Com o objetivo espelhado em epígrafe António
Costa está em visita oficial a Angola, com empresários e economistas a
valorizar a viagem, mas a pôr reservas ao combate do Presidente angolano João
Lourenço à corrupção.
Costa
foi recebido, a 17 de novembro, no aeroporto de Luanda pelo Ministro das
Relações Exteriores angolano, Manuel Augusto, com a ideia da rápida retoma dos
níveis anteriores a 2014 nas relações económicas e da normalização dos
contactos bilaterais político-diplomáticos. Com o Primeiro-Ministro, que se apresentou com roupa informal (o que provocou críticas por se
tratar de visita oficial e sem explicações do seu gabinete) viajaram os ministros dos
Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e da Agricultura, Capoulas Santos,
bem como os secretários de Estado Teresa Ribeiro (Negócios
Estrangeiros e Cooperação),
Eurico Brilhante Dias (Internacionalização) e Ricardo Mourinho Félix (Adjunto
e das Finanças).
Acompanham também o Chefe do Governo os presidentes dos conselhos de
administração da Lusa, Nicolau
Santos, e da RTP, Gonçalo Reis.
No primeiro dia da visita, que coincidiu
com o feriado do Dia do Herói
Nacional, o programa de Costa teve sobretudo uma componente económica, com
um encontro à porta fechada com empresários portugueses que operam no mercado
angolano. E, além deste
encontro, o Primeiro-Ministro teve visitas com significado histórico, como a
deslocação à Fortaleza de Luanda, onde está o recém-recuperado Museu Nacional de História Militar, passeou pela Baía de Luanda e
terminou o dia num encontro com a comunidade portuguesa residente na capital
angolana. Este encontro decorreu no Centro
Cultural Português depois da visita à obra do hospital materno-infantil
da Camama, que está a cargo da empresa portuguesa Casais, num projeto avaliado em 194 milhões de dólares (cerca de 166 milhões de euros).
No dia
18, após a reunião, às 11 horas locais (mesma hora em Portugal), entre o Presidente de Angola e
o Primeiro-Ministro português, os dois governos deverão assinar cerca de uma
dezena de acordos, entre os quais uma convenção para o fim da dupla tributação
e um memorando para a progressiva regularização de dívidas de entidades
públicas angolanas a empresas portuguesas, cujo montante global se estima entre
os 400 e os 500 milhões de euros, mas de que só estão certificados 90 milhões.
E os governos de Lisboa e de Luanda vão ainda ampliar linhas de crédito,
estabelecer um plano de cooperação no setor da agricultura e assinar um Programa Estratégico de Cooperação 2018/2022,
que integra formação e cooperação em áreas como a defesa, a segurança e a justiça,
além da economia, ciência, educação e saúde.
***
A cooperação
económica merece a atenção dos jornais angolanos na cobertura da visita de dois
dias do Primeiro-Ministro a Angola. O jornal O País fez capa e publicou na íntegra a entrevista dada ao diário português
DN, em que se destaca a afirmação de
Costa de que Angola tem todas as
condições para ser uma grande potência em África e por si reiterada em
entrevista publicada no Jornal de Angola,
no dia 17. Esta entrevista, em que António
Costa diz que “nunca
teremos uma relação com outros países como a que temos com Angola”, merece destaque na capa com foto do Primeiro-Ministro e o
título “Portugal ambiciona relações profícuas
e estreitas com Angola”, acrescentando o texto da 1.ª página que essas relações devem ser focadas “nos grandes desafios e nas grandes
oportunidades do século XXI”.
E o jornal O País, o segundo maior de
Angola destaca na 1.ª página e publica na íntegra a entrevista do
Primeiro-Ministro ao DN antes do
embarque para a visita. No jornal O
Guardião, destaca-se a chegada de Costa a Luanda, em que o Chefe do Governo
português afirmou que Portugal e Angola têm uma história “longa” e que o foco tem de estar centrado no futuro e não no passado.
Também a
visita merece atenção no Expansão,
um jornal mais focado na economia, ficando ressaltados como temas de manchete o
fim da dupla tributação e maior cooperação económica. Merece ainda destaque neste
jornal a assinatura de acordos nas áreas de educação e ciência, ficando afastada
a possibilidade de ser discutida a isenção de vistos, já que Portugal integra o
espaço de Schengen, não podendo assim exercer reciprocidade com Angola.
***
Marca a visita do Primeiro-Ministro português, sobretudo, o desanuviamento
da tensão política provocada pelo processo judicial em Lisboa em que um
dos visados era o ex-vice-Presidente da República angolano, Manuel
Vicente. Mas, a pari, assinala o
desenlace das medidas que João Lourenço vem introduzindo na realidade angolana,
tais como o afastamento da família de José Eduardo dos Santos e a tentativa de
combate à corrupção que mais desperta a curiosidade da generalidade dos
empresários e economistas, que se interrogam se as medidas anunciadas
são para manter ou se os vícios construídos ao longo de décadas se sobreporão à
confessada boa vontade de Lourenço. Assim, o professor do
ISEG Manuel Enes Ferreira dá “o benefício da dúvida” ao líder angolano, e, para
o empresário Eduardo Rangel, presidente do conselho de administração do grupo
Rangel, com forte presença em Angola, “as alterações que têm sido feitas credibilizam Angola a nível
internacional, nomeadamente junto do Fundo Monetário Internacional, o que acaba
por dar confiança aos investidores”. Este empresário, cujo grupo emprega 270 pessoas no total e fatura
perto de 18 milhões de euros em Angola, não consegue “ainda transferir o
dinheiro que fatura nem os dividendos, mas os salários já têm vindo a ser
transferidos”, o que “é um bom sinal”. O grupo detém ali um projeto logístico
idêntico, ao que tem em Portugal, sobretudo ao nível do frio, bem como o transporte
marítimo e aéreo, além de ser o representante da FEDEX para aquele país.
Manuel Enes Ferreira, que tem opinião favorável quanto ao impacto das
medidas do Presidente angolano sobre as empresas portuguesas, adianta:
“A gestão mais criteriosa das receitas
cambiais vai resolver de forma mais célere os atrasos em questões de pagamentos”.
E este é um dos pontos da agenda da visita do Primeiro-Ministro, sendo
neste sentido assinado um memorando para o início do processo de regularização
de dívidas a empresas portuguesas, cujo montante global é estimado no mínimo
(embora não
oficialmente) entre os 400 e os 500 milhões de euros e que atinge, sobretudo, as
áreas da construção e obras públicas.
O predito especialista em questões angolanas refere mesmo:
“Se a política económica começa a funcionar
de forma mais aberta e dinâmica, isso terá impacto nas empresas exportadoras e
também ao nível da mão-de-obra que trabalha em Angola”.
Não obstante, mantém-se o risco adveniente da concorrência
internacional, em que o Presidente tem demonstrado empenho, mas que não
fará “perigar as empresas portuguesas
que, de resto, são muito bem consideradas em Angola, quer seja na indústria,
quer seja nos serviços”.
Entre os dossiês sobressai o fim da dupla tributação entre os dois países, pelo
que deverá ser assinada, durante a visita, uma convenção destinada a
acabar com a dupla tributação.
Jorge Armindo, de momento com interesses em Angola “congelados” e
defendendo claramente a importância “da normalidade das relações com Angola”,
diz que é uma “medida muito positiva para
as empresas portuguesas”. Opinião idêntica é a de Carlos Barbot, presidente
das Tintas Barbot, que afirma ser isso ótimo “porque deixamos de pagar nos dois lados”.
Mesmo não conhecendo os temas a discutir com o Governo angolano, Eugénio
Costa Almeida, investigador do centro de estudos internacionais do ISCTE,
acredita que temas como “as
transferências dos expatriados, as dívidas aos exportadores portugueses,
nomeadamente as dívidas à TAP, ainda que já tenham afirmado que a mesma está em
resolução, vão ser discutidas”. E, ainda no âmbito da questão económica, crê que poderá ser abordada a
proteção angolana dos créditos de exportadores portugueses, bem como as
questões bancárias (sobretudo a participação de bancos portugueses em
bancos angolanos), tendo em
conta as normas comunitárias e do BCE, e ainda as relações dentro da CPLP.
Luís Marques Mendes, no seu comentário semanal na SIC,
defendeu que “Portugal precisa de
intensificar a sua relação económica com Angola, para investir e para exportar”,
já que, há uns anos, Angola era o 4.º destino das nossas exportações. Por isso,
vaticinou que haverá “o reforço em 500 milhões de euros da linha de crédito para
apoiar as exportações portuguesas para Angola” – o que o plano da visita parece
confirmar, embora para somas mais elevadas.
***
Na verdade, os dados do INE permitem inferir que Angola é um mercado importante
para as exportações nacionais, embora, segundo os números, tenham vindo a
decair nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, as exportações para
Angola atingiram os 2.786 milhões de euros. E, em julho passado, voltaram a
registar uma diminuição de 21,4% face ao período homólogo – tendência
que já se sentira no 1.º semestre, em que as exportações tinham decrescido em
135 milhões de euros (o mercado angolano pesa nas exportações
agroalimentares, de máquinas e de aparelhos, sendo o 8.º maior destino). Porém, se
as exportações decresceram, tal não sucede com as importações, com Portugal a importar de Angola mais 315 milhões (Portugal
compra a Angola sobretudo petróleo). E é de
referir que o decréscimo nas exportações tem sido acompanhado pela contração
do investimento português em Angola. Segundo dados da AICEP, com
base nos dados do Banco de Portugal, relativos a 2016, o investimento direto
português em Angola registou um valor negativo de 84,8 milhões de euros,
enquanto o investimento angolano em Portugal foi de 19,3 milhões de euros,
sendo que, de 2012 a 2017, o investimento português ali caiu à média anual de
43,9%, ao passo que o investimento direto de Angola em Portugal evoluiu
positivamente a uma média anual de 62,9%.
Mira Amaral, ex-ministro dos governos de Cavaco Silva e ex-presidente do
BIC, adianta que “as visitas de membros
do Governo a Angola são sempre importantes”. E, sobre otiming em concreto desta, sublinha:
“O enquadramento político é sempre muito
positivo e precisamos de entrar numa nova fase, assim como é positiva a vinda,
em novembro, do Presidente de Angola a Portugal”.
E o Presidente da República português declarou que a visita do Primeiro-Ministro
é ocasião única para a normalização e a melhoria das relações entre os dois países.
De resto, em Angola, a visita é também considerada importante, prova disso
é a visita recíproca que João Lourenço fará a Portugal em novembro, nos dias 23
e 24.
***
A preponderante dependência das receitas petrolíferas fez com que o
país entrasse numa crise profunda e tenha de recorrer à ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), estando em
negociação um programa de financiamento de 3.700 milhões de dólares. Porém, com
o preço do petróleo novamente com a tendência de subida, embora longe dos 150
dólares que chegou a atingir, Isabel dos Santos questiona a estratégia do
Governo por não tirar partido da valorização do preço do petróleo. A empresária fustiga Lourenço com críticas recorrentes,
mas desvalorizadas em Portugal. Enes Ferreira, já referido, é contundente em relação
à empresária:
“As críticas de Isabel dos Santos são
ridículas, são de mau perdedor. Nem que o petróleo estivesse a 200 dólares,
Angola não vai beneficiar disso no curto prazo.”.
Além disso, o professor do ISEG aponta:
“As críticas da empresária são até
contraproducentes, uma vez que ela tem interesses em Angola e um mau ambiente
só a vai prejudicar”.
Aliás, a Moody’s adianta que, apesar de o preço do crude “ter subido
para valor superior a 70 dólares (59,78 euros) por barril”, face aos 46 dólares (39,28 euros) de junho de 2017, o Orçamento de Angola “continua sob pressão e o crescimento é
anémico”. E diz que o programa de ajuda do FMI permitirá a
Angola reforçar as reformas estruturais. Por seu turno, Jorge Armindo (também já referido) desvaloriza a guerra entre a filha de Eduardo dos
Santos e Lourenço, preferindo falar nos benefícios para a economia angolana da
subida do preço do petróleo. Nesse sentido refere:
“A alta do preço do petróleo é favorável à
resolução dos compromissos da economia angolana, mas a seu tempo”.
E foi baseada em estimativas do preço do petróleo que, em agosto, a FocusEconomics estimou o crescimento de
1% da economia angolana para 2018 e de 2,3% para 2019.
Sobre a hipótese de os investimentos de Isabel dos
Santos em Portugal virem a ser motivo de conversa entre Costa e Lourenço, Eugénio Costa Almeida adianta que é possível. E
justifica:
“Sabendo-se que Isabel dos Santos terá tido
algumas ajudas bancárias, de bancos nacionais, nem que seja, em termos de
cartas de conforto para usufruir de condições de crédito e de empréstimos em
bancos portugueses – para os seus empreendimentos no exterior, no caso
concreto, em Portugal – e, dado que alguns dos apoios governamentais angolanos
(recordo o caso Efacec) foram retirados é possível que isso também seja
abordado”.
***
Polémicas à parte, Costa disse ao DN
que gostaria que os encontros entre Portugal e Angola assumissem uma
periodicidade anual, na convicção de que “Angola
tem um papel fundamental porque vai ser um dos grandes motores do
desenvolvimento do continente africano”. E discorre:
“O facto de ela ter uma presença forte na
Europa reforça a sua posição. Angola tem condições para não estar virada
sobre si mesma, abrir-se ao mundo e ao continente. Todos temos uma enorme
expectativa de que, com o Presidente João Lourenço, Angola afirme esse papel de
liderança.”.
***
Em suma,
os resultados da visita de Costa são sobretudo de ordem política, ressaltando mesmo
a probabilidade de Marcelo visitar Angola já em 2019, como adiantou o Primeiro-Ministro.
Os temas estratégicos e as questões económicas têm a via aberta, embora marcada
pela lentidão. Não obstante, o Governo
angolano compromete-se a terminar o processo de reconhecimento da dívida às
empresas portuguesas até novembro. A estimativa angolana é a de que a dívida
chegue aos 100 mil milhões de kwanzas
(cerca
de 330 milhões de euros),
enquanto o executivo português estima uma verba entre os 400 e os 500 milhões
de euros.
Lourenço
destacou o papel relevante que Portugal
pode ter em Angola, mas deixou o pedido de bom senso e pragmatismo. E Costa
elogiou a mudança em curso em Angola e prometeu voltar.
Falta,
contudo, realizar-se o que o eurocomissário Carlos Moedas sustenta de que as
relações com Angola se inscrevam no quadro da parceria que a UE (União
Europeia) pretende
estabelecer com África, podendo Portugal e Angola protagonizar o
desenvolvimento da relação entre os dois continentes.
2018.09.18 –
Louro de Carvalho
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