De acordo com o Jornal
de Negócios (acesso pago), que os demais órgãos de comunicação social seguem,
a Comissão Europeia conclui, a partir de relatório adrede elaborado sobre absentismo
no setor público, ter havido fraude em mais de metade das baixas médicas em
trabalhadores da área da educação.
O Jornal de Negócios lembra que, no
relatório do Orçamento do Estado para 2018, o Ministério das Finanças já havia
revelado que estava a preparar um plano
para reduzir o absentismo, com o objetivo de poupar 60 milhões de euros
– cerca de 10 milhões de euros eram referentes à área da educação. Uma das
medidas previstas do plano de combate ao absentismo era precisamente o reforço
dos processos de auditoria e de fiscalização das baixas médicas.
Grosso modo, o predito relatório da Comissão Europeia, por
ocasião da oitava
avaliação pós-programa de ajustamento, ou seja,
após a saída “limpa” da troika do país, baseia-se no facto de terem sido
verificadas seis mil baixas por doença no setor com vista à identificação de baixas
por doença incorretas, donde resultou que as juntas médicas fizeram regressar
ao trabalho mais de metade daqueles trabalhadores.
No documento
em causa, Bruxelas adianta que o plano em tempo anunciado para reduzir o
absentismo no sector público começou efetivamente a ser implementado. Assim, “a
verificação de cerca de seis mil juntas médicas, no setor da educação no final
de 2017, para identificar baixas por doença incorretas, contribuiu para o
regresso ao trabalho de mais de metade dos casos avaliados”.
A Comissão
dá ainda conta de que estavam planeadas mais seis mil ações de
fiscalização que deveriam ser levadas a cabo entre março e agosto e
que “um novo sistema de monitorização para avaliar o absentismo foi montado”.
Assim, entre março
e agosto, mais de metade das seis mil
baixas atribuídas por doença na área da educação que foram controladas por uma
junta média revelaram-se fraudulentas, como revela a Comissão Europeia.
Dados da
ADSE, avançados pelo Jornal de Notícias
em abril, mas referentes a março, davam conta de seis mil professores de baixa
médica há mais de dois meses, que estariam à espera de serem chamados para ir a
junta médica. Segundo o mesmo jornal, todos os meses cerca de 500 professores
são avaliados por juntas médicas.
O objetivo
da Comissão Europeia – obviamente também assumido pelo Ministério da Finanças
no Orçamento do Estado de 2018 – é reduzir o absentismo. Para o Ministério
liderado por Mário Centeno, o objetivo é poupar 60 milhões de euros.
Apesar
destas medidas que têm contribuído para “poupanças e ganhos de eficiência”, a
Comissão Europeia continua a exigir novas medidas para alcançar as “poupanças
substanciais planeadas para os próximos anos”.
E, ao
mesmo tempo, o aumento da fiscalização não tem travado as baixas médicas.
Nos primeiros 3 meses deste ano, a Segurança Social registou 5 mil pedidos de
baixas médicas por dia, mais 800 do que no período homólogo e o valor mais
elevado dos últimos 20 anos.
***
As reações
não se fizeram esperar. A este respeito, João Dias da Silva, da Federação
Nacional da Educação (FNE), disse à
TSF que, “se houver fraude, é uma culpa que é partilhada entre médico e doente”,
pois “há aqui uma situação em que estão envolvidos os profissionais médicos,
pelos vistos, em que estarão a passar documentos de doença que não correspondem
à verdade”. Com efeito, o atestado médico é solicitado pelo paciente ao médico,
o qual, tendo em conta a situação clínica em que o paciente se lhe apresenta na
ocasião, lhe passa o documento comprovativo do estado de doença – para o que
deve ter em conta alguns requisitos burocráticos e, sobretudo, o respeito pelo
quadro dos ditames deontológicos.
Por seu
turno, o Presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Agrupamentos e Escolas Públicas) declarou que os professores, quando faltam por
doença devidamente comprovada, estão mesmo doentes e impossibilitados de comparecer
ao serviço. E o Bastonário da Ordem dos Médicos garantiu que os seus
profissionais, quando atestam uma situação de doença, esta real e não fictícia.
João Dias da
Silva, sem se atravessar pela veridicidade de todas as situações de comprovação
de doença, como sem acusar funcionários e médicos, parece admitir a hipótese de
haver casos de fraude, sendo que aí a culpa será por igual do doente (ou
pseudodoente) e do
médico. Os outros parecem estar a puxar cada um a brasa à sua sardinha e
rejeitar liminarmente a existência de situações fraudulentas.
***
No meio de
tudo isto, a Comissão Europeia – obviamente com base na informação fornecida
pelas autoridades portuguesas, que se têm esfalfado por denegrir os
funcionários do Estado e, em particular, os professores – dá azo a que a nossa comunicação
social passe à opinião pública alguns equívocos.
Em primeiro
lugar, na área da educação, não há somente professores, mas também, embora em bastante
menor número, técnicos superiores (por exemplo, psicólogos), assistentes administrativos e assistentes
operacionais. E, sobretudo, estes últimos também, quase como os professores, vivem
as consequências do ambiente criado nas escolas de “insubordinação” da parte de
muitos dos alunos e das exigências caprichosas de muitos dos pais. Porém, o
stress maior recai sobre os professores. Só quem por lá passa faz verdadeira
ideia do ambiente de muitas escolas e do aproveitamento que se faz da
fragilidade de muitos professores, sobretudo na escola pública, que tem de
acolher alunos provenientes de todas as situações por mais problemáticas que
algumas (muitas) sejam. A isto acresce o excesso de trabalho burocrático
disfarçado de pedagógico e sem grande interesse para o sucesso escolar e educativo,
bem como reuniões e formação em tempo pós-laboral.
Ademais, os professores
do 2.º ciclo e do 3.º do ensino básico e do ensino secundário têm faltas a
tempos letivos, sendo a tolerância praticamente de zero. E, embora as faltas a alguns
dias por doença possam ser justificadas através do art.º 102.º do estatuto da
carreira docente (faltas por conta do período de férias), situações há cuja justificação só é admitida
através de doença comprovada. Tal é o caso das faltas a serviço de exames e a reuniões
dos conselhos de turma para avaliação sumativa.
Depois, o
que paira na comunicação social nestes últimos dias é que as situações de doença
em que a junta médica interveio e mandou o trabalhador comparecer ao serviço
são efetivamente fraudulentas. E não é assim. De facto, as situações em que a junta
médica não manda trabalhar o doente são, em princípio, de doença. Porém,
aquelas em que a junta médica manda o trabalhador comparecer ao serviço não são
habitualmente fraudulentas, a menos que o trabalhador, enquanto aguarda a
intervenção da junta médica se sinta recomposto e não tenha retornado ao serviço
por sua iniciativa, o que não é fácil de comprovar.
Sem negar a hipótese
de situações fraudulentas, o que se passa é, regra geral, o seguinte: o
trabalhador sente-se doente e começa a faltar, avisando o serviço; consulta o médico,
que a seu juízo faz a avaliação clínica e decide passar a baixa médica, se o
trabalhador está abrangido pelo regime geral de Segurança Social, ou o atestado
médico, se o trabalhador está abrangido pelo regime convergente. No primeiro caso,
quem tem a obrigação de fiscalizar a situação de doença são os serviços de
segurança social; no segundo, são os médicos da ADSE ou o Delegado de Saúde da
área – a solicitação da entidade sob cuja égide se encontra o trabalhador. Em ambos
os casos, entre o 55.º e o 60.º dia de faltas por doença, o serviço de que
depende o trabalhador deve solicitar a intervenção da junta médica da Segurança
social ou da ADSE, consoante os casos.
Mas há ainda
outra questão: a da verificação da doença. Os serviços da segurança social visitam
o doente. Se ele for encontrado na sua residência, procedem à avaliação da situação,
decidindo em conformidade; se não o encontram, notificam-no para que retorne ao
serviço. No caso do regime convergente, o médico da ADSE ou o Delegado de Saúde
visitam o doente, que se o atestado mencionar que pode ou deve seguir em regime
ambulatório, o doente deve indicar a que dias e horas pode ser encontrado na
sua residência. Se ele for encontrado na sua residência, o visitante procede à
avaliação da situação, decidindo em conformidade; se não o encontrar, notifica-o
para que retorne ao serviço e pode considerar injustificadas as faltas.
Porém, casos
há em que o dirigente do serviço sabe direta ou indiretamente que o trabalhador
não está efetivamente doente, até foi visto a trabalhar noutro ofício, mas, se
quiser intervir, escalões superiores da administração desautorizam-no.
E uma coisa
é certa: o médico, ao declarar a doença do paciente, limita-se a atestar que
examinou o trabalhador e que os sintomas que apresentava naquele momento lhe
permitiram concluir que estava efetivamente doente e impossibilitado de
comparecer ao serviço, com a previsão (obviamente uma previsão é falível) de que a situação se prolonga por x dias (que devem ser
quantificados, não podendo ultrapassar os 30 dias consecutivos). Se o trabalhador mais tarde é encontrado são e
escorreito, tal não quer dizer que o atestado tenha sido fraudulento por isso.
Obviamente,
sabe-se de casos de baixas e atestados fraudulentos – o que é difícil de comprovar,
a não ser em casos em que o superior hierárquico, por si ou por quem tiver essa
competência, encontre o trabalhador a trabalhar noutro ofício, e possa
legalmente intervir e mudar a situação.
De resto,
como diz Carlos Silva, da FNE, “se houver fraude, é uma culpa que é partilhada
entre médico e doente”.
Mais fica
por saber se os 3000 se referem efetivamente a 2017 ou 2018 (Será confusão
propositada?). E como se
atacam docentes, se em 60 milhões (de euros a poupar em baixas médicas), Centeno fala só de 10 na área da educação?
Em qualquer
caso, as generalizações são injustas e podem ser insultuosas. E os
trabalhadores merecem respeito. Ademais, o Governo, que superintende na Administração
Pública deveria interrogar-se sobre o motivo por que tantos professores estão em
situação de doença comprovada e de doença prolongada. Algo corre mal nas
escolas que o Ministério da Educação e o Ministério das Finanças não querem
ver!
2018. 09.05 –
Louro de Carvalho
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