Não raro se lê ou se ouve dizer que Maria de Nazaré
não quer ser entronizada pelas multidões ou que nessa postura não é exemplo de
libertação das mulheres que não são respeitadas na sua dignidade de pessoas
humanas ou que desvia a atenção das necessidades dos pobres. Pretendem,
combatendo o ponto de vista dos que alegadamente a endeusam, ressuscitando
velhos mitos do paganismo, reduzi-la ao estatuto de mulher comum entre as
demais mulheres de Nazaré.
Ora, sem deixar de ter o estatuto de mulher comum
entre as demais, essa índole comum é mais aparente que real. E é em virtude da
diferença profunda que a distingue das outras mulheres que Ela consegue ser
libertadora e mola propulsora de liberdade e libertação.
Qualquer mulher se envaideceria se fosse cumulada com
a honra de ser a mãe do que viria a ser o chefe de todos os povos. E como se
posicionou Maria?
***
O
“Magnificat” (Lc 1,46-55)
Em relação a
Maria, este cântico que Ela profere, vem na sequência da sua postura no anúncio
da encarnação do Verbo de Deus, em que se assume como a serva do Senhor, aceitando
e desejando que se realize em si toda a palavra que lhe foi dita pelo mensageiro.
Exprimindo
a alegria da sua alma no Senhor por ter sido cumulada da graça divina, tendo
sido eleita mãe do Verbo de Deus, Maria com o Magnificat canta a Deus o hino da pessoa (alma,
como elã vital, e espírito como força dinâmica e renovadora) que engrandece o Senhor e
rejubila em Deus Salvador. Maria conta-se entre os redimidos e com um lugar
especial: o Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez maravilhas nela, sua humilde
serva. Pelo que este é um cântico de louvor.
Trata-se
outrossim dum cântico profético, porquanto Deus, na sua inefável bondade, pôs
os olhos em Maria e, por isso, doravante todas as gerações a proclamarão
bendita entre as mulheres, como disse Isabel, a chamarão bem-aventurada, como
diz Maria. Ou seja, sem perder o estatuto comum da condição de mulher, é
exalçada, por desígnio divino, ao pódio de cumulada de graça, por ter acreditado
em tudo quanto lhe foi dito da parte de Senhor, como frisa a saudação de Isabel,
e por ser a Mãe do Senhor, a bendita que, na lógica de Isabel, encaminha os
homens a bendizer Jesus, o fruto do seu ventre.
É um cântico
da misericórdia divina, pois desta misericórdia, que “se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem”,
resulta que Deus está do lado dos humildes, dos famintos em detrimento dos
soberbos e poderosos ou dos ricos, obviamente não para os aniquilar, mas para
que entrem na razão, se convertam e pratiquem a equidade a justiça. Assim se
compreende que o Senhor tenha cumulado de graça uma simples menina da Galileia
e a tenha feito modelo dos crentes de coração e ação, na discrição e na
eficácia, que não na pompa e na ostentação.
Este hino
inspira-se no Antigo Testamento, sobretudo no Cântico de Ana (1Sm
2,1-10), um hino de
ação de graças, e tem substrato também nos Salmos e nos Profetas. Canta a gratidão
e exultação da mãe de Jesus (vv 46-50), que se sente parte integrante
do cumprimento da promessa messiânica, e de todo o povo de Deus (vv
51-55), porque, tal
com no passado, Deus agora cumpre o que prometeu aos nossos pais e abre as portas
do futuro em Jesus, o Messias.
A gesta
divina vem enquadrada por dois temas: a justiça de Deus, que Maria apreende na
sua perspicácia e que vem em socorro dos pobres e dos pequeninos; e a divina fidelidade
misericordiosa para com o Povo da Promessa, antecipação da nova humanidade numa
nova era.
***
Maria em
torno da missão de Jesus
Surpreendida pela saudação angélica que a denomina cheia de graça e imbuída da presença do
Senhor junto dela, com Ela, dentro dela e envolvendo-A, perguntou como se
realizaria em si o que Gabriel lhe anunciava e, vendo como no anúncio se
corporizava a promessa messiânica por obra do Espírito Santo, colocou-se ao
serviço da Encarnação do Verbo e na disponibilidade serviçal para a cooperação
na missão redentora do Filho, sempre na fidelidade à Palavra que lhe foi
enviada da parte de Deus (vd Lc 1,26-38). Assim,
embora comungue da índole comum das outras mulheres, ganha a singularidade de,
na discrição, alimentar in sinu o
Verbo de Deus, trazê-lo à luz do dia e cuidar dele na infância e adolescência e
garantir-lhe o estatuto de autonomia para a missão. Tanto assim é que, segundo
o discípulo amado, o primeiro sinal miraculoso de Jesus ao serviço da fé
messiânica foi realizado por sugestão da Mãe, que, apesar da resposta evasiva
do Filho, atinou que era preciso fazer o que Ele mandasse (vd Jo 2,1-11).
Maria no Evangelho aparece-nos sempre em íntima
ligação com Jesus, como se viu e continuará a ver. Mateus refere a José que ela
dará à luz um filho, Jesus, que salvará o povo dos seus pecados (vd Mt 1,21). Lucas, relatando as circunstâncias do nascimento do
Menino, refere:
“Completados os
dias de ela dar à luz, teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e
recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,6-7).
Maria, que foi o primeiro templo do mundo dedicado ao
Senhor, erige na gruta de Belém a manjedoura como o primeiro altar de adoração
familiar, em torno do qual os anjos cantam glória nas alturas a Deus e paz na
terra aos homens do seu agrado, correndo um deles a avisar os pastores das
redondezas:
“Não temais, pois
anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: ‘Hoje, na cidade
de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de
sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.” (Lc 2,11-12).
Perante este eloquente anúncio, os pastores acorreram
ao presépio e encontraram o Menino reclinado na manjedoura. Tendo visto que
tudo era como o anjo dizia, começaram a divulgar o que ouviram acerca do Menino. E
quantos os ouviram se admiravam do que os pastores diziam. E os pastores
voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido,
conforme lhes fora anunciado. Porém, a Mãe toma uma postura típica
de quem medita imbuída do mistério: conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração. (vd Lc 2,8-20).
Também Mateus
nos apresenta Maria ao pé do Menino. Com efeito, os Magos, “ao verem a estrela,
sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua
mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe
presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt
2,10-11). E Lucas relata com pormenor a apresentação de Jesus no Templo (vd Lc 2,22-40). Maria e José levaram, no tempo regulamentar, Jesus ao Templo
para ser consagrado ao Senhor e ser oferecido o sacrifício de um par de rolas
ou de pombas. Entretanto, o velho Simeão, a quem o Espírito Santo revelara que
veria o Messias, foi ao Templo e tomando o menino nos braços, profetizou diante
da mãe, que ficou admirada (e também José) com tudo o que
ouvia, que estava perante a Salvação oferecida a todos os povos, a Luz das
nações, a Glória de Israel. E, em especial, disse a Maria:
“Este menino está aqui
para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de
contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão de revelar-se os
pensamentos de muitos corações.” (Lc 2,34-35).
Também a profetiza Ana, aparecendo nessa mesma ocasião,
louvava a Deus e falava do Menino a todos os que esperavam a redenção de
Jerusalém.
E, como Maria
e José viviam em função do Menino, regressaram à Galileia, a Nazaré, onde Jesus
crescia e se robustecia, enchendo-se de sabedoria, e estando com Ele a graça de
Deus.
Voltando ao
Evangelho de Mateus, vemos mais uma vez Maria e José em sobressalto por Jesus:
porque José fora avisado por um anjo de que Herodes queria matar o Menino,
tiveram de fugir para o Egito, tendo regressado não à Judeia, mas à Galileia,
quando foram avisados de que tinham morrido aqueles que pretendiam a morte do
Menino (vd Mt 2,13-15.19-23). Com efeito, tinham de se cumprir as profecias que
vaticinavam que o Messias seria do Egito e de Nazaré. E Maria e José estiveram,
na parte que lhes dizia respeito, ao serviço do cumprimento de todas as
profecias messiânicas.
Também é
emblemático o episódio da perda do Menino na peregrinação anual a Jerusalém,
quando Jesus chegou aos 12 anos. Regressados a casa, deram conta de que o
Menino não estava.
Pensando que se encontrava na caravana, Maria e José fizeram
um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o
tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois,
encontraram-no no Templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes
perguntas, com estupefação geral pela sua inteligência e suas respostas. Porém,
a mãe fez-lhe reparo: “Filho, porque nos
fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!”. Ao
que Ele respondeu: “Porque me procuráveis?
Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?”. Depois desceu com eles para
Nazaré e era-lhes submisso. Entretanto, na sua discrição serviçal, a mãe guardava todas estas coisas no seu coração.
E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos
homens. (vd Lc 2,41-52). Importante
para nós a resposta de Jesus: devemos encontrá-lo, não onde pensamos que Ele
está ou onde queremos que Ele esteja, mas onde Ele quer ser encontrado, seja no
Templo, no nosso coração ou no meio dos pobres e deserdados da sorte ou dos
homens; depois, devemos saber dar lugar à ocupação nas coisas do Pai.
***
Poderia parecer,
à primeira vista, que Maria só estaria ao pé de Jesus no tempo da infância.
Porém, além da passagem do cap. 2 do Evangelho de João, acima referida, Marcos
e Mateus apresentam passos da postura de Maria na vida pública de Jesus. Assim, no Evangelho de Marcos, a pessoa de Maria
aparece em duas passagens: Mc 3,31-35 (Os
seus familiares ouviram isto e saíram a ter mão nele, pois diziam: “Está fora
de si!”) e Mc 6,3-4 (Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago,
de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?). Nestes textos, Maria é a mãe biológica de Jesus que,
juntamente com os seus familiares, tenta entender o filho. Maternalmente solícita
pela sorte dele, também é convocada a ser discípula na busca da compreensão de
Jesus e sua missão e a acolher sua proposta. Também Ela podia estar entre os
primeiros a nutrir preocupações ainda muito humanas pela missão e a obra de
Jesus. Por isso, Jesus indica que a sua verdadeira família não é a de ordem
carnal, mas a da linha da fé e que a ela pertencem todos os filhos do Reino.
Assim, Maria, Mãe de Jesus é fundamental testemunho dos verdadeiros laços que
criam a comunhão com Jesus. Depois de ter transportado Jesus, seu filho no
ventre, era preciso que ela o gerasse no coração, cumprindo a vontade de Deus (cf Mc 3,35 – “Aquele que fizer a
vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe”), que se manifestava naquilo que Jesus dizia e
realizava. Neste sentido, a figura de Maria “mãe” harmoniza-se e completa-se
com a figura da “discípula”, que torce íntima e intensamente por quem está ativamente
em missão. E uma passagem de Lucas (Lc 11,27-28) reforça-o:
“Enquanto Ele falava, uma mulher, levantando
a voz do meio da multidão, disse: ‘Felizes
as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram’! Ele, porém,
retorquiu: ‘Felizes, antes, os que
escutam a Palavra de Deus e a põem em prática’.”.
No Evangelho de Mateus, a pessoa de Maria aparece em
dois momentos do ministério apostólico de Jesus (cf Mt 12,46-50; 13,54-58), ambos na dependência de Marcos, mas com Mateus a tomar
diante dele tal liberdade que é capaz de transformar seu sentido e seu
ensinamento.
Por seu turno,
João (vd Jo 19, 25-27), ao mostrar-nos junto da cruz do Redentor a Mãe (embora com outras mulheres) e o discípulo predileto, dá-nos
conta do testamento em que Jesus a torna a mãe de todos os discípulos e a
entrega ao cuidado dos discípulos: Jesus disse a sua Mãe: “Mulher, eis o teu filho”, após
o que disse ao discípulo: “Eis a tua Mãe”. Não é só de
João que se trata, mas de todos os que sentem o ardor do discipulado, que os
leva a ser apóstolos. Por conseguinte, não foi apenas João o discípulo que a recebeu em sua casa, pois, após a Ascensão
do Senhor, os apóstolos desceram do
monte das Oliveiras, foram para Jerusalém e, quando chegaram à cidade, subiram
para a sala de cima (o Cenáculo), no lugar
onde se encontravam habitualmente; e todos unidos pelo mesmo sentimento
entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais
Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus (cf At 1,12-14).
Como se vê, já noutro livro que não os dos Evangelhos,
Maria – que está muito presente na Infância de Jesus, surge episodicamente no
ministério público do Filho e comparece no momento crucial e cruciante do termo
da vida terrena de Jesus – acompanha a Igreja nascente. Por isso, não se pode
estranhar que, de forma mais discreta ou mais visível, exerça a missão de
acompanhar a Igreja nas suas alegrias e angústias e todos os homens de quem a
Igreja tem a obrigação de cuidar, de lhes apresentar Jesus, o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo, e de os encaminhar para Cristo e, por Ele, para a comunhão
trinitária, que já tem de se viver aqui e agora, mas que se realizará
plenamente no fim dos tempos.
***
A Senhora das Dores
Exatamente, porque Maria, presente junto da Cruz, vive
e sente os sofrimentos de Seu Filho, a Liturgia dedica-Lhe especial atenção no
dia subsequente ao da celebração da festa da Exaltação da Santa Cruz. Com efeito, as dores da Virgem, unidas aos
sofrimentos de Cristo, foram também redentoras e indicam-nos o caminho da nossa
dor, dor que temos de sublimar em prol da alegria que almejamos e de que
fazemos fazendo experiência vivificante em comunidade animada pelo Espírito de
Cristo, o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho. Porém, esta memória litúrgica é fortemente
cristocêntrica, pois todos os textos da Missa, mesmo os que parecem centrar-se
em Maria, nos encaminham para Jesus ou a Ele fazem referência.
Logo a antífona de Entrada (de missa sem cântico) transcreve o momento (Lc 2,34-35 ) em que Simeão aponta o Menino como sinal
de contradição para ruína e salvação de muitos em Israel e que uma espada
trespassaria a alma da mãe. E, pela
oração
coleta (evocando Jo 19,25-27), a comunidade dirige-se ao Senhor para que faça com que a Igreja,
associada com Maria à Paixão de Cristo, mereça ter parte na sua ressurreição.
A 1.ª leitura (Heb 5,7-9) fala de Cristo, que dirigiu, nos dias da sua vida
mortal, preces e súplicas Àquele que O podia livrar da morte, tendo sido
atendido mercê da sua piedade; e que, apesar de Filho, “aprendeu a
obediência no sofrimento” e se tornou para os que Lhe obedecem “causa
de salvação eterna”. Ora, se não tivéssemos em conta os Evangelhos, que
falam de Maria junto de Jesus, e o que diz Paulo (Gl 4,4-5) – chegada a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho,
nascido de uma mulher, a resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a
fim de recebermos a adopção de filhos – aqui nem nos lembraríamos da Mãe de
Jesus. E o salmo responsorial –
Salmo 31 (3a), 2-3ab.3cd-4.5-6.15-16ab.20 (R. 17b) – constitui, em torno do
refrão “Salvai-me, Senhor, pela vossa bondade”, uma oração de súplica e uma
expressão de confiança, um grito de libertação junto do Senhor, a que os Padres
associam o brado de Jesus na cruz antes de expirar, “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”.
No entanto, um segmento textual – “Como é grande,
Senhor, a vossa bondade que tendes reservada para os que Vos temem:
à vista da vossa face, Vós a concedeis àqueles que em Vós confiam” –
aproxima-nos do Magnificat no
versículo “A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre
aqueles que o temem”. Mesmo
a sequência
facultativa, que parece inspirada na vertente devocional, evoca a Mãe dolorosa,
junto da cruz, enquanto Jesus sofria, facto já previsto na metáfora da espada de
Simeão. Por outro lado, reporta-nos o ambiente da populaça e da soldadesca
no cenário da caminhada para o calvário e no momento da crucifixão e da
exposição do corpo do Crucifixo todo chagado, bem como a postura firme e
heroica da Mãe que “viu Jesus, pendendo o
rosto, soltar o alento final”. E, depois de uma prece a Cristo
para nos dê a palma imortal, por intermédio da Mãe, há efetivamente uma súplica
a “Maria, fonte de amor” (se é Mãe de
Deus, que é Amor, é mesmo fonte de amor) no sentido
de Ela ajudar a que o crente se associe com Ela à Paixão do Senhor, mostre a
sua gratidão a Cristo e se torne apto a, quando a morte chegar, ir repousar à
sombra bendita da Cruz.
O versículo do Aleluia bendiz efetivamente a Virgem
Maria, porque, ao pé da cruz do Senhor,
mereceu a palma do martírio. E, para leitura do Evangelho, são propostas
duas passagens em alternativa: Jo 19,25-27 ou Lc 2,33-35. No primeiro
caso, salienta-se o segmento “Eis o teu
filho...Eis a tua Mãe”, o núcleo do testamento do Senhor e as consequências
do mesmo como acima foi explanado, bem como a participação da Mãe de Jesus no
sofrimento cruciante, mas redentor, do Filho e a presença das mulheres e do
discípulo predileto no cenário do Gólgota; e, no segundo caso, releva-se o
segmento previsional do velho Simeão dirigido a Maria “uma espada trespassará a tua alma” a antecipar o episódio do
Calvário em que “se revelarão os
pensamentos de todos os corações”.
Depois, vem a oração
dos fiéis. Acolhe-se a que é proposta pelo “Missal Quotidiano” (da Paulus).
Começa pelo convite à invocação, por Maria que esteve
junto à cruz, daquele que lhe deu tanta coragem e fortaleza. As preces,
solicitando sempre a intercessão de Maria e evocando o seu exemplo, envolvem: a
promoção do testemunho fiel de fé do Povo de Deus; os pastores, para que
anunciem a boa nova aos pobres; os cuidadores dos doentes e idosos, para que
sejam sinais vivos da solicitude de Cristo; os pais e mães, para que aprendam a
confiar só em Deus; e os membros da assembleia, para que recebam o dom da
perseverança. E a conclusão contém a súplica, ao Senhor, da graça da perseverança
generosa na obra da redenção da humanidade.
A oração sobre as oblatas, a pretexto
da celebração da memória da Virgem, que nos foi dada como Mãe bondosa junto da cruz do Filho de Deus, configura o oferecimento dos
corações – que vão nas nossas orações e ofertas – ao Deus de misericórdia, pedindo-Lhe
que os aceite.
Como prefácio, são propostas duas
fórmulas, ambas de prefácios de Nossa Senhora: o Prefácio I ou o Prefácio II.
O primeiro sublinha a maternidade divina de Maria, louvando e bendizendo ao
Senhor, pois Ela, pelo poder do Espírito Santo, concebeu o Filho Unigénito de
Deus e, sem perder a glória da sua virgindade, deu ao mundo a luz eterna, Jesus
Cristo Nosso Senhor; e, no segundo, celebra-se o poder admirável do Senhor e
exalta-se a sua bondade, com inspiração no Cântico
de Louvor da Virgem Maria, pois Deus fez maravilhas em prol de todos os
povos e manifestou a sua misericórdia de geração em geração, quando olhou para
a humidade da sua serva e nos deu por Ela o Salvador do mundo, Jesus Cristo
Nosso Senhor (mais uma vez, como no Prefácio I a evidência do encaminhamento de Maria
para Cristo).
A antífona da comunhão (1Pe 4,13), na missa sem canto, é convite à alegria, já que
participamos nos sofrimentos de Cristo, alegria que se nos tornará, quando
se manifestar a glória do Senhor. E a oração depois da comunhão é um
pedido ao Senhor para que, dado que nos alimenta com o sacramento da redenção
eterna ao celebrarmos as dores da Virgem Santa Maria, nos ajude “a completar em nós, em benefício da
Igreja, o que falta à Paixão de Cristo”.
***
Na Liturgia
das Horas, é de considerar o
que é próprio desta memória litúrgica. Assim, o invitatório convida a adorar o Salvador, “que associou à sua
Paixão a Virgem Maria”.
No ofício de leitura, além do hino
(a primeira parte da sequência da Missa, já referenciada), destaca-se a 2.ª leitura, dos Sermões de São Bernardo, abade – (Sermo in
dom. infra oct. Assumptionis, 14-15: Opera omnia, ed. Cisterc. 5 [1968],
273-274) (Sec. XII) – cujo
tópico fundamental é: “A Mãe de Cristo estava junto à cruz”. E, assegurando que
“o martírio da Virgem é recordado tanto na profecia de Simeão como na
história da paixão do Senhor”, sublinha:
“Diz o santo ancião acerca do Menino Jesus:
Este foi predestinado para ser sinal de contradição; e, referindo-se a Maria, acrescenta:
E uma espada trespassará a tua alma.”.
E desenvolve, falando com Maria:
“Depois que aquele Jesus – que é de todos,
mas especialmente vosso – expirou, a cruel lança que Lhe abriu o lado, sem
respeitar sequer um morto a quem já não podia causar dor alguma, não feriu a
sua alma, mas atravessou a vossa. A alma de Jesus já não estava ali, mas a
vossa não podia ser arrancada daquele lugar. Por isso a violência da dor trespassou
a vossa alma, e assim com razão Vos proclamamos mais que mártir, porque os
vossos sentimentos de compaixão superaram os sofrimentos corporais do martírio.”.
Falando para os fiéis, associou Maria
à Paixão e Morte do Redentor:
“Mas talvez alguém possa dizer: ‘Porventura
não sabia Ela que Jesus havia de morrer?’. Sem dúvida. ‘Não esperava Ela que
Jesus havia de ressuscitar?’. Com toda a certeza. ‘E apesar disso sofreu tanto
ao vê-lo crucificado?’. Sim, com terrível veemência. Afinal, que espécie de
homem és tu, irmão, e que estranha sabedoria é a tua, se te surpreende mais a compaixão
de Maria do que a Paixão do Filho de Maria? Ele pôde morrer corporalmente e Ela
não pôde morrer com Ele em seu coração? A morte de Jesus foi por amor, aquele
amor que nenhum homem pode superar; o martírio de Maria teve a sua origem
também no amor, ao qual, depois do de Cristo, nenhum outro amor se pode
comparar.”.
Depois, o responsório, frisando o facto da
crucifixão e a prometida espada de dor a Maria, releva a presença de Maria
junto à cruz de Jesus. O hino de Laudes
é a segunda parte da sequência facultativa da Missa, já referenciada. Uma das antífonas da salmodia apresenta a união
da alma a Jesus, outra convida à alegria pela participação nos sofrimentos de
Cristo e outra assegura a vontade de Deus em reconciliar consigo todas as
coisas pelo sangue de Cristo. Na leitura
breve (Cl 1,24-25),
Paulo refere completar com alegria na sua carne o que falta à Paixão de Cristo
em benefício da Igreja de que se tornou ministro por encargo de Deus. O responsório breve afirma a esperança da
salvação a partir das chagas de Cristo, por Maria. E a antífona do ‘Benedictus’
desafia a Mãe dolorosa à alegria, porque, após tantos sofrimentos, vive para
sempre com o Filho na condição de Rainha do Universo.
Formam o
hino de Vésperas os últimos tercetos
da predita sequência da Missa. Nas antífonas,
ressalta Cristo, nossa paz e reconciliação, a aproximação da cidade do Deus
vivo e de Jesus, o mediador da Nova Aliança e a conquista da redenção pelo Seu sangue.
Na leitura breve (2Tm
2,10-12a), Paulo diz
tudo suportar pelos eleitos para obterem a salvação. O responsório breve salienta a presença da Senhora junto à cruz do
Senhor e a felicidade daquela que, sem morrer, mereceu a palma do martírio (com
efeito, é testemunha sofrente do martírio do Redentor) e a antífona do ‘Magnificat’
retoma o testamento da maternidade de Maria em relação aos discípulos.
***
Tudo o
que foi exposto, mostra que o culto mariano, devidamente esclarecido, não é um
fim em si, mas encontra justificação nos méritos de Cristo, dele deriva e para
Ele se encaminha – com vista à edificação progressiva da Igreja e à realização
na parusia, seguindo Cristo, o caminho, mas já com as pegadas da Mãe, sofrida, é
certo, mas agora bem-aventurada na Glória e intercessora solícita pela sorte
dos homens e mulheres que labutam neste mundo.
2018.09.16 –
Louro de Carvalho
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