missão profética,
sacerdotal e régia. Mas a teofania manifesta em Jesus e no Espírito Santo em
forma de pomba é sublimada com a audição da voz “Este é o meu Filho amado, no qual me agradei”. Só aqui e na
transfiguração é que se ouve a voz do Pai a clamar que Ele é o Filho. Mas Jesus
por várias vezes Se dirige ao Pai e do Alto da Cruz suplica: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). E, por fim, clama: “Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito” (Lc 23,46). É o Batismo na cruz – no sangue
e no Espírito.
Também aqui o Batismo jordânico é paradigmático do nosso
Batismo. Como a Jesus, sabemo-lo, o Pai nos considera filhos em quem se compraz
e o Espírito Santo nos unge para a missão de testemunhas e arautos de Deus no
mundo. Pelo Batismo somos membros dum povo de profetas, sacerdotes e
reis-pastores, pelo que não podemos ficar inertes e inermes no anúncio do
Evangelho, segundo a nossa condição de pessoas inseridas no mundo, na santificação
e oferta das nossas vidas em sacrifício a Deus e ao próximo e no cuidado dos outros
e da casa comum.
Temos de seguir as pegadas de Jesus: passar pelo mundo a
fazer o bem e a contribuir para a libertação dos oprimidos pelos demónios,
sejam eles anjos malditos, sejam homens perversos.
Mais: a filiação divina com que somos prendados pela
irmanação com Jesus é fruto do amor de Deus infinito, que não acontece porque O
amamos, nem porque Ele precise do nosso amor, mas porque Ele é amor e a
liberalidade do seu amor não tem limites.
Mas o amor de Deus é um desafio para nós. Devemos amá-Lo
porque Ele ama primeiro, porque merece, porque Se compraz no amor e se compraz
na boa sorte dos filhos, “filhos no Filho”.
2020.01.12 – Louro de Carvalho
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