quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Parlamento Europeu acaba de aprovar o novo acordo do Brexit


Numa votação inequívoca, os eurodeputados disseram hoje, dia 29 de janeiro, “sim” ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Brexit.
A aprovação do acordo do Brexit por esmagadora maioria (621 eurodeputados a favor, 49 contra e 13 abstenções) deixou os parlamentares britânicos pró-europeus isolados na oposição. 
Esta votação ocorreu uma semana depois de a rainha Isabel II ter promulgado a lei que formaliza a saída do Reino Unido da UE, horas após a sua aprovação no Parlamento britânico e depois de a comissão do Parlamento Europeu responsável pelo dossier do Brexit ter votado a favor do acordo, com larga maioria (23 votos a favor e três contra). E o último passo para a concretização do Brexit foi dado na tarde de hoje tarde, como estava previsto.
O Brexit foi decidido pelos britânicos, por referendo, no verão de 2016 e o processo provocou uma crise política devido ao impasse no Parlamento britânico, que rejeitou três vezes o acordo negociado pela ex-primeira-ministra Theresa May. Face a este bloqueio, o Brexit chegou mesmo a ser adiado, tendo sido fixado como novo prazo as 23 horas de 31 de janeiro deste ano.
Com a aprovação do acordo no Parlamento britânico, a promulgação da lei pela rainha e a aprovação no Parlamento Europeu, estão reunidas as condições para no próximo dia 1 de fevereiro arrancar o “período de transição”, que vai até 31 de dezembro deste ano. Durante este período, o Reino Unido mantém-se, na prática, dentro do mercado único, obrigado a respeitar as regras europeias, mas sem representação nas instituições e sem participação nas decisões. O escopo é evitar uma mudança repentina, dando tempo a que empresas e cidadãos se adaptem. Por isso, é um tempo em que as duas partes, Reino Unido e UE, negociarão a relação futura.
Também no dia 1 de fevereiro, em virtude de o Reino Unido se tornar num país terceiro, abrirá a delegação da União Europeia no Reino Unido, que será encabeçada pelo diplomata português João Vale de Almeida.
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Neste dia de despedida dos eurodeputados britânicos – “dia histórico” para uns, “triste” para outros, com algumas lágrimas no hemiciclo, nomeadamente de eurodeputados britânicos que eram contra o Brexit – cantou-se a música “Auld Lang Syne”, sobre um poema escocês de Robert Burns em 1788 que foi adaptado a uma música popular de despedida que é muitas vezes cantada para comemorar o início do Ano Novo nos países de língua inglesa (A versão portuguesa começa com: “Chegou a hora do adeus/Irmãos, vamos partir.).
No início do debate (de duas horas), Guy Verhofstadt, eurodeputado belga e presidente do grupo de contacto durante as negociações do Brexit, agradeceu o trabalho do francês Michel Barnier, principal negociador europeu, disse que os eurodeputados britânicos trouxeram “charme, humor, inteligência (alguns deles)” ao Parlamento Europeu e deixarão saudades e vincou:
“A votação de hoje não é uma votação a favor ou contra o Brexit. É uma votação em relação a um Brexit organizado em vez de um voto duro, selvagem. Se fosse uma questão de votar para travar o Brexit estaria aqui a pedir-vos para o fazermos. (…) É triste ver sair um país que por duas vezes nos libertou, que por duas vezes deu o próprio sangue para libertar a Europa.”.
Depois de questionar como, mais de 40 anos depois de por 70% terem votado a favor da adesão à família europeia, decidiram sair do projeto europeu, Verhofstadt frisou, em relação ao alegado medo de perda da soberania, que os europeus perderam a sua soberania há muito e que a Europa é uma maneira de manter a soberania nos próximos anos frente a um mundo completamente dominado por potências como a China, a Índia, os EUA e com problemas transnacionais. E, sobre a alegada culpa da imigração, o eurodeputado belga lembrou os médicos e enfermeiras que trabalham no serviço nacional de saúde britânico e que pagam impostos como os outros.
No encalço do Brexit, que se iniciou quando a UE começou a ceder com David Cameron, pediu uma reforma da União Europeia, sem direitos de veto e votações por unanimidade, e concluiu que “esta votação não é adeus, é apenas um até mais ver”.
Em nome do Conselho, a croata Nikolina Brnjac sustentou que “a saída do Reino Unido dará início a um período de transição curto” e que a UE tem que estar preparada para todas as circunstâncias até e depois de 31 de dezembro.
Por seu turno, a presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, prestou homenagem a todos os britânicos que deram uma contribuição importante para a integração europeia e declarou:
Como presidente da Comissão Europeia, antes de mais, quero prestar tributo a todos os britânicos que contribuíram tanto durante quase meio século de pertença do Reino Unido à UE, e penso em todos aqueles que nos ajudaram a criar as nossas instituições, pessoas como o comissário Arthur Cockfield, conhecido como o ‘pai’ do nosso Mercado Único, ou Roy Jenkins, presidente da Comissão Europeia, que fez tanto para abrir caminho à nossa moeda única”.
Von der Leyen apontou que o acordo é o “primeiro passo” e que agora começam as negociações para “nova parceria” e nova amizade. E, no atinente ao futuro acordo comercial, lembrou que se querem “tarifas zero e quotas zero”, mas com a condição de as empresas europeias e britânicas continuarem a competir em plano de igualdade, pelo que “vamos dedicar toda a nossa energia, todos os dias, 24 horas por semana, para conseguir resultados” (indicou Von der Leyen).
Por seu turno, Nigel Farage, líder do Partido do Brexit, tomou a palavra para dizer que este é o “capítulo final, o final do caminho” e lembrar que os pais queriam um mercado único, “não bandeiras, hinos ou presidentes”, observando que o Reino Unido está a chegar ao ponto de que não há regresso. Referiu que franceses e holandeses votaram em referendo contra o Tratado de Maastricht, sendo-lhes depois imposto o Tratado de Lisboa, sem referendos; e que, depois de os irlandeses terem votado na mesma e rejeitado esse tratado, foram obrigados a votar novamente.  
No final do debate, Michel Barnier, o principal negociador europeu, assegurou que é preciso respeitar o resultado do referendo britânico e que o objetivo do seu trabalho foi dar resposta a todos aqueles que ficaram assustados com toda a incerteza que marca qualquer divórcio. Em relação ao futuro e às negociações sobre a relação entre Reino Unido e UE, disse: 
Vamos continuar este ano com o mesmo estado de espírito, defendendo com a maior firmeza os interesses quer da União Europeia, quer dos Estados-membros”.
Por outro lado, alertou para a necessidade de enfrentar as consequências do Brexit, assegurando que “podemos ser patriotas e europeus”, pois “a questão europeia só dá mais relevo ao patriotismo nacional”. Por fim, desejou as maiores felicidades ao Reino Unido.
O representante do Reino Unido na UE, Tim Barrow (futuro embaixador do Reino Unido para a União Europeia), entregou durante a manhã no Conselho Europeu o documento oficial que mostrava que Londres tinha cumprido todas as obrigações legais para sair da UE, mais de três anos depois de os britânicos terem votado nesse sentido no referendo do Brexit de 23 de junho de 2016. E, após 47 anos de uma relação por vezes difícil, a saída do Reino Unido será assinalada de forma sóbria em Bruxelas, sem cerimónia oficial do retirar da bandeira britânica. Um exemplar da “Union Jack” ficará no Museu de História Europeia (Bruxelas). E os eurodeputados britânicos que são a favor do Brexit, liderados por Nigel Farage, têm em agenda uma festa.
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Por fim, é conveniente passar os olhos pelos pontos essenciais do acordo do Brexit, que evita rutura e consequências, e que são basicamente os seguintes:
- Permissão duma separação pacífica, através dum período de transição no qual o Reino Unido e a UE negociarão um relacionamento futuro ao nível de comércio e áreas relevantes como a segurança, educação ou investigação científica;
- Período de transição ou Período de Implementação, que mantém na prática o Reino Unido no mercado único, com a obrigação de respeitar as regras europeias, mas sem estar representado nas instituições de Bruxelas nem participar nas decisões;
- Acautelamento dos direitos dos cidadãos, sendo que os 3,5 milhões de europeus no Reino Unido e 1,2 milhões de britânicos a residir no continente mantêm o direito a estudar, trabalhar, a receber apoios sociais e ao reagrupamento familiar nos respetivos países de residência;
- Compensação financeira, pela qual o Reino Unido se obriga a honrar os compromissos assumidos no atual orçamento plurianual (2014-2020), que também abrange o período de transição, cuja fatura ronda os 30 mil milhões de euros, beneficiando, em contrapartida, dos fundos estruturais europeus e da política agrícola comum até ao final do período de transição;
- Solução do caso da Irlanda do Norte, nos termos da qual se mantém aquela província britânica no território aduaneiro do Reino Unido, sendo que, se produtos de países terceiros entrarem na Irlanda do Norte e se permanecerem lá, será aplicada a tabela aduaneira britânica e, se essas mercadorias se destinarem a entrar na UE, via Irlanda do Norte, as autoridades britânicas terão de aplicar as taxas aduaneiras da UE (a província permanece alinhada num conjunto limitado de regras da UE para evitar a fronteira física com a República da Irlanda, membro da UE, que poderia reacender o conflito na Irlanda do Norte, o que implica uma série de controlos entre a província e o resto do Reino Unido); e
- Futuro relacionamento, nos termos do qual, por indicação de Boris Johnson, a Declaração Política que acompanha o acordo e que contém orientações para as futuras relações entre o Reino Unido e UE, especifica que as duas partes, em vez de uma “zona de comércio livre”, pretendem negociar um “acordo de comércio livre abrangente, com tarifas zero, acompanhado por uma parceria ampla e ambiciosa de segurança e cooperação em áreas como a investigação [científica]”, mas vincando que vai terminar a liberdade de circulação.
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Enfim, Boris Johnson conseguiu a proeza que Theresa May não conseguiu em prol do seu país, pois não logrou vencer a resistência de figuras marcantes no Parlamento britânico incluindo muitos parlamentares do seu próprio partido, apesar da boa vontade da UE. E, assim, temos realizada a vontade maioritária dos cidadãos eleitores britânicos para o bem e para o mal.
2020.01.29 – Louro de Carvalho

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