segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Falta de transparência ou cartada na manga?



Começou o debate sobre a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2020 e as contas do Governo não batem certo nem com a oposição nem com a UTAO.
Que a oposição conteste as contas do Executivo é mais que normal porquanto há objetivos orçamentais e políticos diferentes, embora tanto os caminhos da direita como os do partido do Governo, se não fossem algumas pressões das esquerdas para o OE2020 poder passar acabariam por ir dar ao mesmo: consonância com a UE e o Eurogrupo. Porém, a UTAO (Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento) dispôs-se a fazer contas e diz que há 255 milhões de receita “escondida” e mais 4 dúvidas que Centeno não esclareceu aos técnicos do da Assembleia da República (AR).
Admite a UTAO que a meta de excedente de 0,2% pode estar subavaliada. Não está incluída a verba de 255 milhões do lado da receita, em resultado de medidas antigas, tomadas até 2019, por efeito de remunerações mais altas no Estado (houve, com efeito, aumento do salário mínimo e valorização de remuneração dos funcionários públicos por via do descongelamento das carreiras). E dizem os técnicos que isto constitui significativa falta de transparência, que não se fica por aqui.
Os técnicos da AR refizeram as contas a medidas de política antiga e nova e somaram 255 milhões de euros à receita total de 2020. Por isso, o excedente anunciado pelo Ministro de Estado e das Finanças deverá afinal ser maior dos que os 533 milhões de euros, que correspondem a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, a UTAO continua com dúvidas sobre as novas medidas, também do lado da despesa, com impacto orçamental em 2020 e sublinha que “a omissão” da sua classificação por parte do Ministério das Finanças causa “estranheza”. Entre elas, estão a despesa na saúde, os investimentos estruturantes em vários setores, bem como novas contribuições especiais, como a criada sobre os dispositivos médicos.
Mas a grande diferença detetada está toda do lado da receita e resulta na sua maior parte do efeito de transferência de impactos para este ano de medidas já tomadas e que representa 245 milhões de euros. É um valor que acrescenta uma décima do PIB à meta do excedente orçamental, que subirá para 0,3%.
Na verdade, “remunerações mais elevadas (em 645 milhões de euros) naturalmente farão entrar na conta das administrações públicas um fluxo adicional de IRS, contribuições patronais e dos trabalhadores para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações”. No entanto, do lado da receita, as colunas recebidas do Ministério das Finanças não mencionaram qualquer valor relacionado com valorizações remuneratórias”.
Esta é apenas uma das questões que suscitaram pedidos de esclarecimento às Finanças. Mas há, como se disse, dúvidas que ficaram por explicar:
- Identificação das rubricas da receita e da despesa onde as Finanças pretendem concentrar a não execução de 590 milhões de euros, em contabilidade pública, medida indispensável para garantir a meta de 0,2% do PIB em contabilidade nacional, sendo que a falta destes elementos afetou a comparação, rubrica a rubrica, entre a execução estimada e a execução prevista.
- Justificação para a omissão de iniciativas políticas, anunciadas pelo Governo com destaque público, na lista quantificada de medidas novas de política orçamental (reforços na saúde, novas contratações no Estado e investimentos estruturantes), sendo que a ausência da justificação prejudicou a avaliação da contribuição das medidas novas na passagem do cenário de políticas invariantes à conta previsional das administrações públicas em 2020.
- Esclarecimentos sobre a natureza duma despesa de 60 milhões de euros atinente à privatização do BPN, atual EuroBic, sendo que, de acordo com a resposta, esta despesa deveria ou não ser acrescida à lista de medidas de política com efeito orçamental temporário e/ou não recorrente.
 - Contrapartida na receita do IRS e da Segurança Social/Caixa Geral de Aposentações e ADSE das medidas de política remuneratória para os trabalhadores do Estado (aumento de salário mínimo e descongelamento de carreiras), sem o que a UTAO estimou o montante dessas contrapartidas, usando o mesmo método que as Finanças têm usado.
- E cativações estimadas em 2019 e previstas para 2020, sendo que as Finanças aduzem que não têm neste momento os valores relativos às dotações iniciais e os montantes entretanto libertados com autorização expressa do gabinete de Centeno, no quadro do que descreve como “instrumentos de racionamento da tesouraria” – elementos cuja falta prejudicou a extensão a 2019 e 2020 da avaliação do impacto destes instrumentos desde 2014.
Além destas omissões, outras havia que foram sendo corrigidas, designadamente com a disponibilização dum anexo ao relatório do OE2020 com a descrição detalhada das despesas da administração central e com a identificação das almofadas financeiras, como a reserva orçamental e a dotação provisional.
Os técnicos tentaram obter mais esclarecimentos e dão o “benefício da dúvida” de que as verbas foram orçamentadas corretamente em contabilidade nacional.  Neste pressuposto, concluem – não sei com base em quê – estarem inscritas no cenário de políticas invariantes, mas integradas no conjunto de medidas antigas com efeitos permanentes. Não obstante, os técnicos da AR não conseguem esclarecer em que rubricas dos classificadores económicos estão inscritas. Por outro lado, a UTAO considera que, apesar dessa receita não detalhada que pode reforçar o saldo deste ano, o contributo para a consolidação orçamental das novas medidas de política é negativo pela primeira vez nos últimos 5 anos. O contributo para o agravamento do saldo é de 121 milhões de euros, o que não deixa de relevar por sucederem no ano em que se prevê a chegada” ao objetivo de excedente.
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Por seu turno, o Ministro das Finanças considerou “totalmente ilegítima” a dúvida da UTAO sobre suborçamentação das receitas na proposta do Orçamento, explicando:
A despesa com pessoal na administração pública cresce 3,6% em termos nominais e as contribuições sociais crescem 5,7%, crescem mais do que os salários na administração pública, ou seja, a repercussão na receita de contribuições sociais daquilo que é a evolução das remunerações da administração pública está obviamente feita na projeção macroeconómica do cenário que apresentámos.
Segundo o governante, a mesma coisa se passa nas projeções de receitas do IRS, pelo que é totalmente ilegítimo dizer que não estão refletidas as remunerações nessa conta”, bastando “perceber que os agregados crescem mais do que é o crescimento das despesas com pessoal na administração pública.
Será que Centeno, com esta explicação não estará com algo na manga para assegurar o “outro grau de liberdade” que o OE2020 ganha até, por exemplo, para maior investimento na saúde? Não estará a jogar como Costa (com o pedido IVA escalonado na eletricidade junto da UE) para caçar o voto favorável ou a abstenção da esquerda no OE2020?
2020.01.06 – Louro de Carvalho

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