quarta-feira, 12 de setembro de 2018

No 1.º aniversário da morte de Dom António Francisco dos Santos


Depois da grande homenagem prestada, na sua terra natal, pela Igreja – mormente a das dioceses onde exerceu o seu apostolado e ação pastoral (a 29 de agosto, dia do 70.º aniversario do seu nascimento) – e pelas forças politicas, civis e desportivas, bem como da evocação que da sua vida fez o Presidente da Conferência Episcopal no âmbito do Simpósio do Clero de 2018, o dia 11 de setembro de 2018, o 1.º aniversário da morte de Dom António Francisco dos Santos, ficou marcado por algumas iniciativas de grande e múltiplo significado.
***
São de assinalar as celebrações eucarísticas em sufrágio por ele, merecendo destaque a que foi acolhida pela Sé Catedral do Porto em que, na homilia, Dom Manuel Linda, Bispo do Porto recordou o “exemplo de simplicidade” do seu predecessor, Dom António Francisco, vincando:
A vida dele era de simplicidade, se alguma coisa o caraterizava era a simplicidade, tão simples que as pessoas gostavam. Não gostam, de facto, das coisas complicadas, mas da simplicidade que lhe vinha, porventura da natureza dele, mas trabalhada pela dimensão religiosa.”.
Mais referiu o Bispo do Porto que a simplicidade de Dom António Francisco era “um dado trabalhado pela profunda espiritualidade”, frisando que, enquanto as crianças “encontram tudo no pouco”, os homens adultos encontram “pouco no tudo” e, por isso, desprezam Deus. E, perante as centenas de pessoas que participavam na missa desenvolveu:
A simplicidade é a primeira ordem das coisas, Deus é simples, nós é que complicamos, é que complexizamos a realidade e daqui geramos angústia”.
Segundo Dom Manuel Linda, a figura de António Francisco congregou a diocese, como alguém que “não se afasta da multidão, nem a multidão dele”, porque dele saía uma força que “a todos sarava”, transmitia o “ânimo, contentamento”, que “só os grandes são capazes de transmitir”. Mas advertiu, ancorado na atitude de Jesus” que “manda ser prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas” que “a simplicidade maior não é apenas a relação com as coisas, é no modo de ser e viver”. E observou que “a sinceridade é a forma da verdadeira grandeza”.
E ficou decidido que a data de 11 de setembro passará a ser o dia anual de sufrágio pelos bispos, sacerdotes e diáconos já falecidos, na Diocese do Porto – mudança em relação ao atual uso que dava a data de 29 de setembro, dia do aniversário da morte de Dom Armindo Lopes Coelho.
***
Tanto a Voz Portucalense como o Jornal de Notícias, a Rádio Renascença e o Vatican News, bem como outros órgãos de Comunicação Social deram relevo, por estes dias, à vida e ação do antigo Bispo do Porto e de iniciativas promovidas em torno da sua memória.  
Assim, no dia 11 de setembro de 2018, um ano após a morte de Dom António Francisco dos Santos, procedeu-se à primeira edição do Prémio que homenageia o Bispo que liderou a diocese do Porto entre 2014 e 2017, que foi atribuído à Companhia de Jesus em reconhecimento do seu trabalho no campo dos migrantes e dos refugiados, com relevância para a obra desenvolvida na cidade do Porto e como referência de amor ao próximo e de solidariedade.
Esta iniciativa solidária – da Irmandade do Clérigos, da Santa Casa da Misericórdia do Porto e da Associação Comercial do Porto (Palácio da Bolsa) – tem um valor de 75 mil euros e destina-se a apoiar organizações e cidadãos que se distingam na promoção e defesa da dignidade da pessoa humana, na defesa e promoção dos direitos humanos, no diálogo inter-religioso e ecuménico e na promoção da paz.
Neste ano, são galardoados, em particular os seguintes serviços da Companhia de Jesus de apoio a migrantes e refugiados: Centro Comunitário São Cirilo, uma comunidade de inserção criada pelos jesuítas no Porto para acolher e (re)capacitar pessoas e famílias estrangeiras e nacionais a passar por fase temporária de fragilidade social (pessoas despejadas das suas casas, sem-abrigo, que querem sair da rua e encontrar trabalho, estrangeiros que perdem o emprego e sem retaguarda familiar de suporte, entre outras), tendo, desde a abertura oficial (a 4 de janeiro de 2010), ajudado mais de 6000 pessoas de 113 nacionalidades e conseguido mais de 300 colocações em emprego; e Centro de Instalação Temporária para migrantes em situação irregular (detenção administrativa), Unidade Habitacional de Santo António (UHSA) da responsabilidade do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) no Porto – centro apoiado pelo Serviço Jesuíta de apoio a Refugiados (JRS) na sequência de Protocolo de Colaboração entre o Ministério da Administração Interna/SEF e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) – com capacidade para alojar 30 adultos e 6 crianças, albergando pessoas que receberam ordem de afastamento do país por estarem em situação irregular e que aguardam a efetivação da medida.
Sobre o Centro São Cirilo, o Padre Luís Ferreira do Amaral, presidente da direção, revelou ao semanário Voz Portucalense a satisfação pelo reconhecimento conferido pelo Prémio, dizendo:
Foi com grande alegria que nós tomamos conhecimento deste Prémio e serve para confirmação do trabalho no Centro Comunitário São Cirilo. E também por esta causa que é tão atual no apoio a pessoas nacionais, internacionais, migrantes e refugiados. Pessoas que precisam de ajuda. Este Prémio confirma o nosso trabalho.”.
E o sacerdote, confessando também sentir uma “certa responsabilidade pelo trabalho futuro” que vierem a desenvolver no Centro, salientou que Dom António Francisco era “um bispo muito querido nesta diocese”, alguém “que demonstrava claramente uma preocupação social, com os mais fracos e com os mais pobres”..
Por sua vez, do trabalho dos jesuítas no âmbito da Unidade Habitacional Santo António, o Dr. André Costa Jorge, diretor do JRS em Portugal, falou ao mesmo semanário, declarando:
Enorme gratidão e reconhecimento pela atribuição do Prémio ao nosso trabalho no Porto no âmbito do acompanhamento que fazemos a migrantes que estão em espaço de detenção administrativa. Um trabalho muitas vezes difícil e silencioso sobre o qual tem sido feita uma reflexão profunda em todo o mundo. Concretamente, em Portugal, temos este trabalho de acompanhamento. É um motivo de grande orgulho.”.
E, acentuando a vulnerabilidade e fragilidade dos migrantes ou refugiados que vivem a situação de detenção administrativa, recordou a grande visão cristã e humana de Dom António Francisco e as suas constantes palavras “que nos desafiavam muito a sermos criativos, a sermos ousados na ação que fazemos”. De facto, o apoio psicossocial do JRS na UHSA centra-se sobretudo na redução da ansiedade e do stress vividos pelos detidos na adaptação às instalações da Unidade, na preparação para o regresso aos países de origem e na elaboração de projetos de vida.
O Padre Américo Aguiar, presidente da Irmandade dos Clérigos, disse aos jornalistas:
Queremos que no Porto se faça a diferença, a cidade que fez das tripas coração queremos que continue o apoio aos mais desprotegidos”.
O sacerdote, assegurando que “foi uma alegria descobrirmos o quanto de bem se faz na nossa cidade, explicou que foi uma realidade que descobriram e quiseram “divulgar e premiar” para que seja “o dia a dia cada vez mais próximo daqueles” que, como dizia um galardoado ao citar Dom António Francisco, “os pobres não podem esperar”.
E, referindo que o “prémio material pretende ser um investimento em boas ações, em bem-fazer”, o presidente da Irmandade dos Clérigos frisou que, nos últimos tempos, “sempre que há eleições na Europa, é uma aflição, um sofrimento”, pelo que entende que se tem de fazer “o trabalho de casa” e todos – sociedade, Igreja, políticos, partidos – não podem “só ficar aflitos quando o fogo está a chegar às calças”. Depois, observou:
Às vezes surgem alguns incidentes que colocam os portugueses como racistas, xenófobos, mas na nossa matriz existe o encontro de cada um com os outros e, como dizia Dom António, “todos cabemos no coração de Deus”.
Por seu turno, o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto recordou que a instituição a que preside tinha de ser uma das promotoras do prémio, afinal, “sempre se identificou muito” na maneira de “estar e ser” do falecido bispo do Porto e declarou:
Era uma pessoa muito dedicada ao próximo com o próximo; o facto de termos elegido os refugiados é uma mensagem que quisemos passar de paz, de cooperação”.
Para António Tavares, a Santa Casa da Misericórdia do Porto tem “plena consciência” de que existe “quem não tem acesso a níveis de qualidade de vida, de proteção social” e é nisso que têm “estado muito atentos” e a ser um “apoio a favor da dignidade da pessoa humana”.
Também o presidente da Associação Comercial do Porto, outra das entidades promotoras do prémio, realça que existem para “promover a ilustração e prosperidade da região”, sendo que a “coesão social é fator preponderante de desenvolvimento económico”. E, em relação ao Bispo, Nuno Botelho recorda que “emocionava a cada momento” as pessoas que estavam com o Bispo do Porto entre 2014 e 2017, e a sua forma de se relacionar com as pessoas e como “abordava os temas, os problemas, abria ainda mais os horizontes para essas necessidades”. E acrescentou:
É quase uma obrigação da cidade, enquanto Diocese do Porto, estar atenta ao legado que deixou de atenção aos próximos, de olhar a quem precisa e nunca esquecer que um dia podemos ser nós”.
***
O jornalista Rui Saraiva escreveu na Voz Portucalense e disse ao Vatican News que a figura de Dom António Francisco no último ano já foi motivo da atribuição do nome de uma futura ponte sobre o rio Douro a ligar os territórios dos municípios de Porto e Vila Nova de Gaia e de uma sentida homenagem na sua terra natal com a inauguração dum belo e eloquente monumento em sua memória. E isto porque a sua ação pastoral na diocese do Porto “foi intensa, próxima e profundamente evangélica”. E elegeu quatro momentos marcantes do seu incansável trabalho na diocese: o plano diocesano de pastoral, a visita aos doentes, a visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, a Peregrinação Diocesana a Fátima.
Segundo o jornalista, Dom António Francisco “marcou a sua ação no Porto com uma enorme capacidade de visão estratégica e planeamento” a que “dava uma dimensão pastoral traduzida em caminho a percorrer no tempo”. O Plano Pastoral quinquenal apresentado em 2015 iniciou esse caminho com o lema “A alegria do Evangelho é a nossa missão”, que ele queria percorrer rumo ao Sínodo Diocesano, colhendo inspiração na Exortação Apostólica do Papa Francisco “Evangelii Gaudium”. Assim, o prelado preconizou que a Diocese caminhasse com um grande objetivo: “A Igreja Diocesana, marcada pela alegria do Evangelho, que nasce do encontro com Cristo, renova-se em missão, para irradiar a esperança e servir na caridade”.
Iniciando este percurso, embalado pelo Ano Santo da Misericórdia proposto pelo Papa Francisco, o Prelado deu um lema forte e significativo ao caminho de 2015/16 “Felizes os misericordiosos!”. O ano 2016/17 avançou com o lema “Com Maria, renovai-vos nas fontes da alegria!”. E 2017/18, o último ano percorrido sem Dom António, seguiu com o grande lema “Movidos pelo amor de Deus!”. Estas etapas anuais, com suas atividades, encontros e momentos, levaram a Igreja do Porto a percorrer caminho em conjunto, um caminho “sinodal” que na sua última fase fosse o que Bispo assinalara: “Um caminho sinodal aberto a todos!”.
Uma constante na vida pastoral de Dom António Francisco na diocese foi a Visita aos doentes, preocupação diária a que se entregava “envolvido pelo acolhimento aos mais necessitados”. Quando visitava alguém num hospital da cidade ou da diocese, visitava também os restantes doentes da enfermaria, deixando todos deixava uma palavra, um carinho, um sorriso.
De memória prodigiosa, as visitas a hospitais e outras instituições de saúde e de acolhimento de idosos “permitiram municiá-lo dos pormenores necessários para aumentar o seu âmbito de contacto e de comunicação”. E vinca o jornalista:
Tinha uma postura personalizada. Cada pessoa era um alvo da sua atenção, do seu olhar e da sua ternura. Não esquecia os nomes e os detalhes dos encontros e isso permitia-lhe conhecer as pessoas, as suas histórias, as suas preocupações e necessidades. Em particular, nos hospitais Dom António Francisco já era uma visita normal. Os funcionários conheciam-no e saudavam-no logo que o viam cientes de que trazia calor humano para os doentes.”.
Em 2016, a Visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima a todas as dioceses do país foi particularmente sentida na diocese portucalense de 10 de abril a 1 de maio. Nestes momentos de alegria e encontro, de oração e celebração, eivados pela profunda fé do povo, Dom António redobrou-se no contacto, no acolhimento e nas atividades desses dias. Dizia em 10 de abril na receção da imagem peregrina em Ovar:
Podemos dizer que a correspondência à presença da Virgem Maria na Igreja e nas nossas vidas, por vontade de Deus, é mais que mera devoção. Criatura de Deus, a primeira e a mais fiel dos discípulos, sinaliza caminhos de busca e de encontro com Jesus Cristo. Não é meta, nem é caminho: é companhia e vereda para o Caminho.
Mas o último momento de Dom António Francisco na Diocese foi a Peregrinação Diocesana a Fátima a 9 de setembro de 2017, uma etapa percorrida com os diocesanos antes de o seu coração o trair interrompendo o percurso iniciado em 2014. Com o seu falecimento a 11 de setembro, dois dias depois da peregrinação a Fátima, “transformaram-se em objeto de estudo os momentos, as palavras, as reflexões e as emoções ali vividas”. O Bispo colocava nesta iniciativa especial atenção e expectativa e, não esperando tanta gente e tanta esperança no coração dos seus diocesanos, “o seu olhar transbordava de fé e de alegria”, sabendo que “aquele momento era princípio de algo de novo para a diocese”. E as suas últimas palavras no Santuário de Fátima – imbuídas de natural gratidão – foram de agradecimento e missão:
Obrigado a todos os que mais uma vez, e desta forma tão bela, nos dizem pela presença, pela alegria, pela oração, pela generosidade e pelo trabalho e também pela ajuda económica que deram para esta realização, que por aqui passe o sonho de Deus e o caminho da Igreja do Porto. Sentimo-nos movidos pelo amor de Deus, queremos ser esperança e fermento de um mundo melhor e queremo-nos abençoados pela mãe de Deus. […] Convoco-vos a partir daqui e desta admirável peregrinação e abençoada jornada para a missão, mas é Jesus, o Enviado do Pai, que vos envia.”.
***
O Padre Américo Aguiar, numa entrevista ao programa Ecclesia da RTP 2, transmitido a 11 de setembro, por entre momentos de tranquilidade e de emoção (longo tempo se lhe embargou a voz, ficando sem palavras), acentuou em Dom António a faceta da bondade e doçura vivenciadas no contacto com as pessoas sem olhar para o relógio e na relação com os agentes de bastidores para a administração e a ação pastoral; a paciência contra a eventual impaciência dos colaboradores; o profundo conhecimento das pessoas; a imagem de proximidade que deixou nos sítios mais improváveis; o seu empenho na educação da fé e nas vocações e o seu interesse pelos problemas da mobilidade humana. Disse que Dom António, em qualquer situação problemática ou num desafio que propunha, via sempre algo de positivo, por mais pequenino que fosse. E era assim que tentava contornar situações (e foram muitas) que lhe provocavam sofrimento. Mas a bondade mata – inferiu – e o coração não aguenta! E deu nota da edição dum livro em memória deste “Bispo inesquecível”, embora não insubstituível, um abecedário temático sobre o seu pensamento no Porto (realce para a bondade), da responsabilidade da instituição que preside.  
2018.09.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário