quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Universidade do Porto junta especialistas para falar de alterações climáticas


É com a frase pespegada em epígrafe que o site da Universidade do Porto  anuncia a realização da conferência “Basic Science of Climate Change: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate”, organizada pelo IGC (Independent Commitee on Geoethics), que decorrerá na sua Faculdade de Letras daquela nos dias 7 e 8 de setembro, ou seja, no final desta semana, e que é considerada por muitos como uma conferência de negacionistas em relação às causas e aos efeitos das alterações climáticas, contribuindo para britar o sistema de pensamento único sobre a matéria assente no pressuposto de que a ciência é unívoca e inquestionável.
Já em 2015, o IGC organizou o que designou como uma “contraconferência” à Conferência de Paris das Nações Unidas, que terminou com um consenso global de redução das emissões de gases de efeito de estufa para tentar controlar a subidas das temperaturas.
E agora, a avaliar pelos nomes organizadores e de alguns dos oradores, segundo a descrição no próprio site do evento, o objetivo parece ser especificamente desconstruir a ideia de que o aquecimento global é antropogénico, isto é, causado pelo homem.
Segundo a presidente do comité da organização, a geógrafa Maria Assunção Araújo, professora daquela Universidade, a conferência pretende fazer um debate científico sobre a questão, com “pessoas cientificamente muito válidas”, e questionar o consenso sobre a influência humana nas alterações climáticas, que considera ser uma “ideia alarmista”. Até adianta que “há censura” contra quem não subscreva a explicação científica das alterações climáticas com base na emissão de gases de efeito de estufa, sendo um dos objetivos do evento a ultrapassagem dessa censura. Não negando obviamente as alterações climáticas, pensam os organizadores que “a acumulação de CO2 na atmosfera” não é a sua causa fundamental. E aduzem:
Não pode ser isso, porque o CO2 é uma pequeníssima parte dos gases na atmosfera e a maior parte nem é produzido pelos humanos, não há maneira de ter essa influência que se diz”.
Questionada pelo Diário de Notícias sobre o facto de só terem sido convidados negacionistas do papel antropogénico nas alterações climáticas (isto é, serem causadas principalmente pelo homem) para participar na conferência, apresentada como um debate científico, a presidente da organização, a geógrafa Maria Assunção Araújo, já mencionada, diz não ter sido ela a fazer os convites, até porque, não conhecendo essas pessoas, não convidaria quem não conhece. Mas, enfatizando que os oradores são pessoas cientificamente muito validas, sublinha:
Não me interessa ter cá alguém a dizer que a causa das alterações climáticas é o CO2, isso não é ciência, é política”.
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Quanto aos oradores, um defende que subida da temperatura se deve ao aumento da atividade solar, outro nega a subida do nível médio dos oceanos e outro é um cético em relação à “influência antropogénica no clima”. Porém, nenhum deles sustenta como Trump que as alterações climáticas são uma fraude criada pela economia chinesa emergente contra os Estados Unidos. E, apesar das suas posições não alinhadas, defendem o esforço dos países pela redução das emissões de CO2 e o cuidado dos cidadãos pela Casa Comum, evitando a degradação ambiental e o esgotamento dos recursos naturais. 
Assim, um dos organizadores e um dos principais oradores é o sueco Nils-Axel Morner, figura controversa conhecida pelas intervenções negacionistas das alterações climáticas. Este crítico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas questiona a ideia da subida média do nível dos oceanos. Segundo o jornal The Guardian, um seu estudo fez capa de revista, há 7 anos, com falsas alegações sobre a subida do nível dos oceanos. Na revista, Mörner referia que lugares como as Maldivas, Bangladesh ou o Tuvalu não “precisavam de temer o aumento do nível dos oceanos” e sustentava não haver relação entre os níveis dos oceanos e as alterações climáticas.
Já Christopher Monckton, outro dos oradores, é conselheiro do The Heartland Institute, um think tank norte-americano e conservador que se tem afirmado no combate às evidências científicas que comprovam o aquecimento global. De acordo com um artigo do The New York Times, em fevereiro de 2012, uma fuga de informação sugeria que a organização estava a planear umas iniciativas para minimizar o ensino sobre o aquecimento global nas escolas públicas, iniciativas que foram em parte “financiadas pela Charles G. Koch, Fundação de Caridade que tem ligações às Koch Industries, uma refinaria de petróleo”.
E Piers Corbyn, irmão do líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn, considera que a contribuição antropogénica no aquecimento global é “mínima” e que o aumento da temperatura se deve a um aumento da atividade solar. Já em 2008, afirmou que o “aquecimento global nunca teve nada a ver com o CO2” e que a temperatura está em queda.
Na página dedicada aos oradores aparece ainda o geógrafo espanhol Anton Uriarte, “conhecido pela sua posição cética em relação à influência antropogénica no clima”.
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Como é natural e era de esperar, a decisão da Universidade do Porto em receber a conferência está a ser muito criticada. Segundo os críticos da iniciativa, a “Universidade está a alugar a sua credibilidade”, havendo mesmo quem defenda um recuo da instituição.
Para o bioquímico David Marçal, um dos mais notáveis críticos do evento, é “lamentável que a Universidade do Porto apoie uma coisa destas”. Autor de vários livros de divulgação científica e esclarecimento sobre pseudociência, Marçal não concorda com esta iniciativa e foi um dos primeiros cientistas a criticar a realização no Porto da conferência “Basic Science of Climate Change: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate”, organizada pelo IGC com o objetivo de “(des)construir algumas ideias sobre alterações climáticas”. Até entende que a instituição devia “recuar ou pelo menos divulgar um comunicado a dizer que se demarca da conferência”. Ademais, David Marçal considera que as “universidades que dão espaço a estas iniciativas estão a alugar ou mesmo a oferecer, caso não existam contrapartidas financeiras, a sua credibilidade”, vincando que é essa credibilidade que os negacionistas das alterações climáticas procuram. E clama criticamente:
Pseudociências tentam fazer conferências em universidades. Assim que o conseguem, estas são consideradas credíveis. As universidades deviam ter mais atenção a estas coisas. Não é só alugar salas é também alugar a sua credibilidade e as universidades não se podem dar a esse luxo.”.
Segundo o crítico bioquímico, a conferência tem como um dos objetivos “criar confusão” e lembra que aquilo que os negacionistas querem é “contrapor toda a ciência publicada”, mas que “a ciência é escrutinada pelos pares”, não havendo, pois, “uma segunda corrente sobre alterações climáticas”, além da comummente aceite.
David Marçal defende que os organizadores do evento pretendem criar uma “controvérsia social”. Com efeito, “há uma longa história de lançar confusão nas alterações climáticas, procurando criar controvérsia”. Porém, para o crítico, “o efeito estufa é um facto indiscutível do ponto de vista científico”. Depois, sustenta que os oradores são “pessoas que, em vez de provas, apresentam ideias, quadros e currículos impressionantes para convencer as pessoas”.
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Contra o que alguns sugeriram, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto “não cancelará” a conferência, conforme afirmou ao DN Fernanda Ribeiro, diretora daquela faculdade, pois “fazê-lo seria fazer censura”. Assim, a instituição “não vai ceder a pressões só porque há uma polémica”, porque a Faculdade, como garante a sua diretora, “é um espaço plural, podemos acolher outras formas de debate”. E esta conferência é organizada pelo grupo assumidamente negacionista Independent Committee on Geoethics e tem como objetivo expresso, como se lê no site da própria Universidade do Porto, “(des)construir algumas ideias sobre alterações climáticas”. E a desconstrução incide sobre a ideia de que o aquecimento global é causado pelas emissões de CO2 devido à utilização humana dos combustíveis fósseis.
Fernanda Ribeiro diz, no entanto, acreditar que “estão reunidas as condições para o debate científico”, uma vez que “houve um call para comunicações” – o que “dá garantias de que é uma conferência aberta” a quem se quiser inscrever. E “só não haverá debate se as pessoas não forem lá participar” e preferirem ficar-se pelas críticas de café.
Entretanto, a Universidade em si demarcou-se das posições assumidas pelos organizadores e participantes na conferência. As universidades, defende a instituição, “devem afirmar-se como espaço de debate”, pelo que, não acolher a conferência, seria “censura”.
E, em comunicado enviado à Lusa, a Universidade do Porto esclarece que a conferência “Basic Science of Climate Change: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate” é uma “iniciativa de uma docente da Faculdade de Letras, sendo da responsabilidade da Independent Committee on Geoethics”. A academia frisa que a sua realização “não significa que as posições assumidas pelos seus oradores e participantes sejam um reflexo da visão da Universidade do Porto sobre o tema em debate”. E sustenta:
As universidades devem, contudo, afirmar-se como um espaço de debate e discussão por excelência, onde a partilha de diferentes ideias e perspetivas deve ser valorizada, pelo que a censura de opiniões não faz, nem deve fazer, parte da natureza das instituições de ensino superior e é nesse contexto que a Universidade do Porto irá acolher a referida conferência”.
No referido comunicado, a instituição refere ainda:
O combate às alterações climáticas e a sustentabilidade ambiental são uma prioridade para a Universidade do Porto, principal promotora do projeto Casa Comum da Humanidade, que pretende apresentar às Nações Unidas um novo sistema de governação global dos recursos planetários e elevar o sistema terrestre à condição de Património da Humanidade”.
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Parece-me bem que a Universidade deixe seguir a conferência e não se queira vincular aos propósitos dos organizadores e oradores. Com efeito, por mais que doa a alguns corifeus do pensamento único arvorados em mestres únicos da ciência, a ciência constrói-se com a investigação metódica, diligente e múltipla e dificilmente ela tem conclusões definitivas, o que viria contrariar o dinamismo da própria ciência. Dá-se, pois, razão ao aforismo segundo o qual “da discussão nasce a luz”. Ora a discussão tem de ser múltipla, participada, acalorada e disciplinada; e a luz, como é óbvio, não brilha sempre com a mesma intensidade, que pode aumentar, diminuir e até apagar-se. E, se à Universidade cabe produzir conhecimento, ensiná-lo e divulgá-lo, não lhe cabe joeirá-lo – o que fica a cargo da comunidade científica, que não se esgota na Universidade por mais prestigiada que se julgue e seja.
No atinente às alterações climáticas, seria temerário insistir na unicidade das suas causas ou dos seus efeitos, como arredar delas o fator humano ou tê-lo como único fator. Porém, não é lícito dispensar o homem do estudo nem deixar de apelar ao compromisso com o cuidado do planeta. E a Universidade é o campo propício para o debate múltiplo e para o apelo à ação concertada.
2018.09.06 – Louro de Carvalho

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