É uma iniciativa do Centro Social Santa Cruz –
Irmãs Passionistas de Santa Maria da Feira, realizado consecutivamente já pela
4.ª vez, caindo este ano a 9 de setembro, XXIII domingo do Tempo Comum, no Ano
B.
A missa das 10 horas na igreja do Seminário Santa
Cruz, dos Missionários Passionistas, sob a presidência do Padre João Paulo
Silva, com casa a transbordar de fiéis e com um número de canto e gestos
protagonizado pelas crianças, constituiu o momento inaugural do evento, que se
prolongou pelo dia com um leque de
atividades que visam aproximar a instituição à comunidade feirense – um dia
repleto de animação, degustação e convívio.
***
Na homilia, o celebrante fez a ponte do coração aberto para a perícopa
evangélica proclamada no dia (Mc 7,31-37) em que a palavra de ordem
é “Effathá”, isto é, “Abre-te”. Esta palavra foi pronunciada por Jesus na cura
dum surdo-mudo que lhe trouxeram quando atravessava o território da Decápole a
caminho do mar da Galileia, provindo da região de Tiro por Sídon.
Rogando os que o traziam que lhe impusesse as mãos como usualmente fazia,
o Senhor optou por outro tipo de gesto: “afastou-se da multidão com ele, meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua;
depois, elevando os olhos ao céu, suspirou e disse: Effathá” (Mc 7,32-34). Obviamente, o gesto de Jesus resultou, pois, “logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e passou a
falar corretamente” (Mc
7,35).
A cura aconteceu a pedido dos circunstantes, mas sobretudo por vontade
de Cristo, que deu a lição da não aceção de pessoas. Aquele surdo-mudo era
estrangeiro, porquanto a Decápole (do grego: deka, dez + polis,
cidade) era o grupo de dez cidades na fronteira oriental
do Império Romano na Judeia e Síria (fronteira oriental do Império), que não constituíam uma liga oficial ou unidade política, mas foram
agrupadas por causa da língua, cultura, localização e status político. Elas foram fundadas por comerciantes gregos e
imigrantes, tornando-se centros de cultura helénica, numa região
predominantemente semita (Nabeus, Sírios e Judeus), tendo cada uma delas um certo grau
de autogoverno. Ademais, estes doentes eram olhados de soslaio e postos de
lado, pois arcavam com as culpas de pecados cometidos por si ou por seus
antepassados.
E, porque pretendia que
se não entendesse o milagre como pura taumaturgia, mas como instrumento da fé
no Messias, que havia de, antes de ser exalçado ao estatuto de Senhor e
Salvador, havia de ser entregue nas mãos dos malfeitores ser morto, descer à
mansão dos mortos e ressuscitar, Jesus mandou aos que o
ouviam e viram o milagre que a ninguém revelassem o sucedido. Porém, quanto
mais lho recomendava, mais eles o apregoavam, dizendo no auge do assombro: “Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e
falar os mudos”.
Ora, se era necessário que os ouvidos e a boca se lhe abrissem para que
o doente pudesse ouvir e falar, mais necessário seria e será que se nos abram
os ouvidos para acolhermos a pregação que nos dá acesso ao dom da fé a partir
da palavra de Deus proclamada e para a professarmos com os lábios e com o
coração – entre as pessoas do nosso grupo e perante as pessoas de grupos
estranhos. Só por esta via se constrói o homem de Deus e se edifica a
comunidade.
Recorde-se que esta cura do surdo-mudo se assemelha a um ritual
litúrgico. Talvez por isso e pelo que o Batismo significa como porta e selo da
fé em Cristo e, por Ele, como via de entrada na comunhão com a divina Trindade,
desde os primórdios da Igreja o ritual do “Effathá” passou para a
celebração do Batismo, sendo hoje um elemento ritual facultativo. Assim, o
ministro do Batismo, logo após a entrega da vela acesa, toca
os ouvidos e a boca do neófito e diz:
“Effathá, que quer dizer Abre-te.
O Senhor Jesus, que fez ouvir os surdos e falar os mudos,
te dê a graça de, em breve, poderes ouvir a sua palavra e professar a fé, para
louvor e glória de Deus Pai.”.
Pelo Batismo, o Senhor através do Espírito Santo, abre os
ouvidos do batizado para que ouça e entenda a Palavra de Deus, solta a sua
língua e abre-lhe a boca para que possa professar a sua fé. Os pais (e os padrinhos) são os instrumentos desta mensagem, que por sua mediação deverão
fazê-la chegar às crianças. Na continuidade, os filhos, atingido o uso da
razão, poderão dizer: agora eu creio, porque eu mesmo conheço o Senhor Jesus
Cristo e me sinto pertença da comunidade, que também é minha e está ao serviço
de Deus presente sobretudo nos deserdados da sorte ou descartados pelo egoísmo
dos homens, férteis em criar e manter estruturas políticas, sociais morais e
económicas de pecado, promovendo o lodaçal da indiferença em que erigem as
capelas da opressão, repressão e corrupção.
***
Na linha da abertura, vem o profeta Isaías (Is 35, 4-7a), 1.ª leitura, dizer a quem está
perturbado no espírito e no coração que ninguém tenha medo, pois Deus vem em pessoa retribuir-nos e salvar-nos.
Abrir-se-ão os olhos do cego e os ouvidos do surdo, o coxo saltará como o veado
e a língua do mudo dará gritos de alegria. Isto, porque a água jorrou no deserto e as torrentes na estepe. Por conseguinte, a terra queimada mudar-se-á em lago
e as fontes brotarão da terra seca.
No trecho a que se reportam estas asserções estão
contempladas as áreas a que se reporta a ação messiânica, reiteradas e
expandidas em Is 61:
“O espírito do Senhor
Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa nova
aos que sofrem, para curar os desesperados, anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros; para proclamar um ano da graça do Senhor, o dia
da vingança da parte do nosso Deus; para consolar os tristes, para coroar os
aflitos de Sião; para mudar a sua cinza em coroa, o seu semblante triste em perfume de festa e o seu abatimento em cânticos de alegria. Então serão chamados
‘Terebintos de justiça’, ‘Plantação do Senhor para sua glória’.” (Is
61,1-3).
O terebinto abunda na região
mediterrânica, no norte de África e sudoeste da Ásia; e, por ser tolerante a
regimes de seca e ao frio, dá-se bem em solos quase desérticos até 1500 metros
de altitude. No Médio Oriente, partilha o território com a Pistacia
palaestina, exemplares de grande porte e vem associado a proeminentes
figuras bíblicas eminentes e a teofanias.
Podendo chegar aos 5 metros de
altura, tem folhas compostas que caem no Inverno, com um folíolo terminal que
está ausente no lentisco. Incisões no tronco fazem-no ressumar uma resina
perfumada, a terebintina de Quio, com vasto uso em vernizes, vinhos e molhos,
sendo que, pelo aroma, a sua madeira é preferida para caixas de charutos. As
flores, sem pétalas, são púrpura e dispostas em panículas nas axilas das
folhas, nascendo com a folhagem nova em abril-maio: as masculinas têm um cálice
pentalobado, 5 estames, anteras gigantes e um nectário; as femininas são feitas
de cálice fendido em três ou quatro lóbulos e um estilete curto rematado por
três chifrinhos. Os frutos são drupas diminutas da cor do coral, usadas para
condimentar pão ou, tostadas, numa bebida quente com o aspeto de café (e pistacia deriva
do grego pistake, noz). E deixa criar uma espécie de
vagem que dá um bugalho como o do carvalho, uma excrescência
produzida pela picada de insectos que usam este “feijão” como uma barriga de
aluguer – vantajosa para a árvore, que assim se protege das malfeitorias do
bicho.
E Jesus, o Deus que vem em pessoa,
assume a missão messiânica em a Nazaré, onde tinha sido criado,
quando entrou, segundo o seu costume, em dia de sábado na sinagoga e se
levantou para ler. Quando lhe entregaram o livro de Isaías, desenrolando-o,
deparou com a passagem em que está escrito:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me
ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista;
a mandar em liberdade os oprimidos,
a proclamar um ano favorável da parte
do Senhor” (Lc 4,18-19).
Claro estava: aos conterrâneos não se abriram os
olhos nem os ouvidos para acolher o Messias. Não viam nele a competência para a
missão messiânica (omitiu “o ano da vingança de Deus”).
Não passava do carpinteiro e de Maria. Só se lhes abriu a boca para o doesto,
não para a profissão da fé, pois recusaram ver num semelhante seu a figura
profetizada desde os tempos antigos. Não tinham o coração aberto ao advento
destes dias, que são os últimos, em que o filho de mulher, nos libertaria da
materialidade da Lei e nos encaminharia para o novo dinamismo da fé
profundamente pessoal e radicalmente comunitária. Recusavam abraçar a nova
realidade, preferindo virar-lhe as costas: vendo não viram e ouvindo não viram.
Funcionaram ao contrário de João Batista que viu em Jesus “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo
1,29.36).
E, quando João mandou discípulos seus perguntar se
era efetivamente o Messias, Jesus indicou as caraterísticas do Messias já em
ação, como dizem os evangelistas Lucas e Mateus:
“Nessa altura,
Jesus curava a muitos das suas doenças, padecimentos e espíritos malignos e
concedia vista a muitos cegos. Tomando a palavra, disse aos enviados: ‘Ide
contar a João o que vistes e ouvistes: Os cegos veem, os coxos andam, os
leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, a Boa Nova
é anunciada aos pobres; e feliz de quem não tiver em mim ocasião de queda’.”
(Lc 7,21-23; cf Mt 11,2-6).
A perspetiva da vinda de Deus é motivo de alegria
para os justos, bem como de animação a que preservem no caminho, e constitui
uma chamada e um estímulo aos pecadores à conversão ao Reino de Deus que é
insistentemente anunciado para suscitar a fé e outorgar o perdão dos pecados.
Esta é a Boa Notícia: Deus “desforra-se” das ofensas que lhe fazemos, não com
uma atitude de vingança (que Jesus não tem no programa),
mas oferecendo a todos a salvação.
***
Se Deus não faz aceção de pessoas como reconhece
Pedro, pois,
“em
qualquer povo, quem o teme e põe em prática a justiça lhe é agradável” (At 10,35), não fazendo
qualquer distinção entre os pagãos e judeus, por ter purificado os corações de
todos pela fé (cf At 15,9), também nós não a podemos fazer. E a este respeito, a
carta de Tiago (Tg 2,1-5), 2.ª leitura,
é clara e prática, não permitindo que tentemos conciliar a
fé em Nosso Senhor Jesus Cristo glorioso com a aceção de pessoas. Assim, se
entra na assembleia um homem com anéis de ouro e bem trajado e um pobre mal
vestido, não podemos dar um lugar cómodo e/ou de destaque ao rico e deixar o
pobre de pé ou sentado no chão ou abaixo do estrado. Não podemos fazer
distinções entre nós julgando com critérios perversos. E devemos saber que “escolheu Deus os pobres segundo o mundo para
serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam”. E esta
igualdade deve patentear-se quer nas assembleias litúrgicas quer nas ações
diárias. Alguma exceção a fazer seja em prol do pobre. Na verdade sob a lei de
Deus, todos pecaram e merecem o castigo, mas também todos o que se arrependem e
creem em Jesus recebem a salvação (vd Rm 3,23-24).
Deus é sempre justo e ama a todos de forma igual, oferecendo a salvação a todo aquele
que crê; não
julga pelas aparências, mas julga o coração e vê o que
realmente define o caráter da pessoa (vd 1 Sm 16,7).
Ora, estando abertos à justiça imparcial e misericordiosa de Deus, ao coração
aberto apraz-lhe o abraço com Deus e realiza-se no abraço com o próximo,
sobretudo o mais indigente.
Deus é assim, assim devemos ser nós pessoalmente e
em Igreja.
2018. 09.09 – Louro de Carvalho
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