sábado, 25 de janeiro de 2020

É preciso invocar incessantemente o dom da unidade entre os cristãos


O Santo Padre concluiu, na tarde deste dia 25 de janeiro, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, com a celebração das Vésperas da Conversão de São Paulo, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, celebração que reuniu representantes de diversas Igrejas e comunidades eclesiais. Na homilia, o Pontífice encorajou a “juntos, sem nunca nos cansarmos, continuar a rezar para invocar a Deus o dom da plena unidade entre nós”. E fê-lo no âmbito do tema de reflexão proposto para este ano, o da hospitalidade, sintetizado no versículo “Eles mostraram-nos uma benevolência fora do comum(cf At 28,2), proposto e desenvolvido pelas Igrejas cristãs de Malta e Gozo, a partir do capítulo do Livro dos Atos dos Apóstolos que trata do argumento de gentileza e humanidade com que Paulo e os companheiros foram recebido na ilha Malta.

Apropriando-se da metáfora da viagem paulina, diz o Papa que é a “nossa viagem ecuménica” conduzida à unidade que Deus tanto deseja, viagem feita por “fracos e vulneráveis” e com pouco materialmente para oferecer, mas que “alicerçam a própria riqueza em Deus”, como as comunidades cristãs:
Mesmo as menores e menos relevantes aos olhos do mundo fazem a experiência do Espírito Santo, vivem o amor a Deus e ao próximo, têm uma mensagem a oferecer a toda a família cristã. Pensemos nas comunidades cristãs marginalizadas e perseguidas. [...] Enquanto discípulos de Jesus, devemos, portanto, estar atentos a não nos deixarmos atrair por lógicas mundanas, mas colocar-nos à escuta dos pequenos e dos pobres, porque Deus gosta de enviar as suas mensagens por meio deles, que mais se assemelham ao seu Filho feito homem.”.
Outro aspeto abordado por Bergoglio leva-nos à prioridade de Deus que é a salvação de todos, como aconteceu  no naufrágio de Paulo, quando cada um contribuiu para a salvação de todos:
É um convite a não nos dedicarmos exclusivamente às nossas comunidades, mas a abrirmo-nos ao bem de todos, ao olhar universal de Deus, que se encarnou para abraçar todo o género humano e que morreu e ressuscitou para a salvação de todos. Se, com a sua graça, assimilamos a sua visão, podemos superar as nossas divisões. [...] Também entre os cristãos, cada comunidade tem um dom para oferecer aos outros. Quanto mais olharmos para além dos interesses de parte e superarmos as heranças do passado no desejo de avançar em direção a um ancoradouro comum, mais seremos capazes de espontaneamente reconhecer, acolher e compartilhar esses dons.”.
E Francisco lembrou como os habitantes de Malta acolheram Paulo e companheiros, com gentileza e benevolência, explicitando que “o fogo aceso na praia para aquecer os náufragos é um belo símbolo do calor humano que inesperadamente nos rodeia”. E acrescentou:
Desta Semana de Oração, gostaríamos de aprender a ser mais hospitaleiros, antes de tudo entre nós, cristãos, também entre irmãos de diferentes confissões. A hospitalidade pertence à tradição das comunidades e das famílias cristãs. Os nossos idosos ensinaram-nos com o exemplo, que à mesa de uma casa cristã sempre há um prato de sopa para o amigo de passagem ou para o necessitado que bate à porta.”.
Por fim, o Papa exortou a não perdermos esses costumes que são do Evangelho e devem ser reavivados. E, ao saudar representantes das diversas Igrejas, o Pontífice finalizou:
Juntos, sem nunca nos cansarmos, continuemos a rezar para invocar a Deus o dom da plena unidade entre nós”.
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Costumamos fundamentar a urgência da Unidade na oração sacerdotal de Jesus (vd cap. 17 de João), que rogou ao Pai que sejamos um só como Ele e o Pai o são para que o mundo creia. Porém, bem podemos colher a lição da conversão de Paulo (nome latino por ser cidadão romano), o apóstolo dos gentios e das nações, nascido em Tarso da Cilícia (atual Turquia), judeu de nação pertencente à tribo de Benjamim, de pai pertencente ao grupo dos fariseus. Tarso era um município romano, pelo que Paulo recebeu o título de cidadão romano. Foi neste ambiente, em meio a tantos títulos e adversidades, que foi crescendo e buscando a Palavra de Deus.
Combatente dos vícios, foi um homem fiel a Deus. Entretanto, foi estudar na escola de Gamaliel, em Jerusalém, para aprofundar o conhecimento da lei, buscando colocá-la em prática.
Foi em Jerusalém que tomou contacto com o Cristianismo, tido como uma seita. Tornou-se um grande inimigo dessa religião e dos seus seguidores desta. Assim, aquando do apedrejamento de Estêvão, o primeiro mártir da Igreja, Paulo segurou as capas dos que o apedrejavam, em atitude de aprovação. Autorizado pelos chefes, procurava identificar cristãos, prendê-los e violentá-los, pois era preciso para acabar com o Cristianismo. E fazia tudo isso para agradar a Deus.
Como se refere no capítulo 9 de Atos, “Saulo (era o nome grego por que era chamado a princípio) só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. Durante a viagem, estando já em Damasco, subitamente o cercou uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’. E Saulo pergunta: ‘Quem és, Senhor?’. E a voz respondeu: ‘Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão’. Trémulo e atónito, disse Saulo: ‘Senhor, que queres que eu faça?’. Respondeu-lhe o Senhor: ‘Levanta-te, entra na cidade, aí te será dito o que deves fazer. E, depois de permanecer na casa dum judeu chamado Judas, sem comer nem beber, instruído por Ananias, um cristão comum, mas dócil ao Espírito Santo, recebeu o Batismo. Na verdade, Ananias, a pedido de Cristo, foi ao encontro de Saulo, que recuperou a vista e se converteu e passou a pregar nas sinagogas sobre o Filho de Deus, com grande espanto de seus ouvintes. Assim, o antigo perseguidor se tornou apóstolo e foi eleito por Deus como um dos principais instrumentos para a conversão do mundo.
Muitos não acreditaram na sua mudança, mas ele perseverou e abriu-se à vontade de Deus, pelo que se tornou um grande apóstolo da Igreja, modelo de todos os cristãos.
O período que vai do ano 45 ao 57 foi o mais ativo e frutífero da sua vida. Compreende três grandes expedições apostólicas de que Antioquia foi o ponto de partida e que terminaram por uma visita à Jerusalém. Os restos do apóstolo repousam na Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, o templo maior depois da Basílica de São Pedro.
Se todos os cristãos que rezam pela Unidade soubessem perguntar como Paulo “Senhor, que queres que eu faça?”, a Unidade teria já talvez ganhado foros teológicos e pastorais entre as diversas Igrejas cristãs, embora sempre em perigo, mas sempre almejada.
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Não obstante, a paciência de Deus espera por nós. Desde há 112 anos que, de 18 a 25 de janeiro, se celebra a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, iniciativa ecuménica instituída em 1908 por Paul Wattson, em Graymoor (Nova Iorque), entre a festa da cátedra de São Pedro (que passou para 22 de fevereiro) e a da conversão de São Paulo, mas que, no hemisfério sul se celebra nas proximidades do Pentecostes. A iniciativa teve um preâmbulo em 1740, na Escócia: um pregador evangélico-pentecostal convidou para um dia de oração pela unidade. O mesmo convite foi dirigido pela primeira assembleia dos bispos anglicanos em Lambeth (1867) e pelo Patriarca ecuménico de Constantinopla, Joaquim III (1902). Em 1894, o Papa Leão XIII encoraja uma “Oitava de oração pela unidade”. A Igreja católica, com o Concílio Vaticano II, evidencia a oração como alma do Movimento ecuménico, sendo a unidade dom (de Deus) e tarefa (nossa).
Em 1966, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e a Comissão Fé e Constituição do Conselho Ecuménico das Igrejas acertaram em preparar em conjunto os textos oficiais para a Semana de Oração, trabalho confiado, há mais de 30 anos, a um grupo ecuménico local sempre diferente.
Os materiais para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 2020 foram preparados pelas Igrejas cristãs em Malta e Gozo (Cristãos Unidos em Malta) sob o tema “Eles mostraram-nos uma benevolência fora do comum” (cf At 28,2). A história começou com Paulo a ser levado a Roma como prisioneiro (At 27,1ss). Porém, mesmo numa viagem que se torna perigosa, a missão de Deus continua através dele. E ele e companheiros são recebidos hospitaleiramente, embora depois de se ter verificado a necessidade de alijar cargas para que as embarcações não soçobrassem e dividir em grupos os passageiros, sendo que se levantou a voz de Paulo para acalmar a todos e testemunhar a bonança em Jesus Cristo. E são recebidos pelos habitantes locais, não lhes faltando nada: comida, bebida, fogo, agasalhos e alojamento provisório.
Por causa da sua fé, Paulo confia que se erguerá ante o imperador em Roma e que se pode erguer ante os seus companheiros de viagem e dar graças a Deus. Seguindo o exemplo de Paulo, partilham o pão, unidos numa nova esperança e confiantes nas suas palavras.
Tal como Paulo e companheiros se confiaram à divina providência, também desta vez os cristãos de Malta e Gozo entregam à divina providência a questão da unidade, sabendo que isto “vai exigir deixar de lado muitas coisas a que estamos profundamente ligados”. Porém, o que importa para Deus é a salvação de todas as pessoas. E aplicam aos tempos hodiernos os lugares e as vicissitudes mencionados no texto dos Atos, que também fazem parte das histórias de migrantes dos tempos modernos. Muitos estão a fazer jornadas perigosas por terra e pelo mar para escapar de desastres naturais, guerra e pobreza. As suas vidas estão expostas a imensas e friamente indiferentes forças – naturais, políticas, económicas e humanas – indiferença humana que assume várias formas: a dos que vendem lugares em barcos inadequados para pessoas desesperadas; a que leva à decisão de não enviar barcos de socorro; a que faz mandar embora barcos de imigrantes. E tudo isto nos desafia a nós como cristãos unidos que encaramos as dramáticas crises da migração. Na verdade, a hospitalidade é uma virtude muito necessária em nossa busca da unidade cristã, uma prática que nos leva a uma maior generosidade para os necessitados. As pessoas que foram benevolentes para com Paulo e companheiros não conheciam ainda Cristo, mas é através da benevolência que povos divididos vão ficando unidos.
Também a unidade cristã será descoberta não só mostrando hospitalidade de uns para os outros, mas também através de encontros amigáveis com os que não partilham a nossa língua, cultura ou fé, pois, como Paulo proclamará em Roma, a salvação de Deus foi enviada a todos os povos (cf At 28,28). Em viagens tempestuosas e encontros casuais, a vontade de Deus será cumprida.
As reflexões para os oito dias e a celebração foram baseadas no texto de Atos dos Apóstolos. E os temas são: 1.º dia – Reconciliação: Atirando a carga ao mar; 2.º dia – Iluminação: Buscando e apresentando a luz de Cristo; 3.º dia – Esperança: Mensagem de Paulo; 4.º dia – Confiança: Não tenha medo, creia; 5.º dia – Fortalecimento: Partilhando pão para a viagem; 6.º dia – Hospitalidade: Demonstre benevolência fora do comum; 7.º dia – Conversão: Mudando nossos corações e mentes; 8.º dia – Generosidade: Recebendo e dando.
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Espera-se que os cristãos e as comunidades cristãs tenham levado a peito esta Semana de Oração. Se não o fizeram, ainda estão a tempo, pois, segundo o espírito dos promotores, estes temas e dinâmica são para todo o ano. Os materiais podem ser colhidos em:
2020.01.25 – Louro de Carvalho 

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