Foi a 4
de setembro de 2016 (já lá vão dois anos) que Madre Teresa foi inscrita
no catálogo dos santos e santas. A canonização – muito desejada pelo Papa
Francisco para fechar o Jubileu da Misericórdia – foi celebrada na Praça São
Pedro, com pompa e circunstância perante a multidão formada por muitos milhares
de pessoas e grupos provindos praticamente de todo o mundo.
***
Conhecida em
vida como “a santa das sarjetas”, Teresa
de Calcutá, cujo nome de Batismo era Gonxhe Agnes Bojaxhiu, nasceu a 26 de
agosto de 1910 numa família albanesa em Skopje, capital da atual república da
Macedónia, na época pertencente à Albânia.
Ingressou,
em 1928 (aos 18 anos
de idade), na ordem das Irmãs de Nossa Senhora de Loreto, sediada na Irlanda, passando a
usar o nome Teresa em homenagem a
Santa Teresa de Lisieux.
Enviada
a Calcutá (Índia), foi professora
durante muitos anos numa escola para meninas de classe alta, antes de decidir
servir a Deus através dos pobres. Porém, no início de 1948, mudou-se para os
bairros pobres de Calcutá, onde algumas das suas ex-alunas se tornaram, a seu
lado, as primeiras Missionárias da Caridade. E, em 1952, ao observar uma mulher
agonizante, abandonada na rua e com os pés atacados por ratos, sentiu profunda
comoção e decidiu assumir uma nova atividade: ajudar “os mais pobres entre os
pobres”. Depois de procurar com insistência as autoridades da cidade, conseguiu
a concessão dum antigo edifício para dar abrigo às pessoas que sofriam de
tuberculose, disenteria e tétano e a quem nem os hospitais queriam atender. Dezenas
de milhares de necessitados passaram por ali. Muitos encontraram uma morte
digna, com o respeito pelas suas próprias religiões, enquanto outros recuperaram
das suas mazelas graças aos cuidados das freiras.
Pela sua
ação incansável, foi laureada com o Prémio Nobel da Paz em 1979.
Morreu em 1997, aos 87 anos, de ataque cardíaco, quando
preparava um serviço religioso em memória da Princesa Diana de Gales, sua
grande amiga, que faleceu num acidente de automóvel em Paris. O seu trabalho missionário continua através da irmã Nirmala,
eleita no dia 13 de março de 1997 como sua sucessora.
A Igreja
abriu caminho à canonização da beata após a declaração como milagre da recuperação
do brasileiro Marcilio Haddad Andrino, que tinha múltiplos pontos de inflamação
no cérebro.
Quando
Andrino sofreu, em 2008, os abcessos cerebrais de que os médicos disseram que não
iria recuperar, a sua família invocou Madre Teresa. A este respeito, contou o
miraculado que o seu estado de saúde tinha piorado ao ponto de ter sofrido muito
para conseguir chegar até junto do altar para o seu casamento, em setembro de
2008, e que, em dezembro do mesmo ano, foi levado inconsciente para hospital.
Tinha Andrino
uma cirurgia cerebral marcada, mas acordou sem dores de cabeça pouco antes da
operação, tendo o médico declarado que não seria mais necessária a intervenção
médica.
Já em 2002,
o Vaticano reconheceu um milagre atribuído à intervenção da religiosa: a cura
de Monika Besra, uma mulher de 30 anos, que sofria dum tumor abdominal. Viu-se
livre da doença depois que a Congregação a presenteou com uma “medalha
milagrosa” da Virgem, que antes havia sido usada por Teresa aos 87 anos. E João
Paulo II beatificou Madre Teresa a 19 de outubro de 2003, em Roma, numa celebração
que teve a presença de 300 mil pessoas, vindo Francisco a canonizá-la passados
13 anos.
Todavia,
como era de esperar, surgiram os críticos à transformação santificação oficial
de Teresa, questionando a comprovação dos milagres admitidos pela Igreja e
considerando a sua canonização como símbolo de mais um “triunfo da fé religiosa
sobre a razão e a ciência”.
O autor
britânico Christopher Hitchens, que morreu em 2011, era um dos principais
críticos. Caluniou Madre Teresa como “uma
fundamentalista religiosa, uma agente política, uma pregadora primitiva e uma
cúmplice dos poderes seculares mundanos”. Num livro lançado em 1995, “A posição missionária: Madre Teresa em
teoria e prática”, Hitchens critica o que diz ser a “cultura de sofrimento” da religiosa, afirmando que ela criou um
imaginário de “buraco do inferno” da
cidade que a acolheu, além de se ter tornado “amiga de ditadores”.
Também o
físico de Calcutá Aroup Chatterjee publicou, em 2003, uma crítica, depois de,
alegadamente ter feito pelo menos 100 entrevistas com pessoas envolvidas com a
congregação criada por Madre Teresa. Acusou-a de “espantosa falta de higiene” nos centros de saúde administrados
pelas Missionárias de Caridade e apodou os locais em que o grupo cuidava de
doentes como “confusos e mal organizados”.
Decididamente,
estes críticos não sabem o que é trabalhar em condições inumanas em prol de
quem sofre, em missões, em guerra, com refugiados... Fazem-me lembrar os
burocratas hipócritas que se limitam a encerrar hospitais, lares de terceira
idade e casas de acolhimento de crianças e adolescentes por não terem as
exigidas condições, sem que tenham feito algo em prol da promoção da melhoria
das condições de organização e funcionamento. E, quanto a fundamentalismos e
relações com titulares do poder político, os preditos críticos pouco saberão
disso, sobretudo se não sofreram os embates dessas mazelas sociais.
Nada disto
obscurecerá o legado de Madre Teresa de Calcutá. A agora santa morreu em 1997,
aos 87 anos. O seu funeral em Calcutá, a 5 de setembro de 1997, foi acontecimento
nacional na Índia e milhões de pobres acompanharam o seu corpo pelas ruas daquela
cidade. Ao canonizá-la, o Papa Francisco – que a conheceu pessoalmente por
ocasião de um sínodo de bispos em 1994, em Roma – afirmou que a figura da Madre
será a santa de “todos os voluntariados”
e propôs que ela fosse considerada o “modelo
de santidade”. Com efeito, a “sua
missão nas periferias das cidades e nas periferias existenciais permanece até
hoje como testemunho eloquente da proximidade de Deus aos mais pobres entre os
pobres”.
Mais lembrou
o Pontífice que Madre Teresa fez “sentir a sua voz aos poderosos da terra para
que reconhecessem as suas culpas diante dos crimes da pobreza criados por eles
mesmos”.
***
Por sua vez,
o Vatican News recorda hoje, dia 4 de
setembro, algumas
etapas da vida da “irmã dos últimos”. Começando
por citar palavras de Francisco por ocasião da sua canonização a
4 de setembro de 2016, retém:
“Madre Teresa […] inclinou-se sobre as pessoas
indefesas, deixadas moribundas à beira da estrada, reconhecendo a dignidade que
Deus lhes dera […]. A sua missão nas periferias das cidades e nas periferias
existenciais permanece nos nossos dias como um testemunho eloquente da
proximidade de Deus junto dos mais pobres entre os pobres […] Parece-me que
teremos talvez um pouco de dificuldade em chamá-la de Santa Teresa: a sua
santidade é tão próxima de nós, tão tenra e fecunda, que espontaneamente
continuaremos a chamá-la de ‘Madre Teresa’.”.
Depois, aquele serviço de informação refere
que, em 1946, Madre Teresa recebera a chamada especial que a levou a fundar,
quatro anos depois, a comunidade religiosa das Missionárias da Caridade que foi reconhecida oficialmente na Arquidiocese
de Calcutá. Hoje, as Missionárias da Caridade, ou as Irmãs de Madre Teresa,
como são comummente designadas, são cerca de 6 mil no mundo e estão presentes
em 130 países. Fora em 1948 que a irmã do sorriso iluminado envergou pela
primeira vez o sari branco bordado de azul e saiu do convento para as
periferias degradadas de Calcutá, para se dedicar para sempre aos mais pobres.
Saía sempre com o terço nas mãos para buscar e servir Jesus naqueles que “não são desejados, não são amados, não são
cuidados”. Alguns meses depois, uniram-se a ela, uma após outra, algumas das
suas ex-alunas.
Depois que Paulo VI concedeu que a atividade
das Missionárias da Caridade se espalhasse para fora da Índia, cresceu muito a
popularidade da pequena irmã, com uma fé firme como uma rocha. Todos a recordam
como uma mulher pequena, delicada, com seu sari branco e azul, mas cuja
grandeza conquistava o coração das pessoas no mundo inteiro, mesmo o dos que
não creem – notoriedade que aumentou por causa de sua amizade com São João Paulo II.
O afeto e a admiração por Madre
Teresa sempre ultrapassaram os limites da fé; e a sociedade civil concedeu-lhe
o Prémio Nobel da Paz em 1979, “pelo seu serviço pelos pobres e com os
pobres”. Na ocasião, consciente de ter ante si uma plateia mundial, a irmã
do sorriso iluminado usou o discurso de agradecimento para lançar uma mensagem
em que falou do aborto. Ficou célebre a sua frase: “E se nós aceitamos que uma mãe pode matar até mesmo o seu próprio
filho, como é que podemos dizer às outras pessoas para não se matarem?”. De
facto, Teresa entregou-se em prol da vida – um compromisso que durou para
sempre e que foi recordado por São João Paulo II na homilia aquando da sua
beatificação:
“Costumava
dizer: ‘Se ouvirem que alguma mulher não deseja ter o seu filho e pretende
abortar, procurem convencê-la a trazê-lo para mim. Eu o amarei, vendo nele o
sinal do amor de Deus’.”.
Menos de dois anos após a sua morte,
pela sua grande fama de santidade e das graças obtidas por sua intercessão, o
Papa polaco permitiu a abertura da Causa de Canonização. E, em 19 de outubro de
2003, foi proclamada beata. Afirmava durante a homilia o Papa Wojtyla:
“Estou
pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado. […] Ia
a toda a parte para servir Cristo nos mais pobres entre os pobres. Nem
conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela. […] Escolheu ser
não apenas a mais pequena, mas a serva dos mais pequeninos […]. A sua grandeza
reside na sua capacidade de doar sem calcular o custo, de se doar ‘até doer’. A
sua vida foi uma vivência radical e uma proclamação audaciosa do Evangelho.”.
Toda a vida e a obra de Teresa –
apesar das suas crises existenciais, onde emergiu também a larvar crise de fé,
que não a fez desistir de nada (Só quer dizer que não era um anjinho, mas uma mulher de carne e osso) – oferecem testemunho da alegria de
amar e do valor das pequenas coisas, feitas com fidelidade e com amor. Ainda
hoje, os sinais da sua presença são tangíveis através das suas obras que as Missionárias
da Caridade levam por diante em todo o mundo.
***
Dois anos após a canonização, foi lançado o livro
“Madre Teresa, uma santa para ateus e
casados”, uma coletânea
das meditações de Advento do Padre Raniero Cantalamessa, o pregador da Casa Pontifícia, dedicadas à luminosa
mensageira do amor de Deus.
Cantalamessa dizia, em dezembro de 2003, pouco depois da beatificação de
Madre Teresa, que a primeira pedra sobre a qual se apoia a sua santidade é
“a resposta a uma chamada”, é “a obediência a uma inspiração divina,
provada e reconhecida como tal”.
O Capuchinho
fazia as habituais pregações do Advento na Capela Redemptoris
Mater do Palácio Apostólico, na presença do Papa João Paulo II e da
Cúria Romana. Agora, às vésperas do 5 de setembro, dia em que a Igreja
celebra a memória litúrgica da Santa, é lançado pelas “Edizioni San Paolo” o predito
livro. E, sobre o tipo de chamada a que se referia em 2003, Cantalemessa
especifica:
“Além da primeira chamada que a fez tornar-se
religiosa, houve uma segunda, com que o Senhor lhe pedia que deixasse a Ordem
religiosa, a vida que levara até então, para começar uma obra que a princípio a
assustou: isto é, criar uma nova Ordem de religiosas indianas que estivesse a
serviço dos mais pobres dos pobres.”.
E comparou essa chamada à de Abraão, que não tinha motivos morais para
sair de Ur dos Caldeus, mas a quem o Senhor pedia isso. E diz:
“De facto, Madre Teresa teve um pouco de
resistência no começo, porque estava bem na Ordem das irmãs de Loreto. Mas isso
é de certa forma sempre o início de uma aventura de santidade: responder a uma
chamada, a algo de novo, que para ela era esta grandiosa obra que conhecemos.”.
Referindo-se às crises existenciais de Madre Teresa, explicita:
“Este foi o elemento que causou alguma
perplexidade no mundo quando foram publicados os diários íntimos de Madre
Teresa, porque ela falava sobre essa escuridão como uma ‘ausência de Deus’, na
verdade quase acreditava ser uma ateia e não sentir Deus. Esta é uma explicação
muito clássica no cristianismo: a noite escura do Espírito. Algumas almas são
chamadas a viver praticamente na ausência de Deus. Deus está evidentemente,
como sempre, presente nelas, mas elas não sentem isso. Esta é uma prova de
purificação: serve para purificar a fé dos santos.”.
Porém, assegura outras intenções e explicações de Teresa, dizendo:
“Na pregação, digo que Madre Teresa tinha
também outros propósitos, outras explicações. Uma era a de protegê-la, como uma
tela de amianto: ela que deveria passar por entre as chamas da publicidade, dos
media. Portanto, esse vazio interior, essa ‘desolação’ – porque esse é o
termo, a desolação que viveu – protegia-a do entorpecimento da fama. E, depois,
uma outra explicação, a meu ver, é que Madre Teresa vivia um pouco o que vivem
os ateus, uma categoria particular deles: os que não se orgulham do seu
ateísmo, mas o vivem como uma angústia existencial, um vazio interior, que é um
pouco o que dizia Albert Camus, os ‘santos sem Deus’, uma santidade feita de
dedicação aos outros, porém sem a fé em Deus.”.
Sobre a aplicação dos “santos sem Deus” a Teresa de Calcutá,
Cantalemessa discorre:
“Madre Teresa compartilhou um pouco essa
situação, por isso digo que ela é uma santa para os ateus. E também para os
casados, porque há uma analogia, [pois] no casamento acontece um pouco o que
acontece na vida dos santos: no início há os atrativos, a atração recíproca, as
consolações e depois, gradualmente, pode chegar o tempo em que não se
experimenta mais nada, se deve continuar a amar não tanto pela consolação que se
recebe do outro, como pelo amor puro. E Madre Teresa é um pouco o exemplo
disso: perseverando, isto é, continuando a amar, quando não há mais a atração
inicial. Isso purifica o amor. E, de facto, muitos cônjuges, no final de suas
crises, estão prontos para dizer que o amor amadureceu após esse tempo, é mais
puro do que antes.”.
No atinente
às duas fontes de inspiração de Teresa e de Wojtyla, amigos, o Capuchinho atesta:
“Madre Teresa tinha como que duas
iluminações: uma era o ‘sitio’ (tenho sede) de Jesus, a sede de amor; o
outro era o serviço aos pobres. E, falando de seu serviço aos pobres, recordava
que para Madre Teresa a maior pobreza era a de Deus, a pobreza do Espírito.
Wojtyla foi um exemplo dessa dedicação a serviço do Espírito: foi consumado e,
nesse momento, sendo como todos se recordam daquelas condições de saúde, podia
permitir-me também um pouco falar-lhe quase diretamente – motivo pelo qual, em
determinado momento, me dirigi a ele como que dizendo que na sua vida ele deu
um exemplo para todos de uma vida consumida pelos outros.”.
Por fim, aduz que não publicou o livro logo depois de ter feito as
pregações com este conteúdo por citar “nas pregações alguns textos dos
diálogos reservados de Madre Teresa, que ainda não haviam sido publicados
oficialmente”. E acrescenta algumas circunstâncias de ordem pessoal e
institucional:
“Também tive a oportunidade de fazer um
retiro na Albânia no ano passado e vi o que Madre Teresa é agora para os
albaneses. Tudo isso, unido ao facto de que houve uma Exortação Apostólica Gaudete
et Exsultate do Papa Francisco sobre a chamada à santidade no mundo
contemporâneo, fez-me recordar que Madre Teresa é um dos evidentes exemplos –
juntamente com Padre Pio, que eu cito como o ‘irmão’ de Madre Teresa – de
santidade moderna. A santa, por outro lado, recordava às suas irmãs o famoso
Evangelho dos ‘cinco dedos’, ‘foi a mim que fizeste’, isto é, a união entre
Jesus e o serviço dos pobres era inseparável.”.
***
Em suma, a santa que não é do outro mundo, mas do nosso, com carne e
osso, que sofreu crises existenciais como nós – santa de Cristo, santa dos
pobres, santa dos ateus, santa dos casados!
2018.09.04
– Louro de Carvalho
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