A 12 de setembro, perto do final do seu mandato como
presidente da Comissão Europeia – ou seja, no arranque
para o último “ano académico” da sua Comissão e a menos de 9 meses das eleições
europeias, agendadas para maio de 2019, de que resultará nova composição do
Parlamento Europeu e um novo executivo comunitário –, o luxemburguês Jean-Claude
Juncker proferiu o seu último discurso do estado da União Europeia (UE) perante o Parlamento em
Estrasburgo, começando e terminando com declarações de
amor pela Europa,
mas com a inclusão de algumas críticas e recomendações para o caminho a seguir.
Instituído em 2010, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o primeiro discurso sobre o “Estado da União”
Europeia foi proferido em Estrasburgo por Durão Barroso, um ano após a sua
reeleição para um segundo mandato à frente da Comissão.
Desta vez, naquilo que os observadores consideram “as cinco lições do último Estado da União de
Juncker”, o líder do Executivo comunitário abordou temas que vão do fortalecimento do euro ao combate aos nacionalismos, da mudança da hora
às forças de defesa europeias – o que vem a corporizar a sua visão da Europa a
cuja Comissão deixará de presidir, como deixou claro ao assumir publicamente
que não se candidatará a um segundo mandato.
Juncker reconheceu fragilidades, em que sobressaem a falta de força
do euro e o crescimento dos nacionalismos, e insuficiências, de que é exemplo o trabalho da
gestão dos fluxos migratórios. Todavia, enunciou algumas mensagens
correspondentes a cinco ideias centrais para doravante os fazedores de opinião europeus
desenvolverem.
***
Sobre a África, disse que “não precisa de caridade, mas, sim, de
uma parceria verdadeira e equilibrada”. Assim, preconiza a necessidade de Europa e África encontrarem uma
aliança muito mais forte do que os liames que atualmente as ligam. Por
conseguinte, a Comissão Europeia irá propor, ainda sob a presidência de Juncker,
uma parceria
que, em cinco anos, criará cerca de 10 milhões de empregos em África – anúncio
a que os eurodeputados reagiram bem. Neste sentido, para dar urgência ao projeto que apresenta, sentenciou: “Se queremos aumentar o nosso investimento em
África em 23%, temos de decidir depressa”.
Em relação
à mudança
da hora, diz que é uma questão a resolver depressa, desejavelmente
antes das eleições europeias do próximo ano, pois, segundo Juncker, os
europeus, “não vão aplaudir se, duas vezes por ano, tivermos de mudar os
relógios. Recentemente a Comissão Europeia, na sequência da manifestação de
84,5% dos cidadãos europeus nesse sentido, demonstrou a sua intenção de acabar
com os horários de inverno e de verão, permitindo, em vez disso, que as
estações decorram sem uma alteração da hora na primavera e no outono. E, sobre
quem decide se o horário em certos Estados-membros deve ser o de verão ou o de
inverno são os próprios Estados. No entender de Juncker, “o tempo urge” e “a mudança da hora tem de mudar”, cabendo aos
Estados-membros decidir eles próprios se os cidadãos querem viver no horário de
verão ou de inverno”.
No
atinente ao tema da defesa, Juncker reconhece que a Europa tem estado muito
dividida, tal como tem sido difícil o papel da liderança europeia em procurar
convencer países mais relutantes a participar na coordenação militar da UE. No
entanto, esclareceu:
“Não
iremos militarizar a União Europeia. O que queremos é tornar-nos mais
responsáveis e mais independentes, porque só uma Europa forte e unida pode
proteger os nossos cidadãos das ameaças internas e externas.”.
Ou como
clarificou a seguir, os
Estados europeus podem juntar os seus poderes e recursos militares e de defesa
para alcançarem fins maiores, sem uma militarização da União, pois, segundo
referiu, projetos
como o Programa Galileo só são
possíveis juntando recursos.
Em
mensagem implicitamente dirigida a Washington e contra o seu unilateralismo,
sustentou:
“O mundo de hoje precisa de uma Europa forte e unida, uma Europa que
trabalhe em prol da paz, de acordos comerciais e de relações monetárias
estáveis, mesmo que outros estejam muito inclinados a escolher as guerras
comerciais e monetárias”.
E
prosseguiu no tom:
“Não
gosto desse unilateralismo sem respeito pelas expectativas dos outros.
Permanecerei sempre um multilateralista convicto.”.
Sustentando
que a Europa deve cada vez mais assumir o papel de “ator global” na cena
mundial, o presidente da Comissão afirmou que a UE deve dar-se conta de que é
“uma potência política, uma potência económica e, por vezes, uma potência
militar”. E porfiou:
“Essa é a razão
pela qual lancei, desde 2014 a União
Europeia da Defesa e é por isso que, nos próximos meses, a Comissão
Europeia continuará a trabalhar para que o fundo europeu de defesa e a
cooperação estruturada permanente no domínio da Defesa se tornem plenamente
operacionais”.
E não
deixou de falar da Síria, desenvolvendo:
“A Síria e [a província de] Idlib deve ser para todos nós causa de
preocupação profunda e imediata. Não podemos permanecer silenciosos perante a
iminência de um desastre humanitário, que é um desastre anunciado.”.
Considerando
que “o conflito sírio ilustra como a ordem internacional, de que os europeus
souberam beneficiar desde a II Guerra Mundial, está cada vez mais posta em
causa”, advertiu:
“No mundo de hoje, a Europa não pode continuar a dar como adquirido que
os compromissos assumidos ontem serão ainda respeitados amanhã. As alianças de
hoje provavelmente já não serão as alianças de amanhã.”.
Outra
das medidas da Comissão Europeia que o presidente anunciou é a iniciativa de
procurar o fortalecimento do euro, uma vez que esta moeda, já “com 20 anos
de juventude”, ainda não cumpre um papel tão significativo a nível
internacional como é desejável. E observou:
“É
absurdo que a Europa pague 80% da sua conta de importações de energia (…) em
dólares quando só compra cerca de 2% da sua energia aos EUA. É absurdo que as
empresas europeias comprem aviões europeus em dólares em vez de euros.”.
E
prometeu:
“É
por isso que, antes do final do ano, a Comissão vai apresentar iniciativas para
fortalecer o papel internacional do euro”.
Para
tanto, é essencial dar um outro passo: “terminar
e fortalecer a União Económica e Monetária”. Sim, por onde anda a famosa
UEM?
E a
mensagem que atravessou todo o discurso de Juncker foi a rejeição do
nacionalismo. No dia em que, minutos depois da intervenção discursiva do líder
do Executivo, o Parlamento Europeu aprovaria uma moção para censurar o comportamento
do húngaro Viktor Órban, Juncker rejeitou inequivocamente as perspetivas
nacionalistas, apelando ao papel fundamental da Europa “Guerra nunca mais”, considerando este “o dever eterno, a responsabilidade perpétua” da União Europeia. E a
este propósito, vincou:
“Acima de tudo, gostaria que rejeitássemos o
nacionalismo doentio e abraçássemos o patriotismo esclarecido. […]
O patriotismo do século XXI é duplo: europeu e nacional, e um não exclui o
outro. […] Amar a Europa é amar as suas nações. Amar a sua nação é amar a
Europa. O patriotismo é uma virtude. O nacionalismo descontrolado está cheio de
veneno e engano.”.
***
O discurso de Juncker, em que sobressaiu o patriotismo esclarecido contra os nacionalismos
enviesados, foi preparado com os comissários. Para o efeito, o colégio da
Comissão, além de outras reuniões, esteve, nos dias 30 e 31 de agosto, em
seminário em que o presidente preparou com os comissários o seu último
discurso sobre o “Estado da União”.
Jean-Claude Juncker, que há muito já anunciou que não se
recandidatará ao cargo de presidente da Comissão – que exerce desde outubro de
2014 – presidiu ao aludido seminário tradicional do colégio que marca a
“rentrée” política em Bruxelas, numa reunião fora do “quartel-general” da
Comissão e longe dos olhares da imprensa. A este respeito, Margaritis Schinas, porta-voz
do Executivo comunitário, anunciava a 29 de agosto:
“Amanhã e sexta-feira, o colégio encontra-se
para o seminário anual da “rentrée”. O presidente Juncker e os seus comissários
irão preparar, juntos, o discurso do Estado da União, que será proferido na
sessão plenária do Parlamento Europeu em Estrasburgo, em 12 de setembro. O
colégio também discutirá o programa de trabalho da Comissão para o próximo ano.
Esta reunião será num formato de seminário, fora do (edifício) Berlaymont, sem
reuniões e telefones a tocar, para que possam concentrar-se totalmente na
discussão.”.
Apesar de o mandato dos atuais comissários só expirar
no final de outubro de 2019, Juncker já não deverá proferir o discurso do “Estado
da União” em setembro do próximo ano, altura em
que se estará a processar a transição do atual para o futuro executivo
comunitário, tal como sucedeu em setembro de 2014, quando José Manuel Durão
Barroso, ainda em funções, que já não discursou, por Jean-Claude Juncker ser então
o presidente eleito, após a vitória do Partido Popular Europeu nas eleições europeias
de maio desse ano.
Juncker
acabou o discurso com referências ao problema dos migrantes que a Europa
enfrenta. A sua última frase foi a mesma que o celebrizou há uns anos: “A Europa é o amor da minha vida”.
***
Perante
um discurso tão certeiro como acutilante – e tem havido mais destes discursos –
é caso para questionar as instituições europeias sobre os resultados, pois, à
medida que a UE avança em experiência e se alarga, em vez de crescer a simpatia
pelo projeto europeu, emergem cada vez com maior força os grupos negacionistas
do projeto ou os eurocéticos, sendo vários os países em que partidos contra a
UE estão à beira do poder ou a participar já nele.
Não
estará a acontecer que a União não tenha realizado cabalmente nenhum dos seus
propósitos, mas gastando, ao invés, muito do seu tempo e muitas das suas
energias a produzir diretivas que, mais do que ajudar à consolidação da União,
restringem cada vez mais a soberania dos Estados-membros, criam mais
dificuldades aos cidadãos, dificultam o avanço das economias nacionais e
prejudicam a identidade cultural e a afirmação histórica de cada país?
Quase
nunca se auscultam os cidadãos, mas agora em questões menores como a da mudança
da hora, brada-se a prioridade e a urgência da resolução do problema porque os
cidadãos se manifestaram! De facto, se as condições que levaram a essa mudança
já estão ultrapassadas, também não se vê como seja prioritária esta matéria.
E cumpre
ainda um outro questionamento. O poder da União está no Parlamento, no
Conselho, na Comissão, nos Tribunais ou, como tem sido perceção comum, nalgum
eixo ou nalguma troika de países, falando-se a cada passo do Senhor Europa ou
da Senhora Europa. Seria isto o que os fundadores desejavam. Será possível
haver paz, no sentido dinâmico e desenvolvimento, com uma Europa a duas ou
três velocidades ou com atitudes ditatoriais e xenófobas de alguns líderes
nacionais? Responda quem souber e puder.
2018.09.13 –
Louro de Carvalho
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