domingo, 12 de janeiro de 2020

Filhos em quem o Pai pôs toda a sua complacência


Pela morte e ressurreição de Jesus (o seu verdadeiro Batismo), tornámo-nos filhos no Filho. Tanto assim é que, enquanto os anjos diziam às mulheres que O procuravam no sepulcro que fossem dizer aos “seus discípulos” que Ele os precederia na Galileia (cf Mt 28,7-8), Ele próprio, aparecendo-lhes daí a instantes, lhes disse: “Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.(Mt 28,10).
Por isso, tal como se lê em modo pascal, ou seja, à luz da ressurreição de Cristo, a perícopa de Atos dos Apóstolos (At10,34-38) assumida como 2.ª leitura da Liturgia da Palavra da Festa da Batismo do Senhor, também se deve ler neste modo o texto do 1.º canto do Servo de Javé (Is 42,1-4.6-7), assumido como 1.ª leitura, e a perícopa do evangelho mateano que relata o episódio do Batismo de Jesus no Jordão (Mt 3,13-17), tomado como proclamação evangélica da Festa.
Na verdade, a ressurreição do Senhor, subsequente à sua Paixão e Morte na Cruz, é a grande epifania de Deus que fez do Filho, que depois de Ele se submeter ao Batismo pregado por João, o Messias Senhor, “o Senhor de todos”. Com efeito, nesse Batismo de penitência e purificação, de que não precisava, mas que recebeu para que se cumprisse “toda a justiça”, ou seja, todo o plano de Deus, “Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” e, a começar pela Galileia, andando por toda a Judeia, passava a fazer o bem e a curar todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele. Por isso, Pedro passou a compreender que “Deus não faz aceção de pessoas, mas que, em qualquer povo, quem o teme e põe em prática a justiça, lhe é agradável”. E, a sustentar esta compreensão da missão universal, Pedro evocou os principais elementos do ministério messiânico de Jesus, prestes a fazer o primeiro anúncio do Senhor de todos a um pagão a quem ia ministrar o Batismo.
Já Isaías profetizava, em nome do Senhor, a propósito do servo que escolhera desde o seio materno e que, sendo por Deus protegido, constituía o seu enlevo, a sua complacência, o seu agrado. Por isso, fez repousar sobre Ele o seu espírito para que “leve às nações a verdadeira justiça”. E este enviado excecional de Deus tem caraterísticas igualmente excecionais de mansidão e humildade; é um Messias pacífico, possuidor duma invencível força interior, pois Ele protagonizará a revolução profunda a partir de dentro: 
Não gritará, não levantará a voz, não clamará nas ruas. Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito, as leis que os povos das ilhas esperam dele.” (Is 42, 2b-4).
A sua vocação e toda a proteção que o Senhor Lhe confere gravitam em torno do desígnio divino: “fazer do servo a aliança dum povo e a luz das nações”, com a inefável missão de:  abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão os que vivem nas trevas.
O Evangelho de Mateus já não fala do servo eleito, mas do Filho muito amado. Anote-se o percurso de Jesus da Galileia para o Jordão para ser batizado e recorde-se o percurso de Jesus sinteticamente evocado por Pedro a seguir a esse Batismo.
Isto leva-nos a pensar que há um caminho a percorrer para chegarmos ao Batismo. Neste aspeto, como noutros, o Batismo de Jesus na água do Jordão (rio que desagua no Mar Morto, cuja água passa por razões químico-climáticas à evaporação ali) é paradigmático do nosso. Temos de seguir um caminho para o Batismo e inaugurar uma nova caminhada com ele, depois dele e por causa dele. E temos que o pedir. E, se não formos nós a caminhar para ele e a pedi-lo, alguém tem de o fazer por nós: pais e padrinhos. Mas é caminhada após o Batismo é a nossa, mas em comunidade.
O Batismo de Jesus não é de purificação, só porque dela Ele não precisava, mas o nosso é, embora muitos, quando o recebem, tenham pouco de que se purificar, mas há sempre a apresentação da nossa condição humana limitada.
O Batismo do Jordão é o início da caminhada messiânica para o evento fundante da Igreja, da comunidade, do povo de redimidos – a Paixão e Morte de Jesus a desembocar na ressurreição. Aqui há a semelhança com o Jordão que caminha para o Mar Morto irmanando-se com os químicos que não deixam viver as águas, as plantas, os peixes, mas em que as águas acabam por evaporar-se saindo do campo da morte e voltando à atmosfera viva (evoca-se a ressurreição de Cristo e a sua ascensão). E, nós pelo Batismo, incorporamo-nos em Cristo, filho do Pai e rio de águas vivas, recebemos a unção do Espírito Santo, Senhor e Fonte de Vida, como Cristo a recebeu no Jordão e na cruz, assimilamo-nos a Cristo na morte, sepultura e ressurreição e ascenderemos ao céu por graça divina.       
“Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então o céu abriu-se e Jesus viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo pousar sobre ele. E do céu veio uma voz que dizia:Este é o meu Filho amado, no qual me agradei (no qual me comprazi – ev ô eudókêsa –, me enlevei, de quem me orgulho) (Mt 3,16-17).
Como em Isaías, o Espírito do Senhor repousou sobre Jesus. De facto, o céu abriu-se. Pensavam os judeus que o céu estava fechado porque, mercê dos pecados do povo, Deus abandonara o povo: não mandava profetas, nem juízes, nem reis com poder – estavam subjugados ao império romano. Agora, com a abertura do céu, mostra-se que Deus vem acompanhar o seu povo e tornar-se presente e próximo. E quem corporiza essa presença é Aquele que recebeu o Batismo de João. E Jesus reconhece o Espírito de Deus na pomba que desce e repousa sobre Si próprio. É o Espírito que o unge para a missão profética, sacerdotal e régia. Mas a teofania manifesta em Jesus e no Espírito Santo em forma de pomba é sublimada com a audição da voz “Este é o meu Filho amado, no qual me agradei”. Só aqui e na transfiguração é que se ouve a voz do Pai a clamar que Ele é o Filho. Mas Jesus por várias vezes Se dirige ao Pai e do Alto da Cruz suplica: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem(Lc 23,34). E, por fim, clama: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito(Lc 23,46). É o Batismo na cruz – no sangue e no Espírito.
Também aqui o Batismo jordânico é paradigmático do nosso Batismo. Como a Jesus, sabemo-lo, o Pai nos considera filhos em quem se compraz e o Espírito Santo nos unge para a missão de testemunhas e arautos de Deus no mundo. Pelo Batismo somos membros dum povo de profetas, sacerdotes e reis-pastores, pelo que não podemos ficar inertes e inermes no anúncio do Evangelho, segundo a nossa condição de pessoas inseridas no mundo, na santificação e oferta das nossas vidas em sacrifício a Deus e ao próximo e no cuidado dos outros e da casa comum.
Temos de seguir as pegadas de Jesus: passar pelo mundo a fazer o bem e a contribuir para a libertação dos oprimidos pelos demónios, sejam eles anjos malditos, sejam homens perversos.
Mais: a filiação divina com que somos prendados pela irmanação com Jesus é fruto do amor de Deus infinito, que não acontece porque O amamos, nem porque Ele precise do nosso amor, mas porque Ele é amor e a liberalidade do seu amor não tem limites.
Mas o amor de Deus é um desafio para nós. Devemos amá-Lo porque Ele ama primeiro, porque merece, porque Se compraz no amor e se compraz na boa sorte dos filhos, “filhos no Filho”.
2020.01.12 – Louro de Carvalho  

Sem comentários:

Enviar um comentário