terça-feira, 18 de setembro de 2018

Em prol da normalização e melhoria das relações Portugal-Angola


Com o objetivo espelhado em epígrafe António Costa está em visita oficial a Angola, com empresários e economistas a valorizar a viagem, mas a pôr reservas ao combate do Presidente angolano João Lourenço à corrupção.
Costa foi recebido, a 17 de novembro, no aeroporto de Luanda pelo Ministro das Relações Exteriores angolano, Manuel Augusto, com a ideia da rápida retoma dos níveis anteriores a 2014 nas relações económicas e da normalização dos contactos bilaterais político-diplomáticos. Com o Primeiro-Ministro, que se apresentou com roupa informal (o que provocou críticas por se tratar de visita oficial e sem explicações do seu gabinete) viajaram os ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e da Agricultura, Capoulas Santos, bem como os secretários de Estado Teresa Ribeiro (Negócios Estrangeiros e Cooperação), Eurico Brilhante Dias (Internacionalização) e Ricardo Mourinho Félix (Adjunto e das Finanças). Acompanham também o Chefe do Governo os presidentes dos conselhos de administração da Lusa, Nicolau Santos, e da RTP, Gonçalo Reis.
No primeiro dia da visita, que coincidiu com o feriado do Dia do Herói Nacional, o programa de Costa teve sobretudo uma componente económica, com um encontro à porta fechada com empresários portugueses que operam no mercado angolano. E, além deste encontro, o Primeiro-Ministro teve visitas com significado histórico, como a deslocação à Fortaleza de Luanda, onde está o recém-recuperado Museu Nacional de História Militar, passeou pela Baía de Luanda e terminou o dia num encontro com a comunidade portuguesa residente na capital angolana. Este encontro decorreu no Centro Cultural Português depois da visita à obra do hospital materno-infantil da Camama, que está a cargo da empresa portuguesa Casais, num projeto avaliado em 194 milhões de dólares (cerca de 166 milhões de euros).
No dia 18, após a reunião, às 11 horas locais (mesma hora em Portugal), entre o Presidente de Angola e o Primeiro-Ministro português, os dois governos deverão assinar cerca de uma dezena de acordos, entre os quais uma convenção para o fim da dupla tributação e um memorando para a progressiva regularização de dívidas de entidades públicas angolanas a empresas portuguesas, cujo montante global se estima entre os 400 e os 500 milhões de euros, mas de que só estão certificados 90 milhões. E os governos de Lisboa e de Luanda vão ainda ampliar linhas de crédito, estabelecer um plano de cooperação no setor da agricultura e assinar um Programa Estratégico de Cooperação 2018/2022, que integra formação e cooperação em áreas como a defesa, a segurança e a justiça, além da economia, ciência, educação e saúde.
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A cooperação económica merece a atenção dos jornais angolanos na cobertura da visita de dois dias do Primeiro-Ministro a Angola. O jornal O País fez capa e publicou na íntegra a entrevista dada ao diário português DN, em que se destaca a afirmação de Costa de que Angola tem todas as condições para ser uma grande potência em África e por si reiterada em entrevista publicada no Jornal de Angola, no dia 17. Esta entrevista, em que António Costa diz que “nunca teremos uma relação com outros países como a que temos com Angola, merece destaque na capa com foto do Primeiro-Ministro e o título “Portugal ambiciona relações profícuas e estreitas com Angola”, acrescentando o texto da 1.ª página que essas relações devem ser focadas “nos grandes desafios e nas grandes oportunidades do século XXI”. E o jornal O País, o segundo maior de Angola destaca na 1.ª página e publica na íntegra a entrevista do Primeiro-Ministro ao DN antes do embarque para a visita. No jornal O Guardião, destaca-se a chegada de Costa a Luanda, em que o Chefe do Governo português afirmou que Portugal e Angola têm uma história “longa” e que o foco tem de estar centrado no futuro e não no passado.
Também a visita merece atenção no Expansão, um jornal mais focado na economia, ficando ressaltados como temas de manchete o fim da dupla tributação e maior cooperação económica. Merece ainda destaque neste jornal a assinatura de acordos nas áreas de educação e ciência, ficando afastada a possibilidade de ser discutida a isenção de vistos, já que Portugal integra o espaço de Schengen, não podendo assim exercer reciprocidade com Angola.
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Marca a visita do Primeiro-Ministro português, sobretudo, o desanuviamento da tensão política provocada pelo processo judicial em Lisboa em que um dos visados era o ex-vice-Presidente da República angolano, Manuel Vicente. Mas, a pari, assinala o desenlace das medidas que João Lourenço vem introduzindo na realidade angolana, tais como o afastamento da família de José Eduardo dos Santos e a tentativa de combate à corrupção que mais desperta a curiosidade da generalidade dos empresários e economistas, que se interrogam se as medidas anunciadas são para manter ou se os vícios construídos ao longo de décadas se sobreporão à confessada boa vontade de Lourenço. Assim, o professor do ISEG Manuel Enes Ferreira dá “o benefício da dúvida” ao líder angolano, e, para o empresário Eduardo Rangel, presidente do conselho de administração do grupo Rangel, com forte presença em Angola, “as alterações que têm sido feitas credibilizam Angola a nível internacional, nomeadamente junto do Fundo Monetário Internacional, o que acaba por dar confiança aos investidores”. Este empresário, cujo grupo emprega 270 pessoas no total e fatura perto de 18 milhões de euros em Angola, não consegue “ainda transferir o dinheiro que fatura nem os dividendos, mas os salários já têm vindo a ser transferidos”, o que “é um bom sinal”. O grupo detém ali um projeto logístico idêntico, ao que tem em Portugal, sobretudo ao nível do frio, bem como o transporte marítimo e aéreo, além de ser o representante da FEDEX para aquele país.
Manuel Enes Ferreira, que tem opinião favorável quanto ao impacto das medidas do Presidente angolano sobre as empresas portuguesas, adianta:
A gestão mais criteriosa das receitas cambiais vai resolver de forma mais célere os atrasos em questões de pagamentos”.
E este é um dos pontos da agenda da visita do Primeiro-Ministro, sendo neste sentido assinado um memorando para o início do processo de regularização de dívidas a empresas portuguesas, cujo montante global é estimado no mínimo (embora não oficialmente) entre os 400 e os 500 milhões de euros e que atinge, sobretudo, as áreas da construção e obras públicas.
O predito especialista em questões angolanas refere mesmo:
Se a política económica começa a funcionar de forma mais aberta e dinâmica, isso terá impacto nas empresas exportadoras e também ao nível da mão-de-obra que trabalha em Angola”.
Não obstante, mantém-se o risco adveniente da concorrência internacional, em que o Presidente tem demonstrado empenho, mas que não fará “perigar as empresas portuguesas que, de resto, são muito bem consideradas em Angola, quer seja na indústria, quer seja nos serviços”.
Entre os dossiês sobressai o fim da dupla tributação entre os dois países, pelo que  deverá ser assinada, durante a visita, uma convenção destinada a acabar com a dupla tributação. 
Jorge Armindo, de momento com interesses em Angola “congelados” e defendendo claramente a importância “da normalidade das relações com Angola”, diz que é uma “medida muito positiva para as empresas portuguesas”. Opinião idêntica é a de Carlos Barbot, presidente das Tintas Barbot, que afirma ser isso ótimo “porque deixamos de pagar nos dois lados”.
Mesmo não conhecendo os temas a discutir com o Governo angolano, Eugénio Costa Almeida, investigador do centro de estudos internacionais do ISCTE, acredita que temas como “as transferências dos expatriados, as dívidas aos exportadores portugueses, nomeadamente as dívidas à TAP, ainda que já tenham afirmado que a mesma está em resolução, vão ser discutidas”. E, ainda no âmbito da questão económica, crê que poderá ser abordada a proteção angolana dos créditos de exportadores portugueses, bem como as questões bancárias (sobretudo a participação de bancos portugueses em bancos angolanos), tendo em conta as normas comunitárias e do BCE, e ainda as relações dentro da CPLP.
Luís Marques Mendes, no seu comentário semanal na SIC, defendeu que “Portugal precisa de intensificar a sua relação económica com Angola, para investir e para exportar”, já que, há uns anos, Angola era o 4.º destino das nossas exportações. Por isso, vaticinou que haverá “o reforço em 500 milhões de euros da linha de crédito para apoiar as exportações portuguesas para Angola” – o que o plano da visita parece confirmar, embora para somas mais elevadas. 
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Na verdade, os dados do INE permitem inferir que Angola é um mercado importante para as exportações nacionais, embora, segundo os números, tenham vindo a decair nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, as exportações para Angola atingiram os 2.786 milhões de euros. E, em julho passado, voltaram a registar uma diminuição de 21,4% face ao período homólogo – tendência que já se sentira no 1.º semestre, em que as exportações tinham decrescido em 135 milhões de euros (o mercado angolano pesa nas exportações agroalimentares, de máquinas e de aparelhos, sendo o 8.º maior destino). Porém, se as exportações decresceram, tal não sucede com as importações, com Portugal a importar de Angola mais 315 milhões (Portugal compra a Angola sobretudo petróleo). E é de referir que o decréscimo nas exportações tem sido acompanhado pela contração do investimento português em Angola. Segundo dados da AICEP, com base nos dados do Banco de Portugal, relativos a 2016, o investimento direto português em Angola registou um valor negativo de 84,8 milhões de euros, enquanto o investimento angolano em Portugal foi de 19,3 milhões de euros, sendo que, de 2012 a 2017, o investimento português ali caiu à média anual de 43,9%, ao passo que o investimento direto de Angola em Portugal evoluiu positivamente a uma média anual de 62,9%.
Mira Amaral, ex-ministro dos governos de Cavaco Silva e ex-presidente do BIC, adianta que “as visitas de membros do Governo a Angola são sempre importantes”. E, sobre otiming em concreto desta, sublinha:
O enquadramento político é sempre muito positivo e precisamos de entrar numa nova fase, assim como é positiva a vinda, em novembro, do Presidente de Angola a Portugal”.
E o Presidente da República português declarou que a visita do Primeiro-Ministro é ocasião única para a normalização e a melhoria das relações entre os dois países.
De resto, em Angola, a visita é também considerada importante, prova disso é a visita recíproca que João Lourenço fará a Portugal em novembro, nos dias 23 e 24.
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A preponderante dependência das receitas petrolíferas fez com que o país entrasse numa crise profunda e tenha de recorrer à ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), estando em negociação um programa de financiamento de 3.700 milhões de dólares. Porém, com o preço do petróleo novamente com a tendência de subida, embora longe dos 150 dólares que chegou a atingir, Isabel dos Santos questiona a estratégia do Governo por não tirar partido da valorização do preço do petróleo. A empresária fustiga Lourenço com críticas recorrentes, mas desvalorizadas em Portugal. Enes Ferreira, já referido, é contundente em relação à empresária:
As críticas de Isabel dos Santos são ridículas, são de mau perdedor. Nem que o petróleo estivesse a 200 dólares, Angola não vai beneficiar disso no curto prazo.”.
Além disso, o professor do ISEG aponta:
As críticas da empresária são até contraproducentes, uma vez que ela tem interesses em Angola e um mau ambiente só a vai prejudicar”.
Aliás, a Moody’s adianta que, apesar de o preço do crude “ter subido para valor superior a 70 dólares (59,78 euros) por barril”, face aos 46 dólares (39,28 euros) de junho de 2017, o Orçamento de Angola “continua sob pressão e o crescimento é anémico”. E diz que o programa de ajuda do FMI permitirá a Angola reforçar as reformas estruturais. Por seu turno, Jorge Armindo (também já referido) desvaloriza a guerra entre a filha de Eduardo dos Santos e Lourenço, preferindo falar nos benefícios para a economia angolana da subida do preço do petróleo. Nesse sentido refere:
A alta do preço do petróleo é favorável à resolução dos compromissos da economia angolana, mas a seu tempo”.
E foi baseada em estimativas do preço do petróleo que, em agosto, a FocusEconomics estimou o crescimento de 1% da economia angolana para 2018 e de 2,3% para 2019.
Sobre a hipótese de os investimentos de Isabel dos Santos em Portugal virem a ser motivo de conversa entre Costa e Lourenço, Eugénio Costa Almeida adianta que é possível. E justifica:
Sabendo-se que Isabel dos Santos terá tido algumas ajudas bancárias, de bancos nacionais, nem que seja, em termos de cartas de conforto para usufruir de condições de crédito e de empréstimos em bancos portugueses – para os seus empreendimentos no exterior, no caso concreto, em Portugal – e, dado que alguns dos apoios governamentais angolanos (recordo o caso Efacec) foram retirados é possível que isso também seja abordado”.
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Polémicas à parte, Costa disse ao DN que gostaria que os encontros entre Portugal e Angola assumissem uma periodicidade anual, na convicção de que “Angola tem um papel fundamental porque vai ser um dos grandes motores do desenvolvimento do continente africano”. E discorre:
O facto de ela ter uma presença forte na Europa reforça a sua posição. Angola tem condições para não estar virada sobre si mesma, abrir-se ao mundo e ao continente. Todos temos uma enorme expectativa de que, com o Presidente João Lourenço, Angola afirme esse papel de liderança.”.
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Em suma, os resultados da visita de Costa são sobretudo de ordem política, ressaltando mesmo a probabilidade de Marcelo visitar Angola já em 2019, como adiantou o Primeiro-Ministro. Os temas estratégicos e as questões económicas têm a via aberta, embora marcada pela lentidão. Não obstante, o Governo angolano compromete-se a terminar o processo de reconhecimento da dívida às empresas portuguesas até novembro. A estimativa angolana é a de que a dívida chegue aos 100 mil milhões de kwanzas (cerca de 330 milhões de euros), enquanto o executivo português estima uma verba entre os 400 e os 500 milhões de euros.   
Lourenço destacou o papel relevante que Portugal pode ter em Angola, mas deixou o pedido de bom senso e pragmatismo. E Costa elogiou a mudança em curso em Angola e prometeu voltar.  
Falta, contudo, realizar-se o que o eurocomissário Carlos Moedas sustenta de que as relações com Angola se inscrevam no quadro da parceria que a UE (União Europeia) pretende estabelecer com África, podendo Portugal e Angola protagonizar o desenvolvimento da relação entre os dois continentes.
2018.09.18 – Louro de Carvalho

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