Eis o tema do Simpósio do Clero que está a decorrer em
Fátima, no Centro Pastoral Paulo VI de 3 a 6 do corrente mês de setembro e que
contou com a presença do Prefeito e do Secretário da Congregação para o Clero,
da Santa Sé, respetivamente Cardeal Beniamino Stella e o Bispo Jorge Carlos
Patrón Wong. Trata-se dum tema muito inspirado
na reflexão e nos desafios propostos pelo Papa Francisco. De facto, a alegria
do Evangelho deve estar no centro da vida da Igreja e, por natureza, no centro
das preocupações, do trabalho e da vida dos sacerdotes como testemunhas dessa
alegria, desse Evangelho, e ser capaz de apaixonar a vida das pessoas.
Este encontro comemora as suas bodas de prata e Dom
António Augusto Azevedo, Presidente da
Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, sublinha que, tal como os
demais, “é sempre um momento alto” de “encontro, reunião, diálogo, de reflexão”
e conhecimento dos sacerdotes de Portugal.
Segundo a Rádio Renascença, o Simpósio releva o celibato
sacerdotal, a formação inicial e permanente, a vida e o ministério, bem como os
diferentes desafios que hoje se colocam à Igreja e ao clero, incluindo o drama
dos abusos sexuais de menores imputados a clérigos.
Os 450
sacerdotes do país que participam no Simpósio têm consciência clara de que ser
padre é mais difícil do que era antes, mas também talvez por isso o celibato é
ainda mais belo e desafiante na vida da igreja. Disse Dom António Augusto Azevedo
a este respeito:
“Poderá ser mais difícil no sentido de que temos uma sociedade muito
mais aberta, muito mais exposta. As dificuldades são mais visíveis. Porém, o
celibato hoje é entendido como um verdadeiro dom e um verdadeiro crisma da
parte de Deus. É uma riqueza para a Igreja, mas é também um testemunho para o
povo de Deus.”.
Na ótica
do Padre José Alfredo, Secretário da Comissão Vocações e Ministérios “o grande desafio para os
sacerdotes é de poderem atualizar a mensagem do Evangelho para o mundo
presente, sem perdermos o específico da nossa missão e da nossa identidade,
sabendo que muitas estruturas da Igreja, algumas têm séculos e que naturalmente
não se muda isso de um dia para outro, sobretudo quando a mudança na sociedade
é muito rápida e muito acelerada por variadíssimas razões: a globalização, a
comunicação social, as novas formas digitais, isso trouxe uma mudança de
consciência, mesmo de pertença em relação à Igreja”.
***
Do programa
consta, no começo da tarde do 1.º dia, 3 de setembro, logo a seguir à sessão de abertura, a saudação, que ficou a cargo de Dom António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto e Presidente da
Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, já referenciado. A seguir, Dom Jorge Ortiga,
Arcebispo de Braga, fez a retrospetiva
de 25 anos de Simpósios do Clero; Dom
Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa e Presidente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), fez a
evocação de Dom António Francisco dos Santos, antigo Bispo do
Porto, falecido a 11 de setembro de 2017; e o Cardeal Beniamino Stella, Prefeito da Congregação para o Clero
proferiu uma conferência em torno do título “O ministério sacerdotal no magistério do Papa
Francisco”.
O 2.º
dia, o dia 4, foi dedicado à problemática da
formação. Assim, Dom Jorge Carlos Patrón Wong, Secretário
da Congregação para o Clero (segundo Dom António Azevedo, a pessoa mais habilitada
para falar sobre “a implementação das novas orientações para a formação dos
sacerdotes”), proferiu,
da parte da manhã, duas conferências consecutivas: uma sobre “A formação sacerdotal e a igreja do futuro”;
e outra, sobre “A
formação para a fidelidade e fecundidade do ministério”. E, à tarde, o teólogo Pablo d'Ors, da Diocese de Madrid, Associação Amigos do Deserto, falou
sobre a “Vida Espiritual: alma do
ministério sacerdotal”.
O dia 5, 3.º
dia, foi dedicado a testemunhos.
Depois de Dom António Couto, Bispo
de Lamego, ter abordado o tema “O Padre:
ministro e testemunha da Palavra”, organizou-se um painel sob o tema “Ser padre, um modo profético de viver”,
com a participação do Padre Manuel
Mendes, da Obra da Rua, Padre Carlos Carneiro SJ, diretor do Centro Universitário dos Jesuítas no Porto, e Padre António Bacelar, da Diocese do Porto. E, a tarde, foi
preenchida com o Workshop “testemunhos presbiterais” em duas perspetivas: ser
padre… nas prisões,
com testemunho de João Gonçalves (Diocese de
Aveiro), nos hospitais, com
testemunho do Padre Fernando
Sampaio (Diocese de Lisboa), nas
universidades, com testemunho do Padre Eduardo Duque (Arquidiocese de Braga), e nas Forças Armadas, com testemunho do
Padre Licínio Silva (Ordinariato
Castrense); e ser pároco... na cidade,
com testemunho do Padre Mário Rui
Pedras (Patriarcado de Lisboa), em meio suburbano, com testemunho do Padre Almiro Mendes (Diocese do Porto), e no campo, com testemunho do Padre com testemunho do Padre Diamantino Duarte (Diocese de
Lamego).
O dia 6, o 4.º e último dia, é o do encerramento. Mas antes da Eucaristia final, ainda virá a
conferência de Dom Juan María Uriarte, Bispo
Emérito de San Sebastian,
sobre “O celibato sacerdotal: a sua nobreza, dificuldades e etapas”.
Além disso,
a parte da manhã começa com a oração litúrgica de Laudes; a parte da tarde encerra
com a oração litúrgica de Vésperas e a Celebração da Eucaristia; na noite do
1.º dia, os participantes alinharam na recitação do Terço, na Capelinha das Aparições;
na noite do 2.º dia, realizaram-se encontros por dioceses; e, na noite do 3.º
dia, participam na Adoração Eucarística, na Capela do Santíssimo
Sacramento.
***
O presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios
afirmou que a “presença significativa” de sacerdotes no Simpósio do Clero é
sinal sua “força profética” e afirma a necessidade da “conversão de corações e
de motivações”.
O presidente da comissão da Conferência Episcopal Portuguesa que
dinamiza iniciativas dirigidas ao clero manifestou a “comunhão com o Papa
Francisco” e a partilha do “seu sonho de um renovado impulso missionário para a
Igreja”, a conquistar sobretudo pela “conversão dos corações”. E, nesse
sentido, leu a carta dos Bispos de apoio ao Santo Padre e de comunhão com ele
na reforma da Igreja e de conforto pela campanha de que tem sido objeto. Nela
se comprometem com o Papa a erradicar as causas da “chaga” do abuso de menores
por membros responsáveis da Igreja.
Por outro lado, o Simpósio do Clero assinala os 25 anos da
realização desta iniciativa, cuja história foi evocada por Dom Jorge Ortiga,
arcebispo de Braga (que
era ao tempo secretário da Comissão Vocações
e Ministérios), lembrando os “Encontros de Mira”, que estão na sua origem, e o
propósito de se aproximar do “quotidiano dos sacerdotes”, valorizando por isso
o “espaço para o debate” e a “vivência espiritual”.
E o Cardeal-patriarca de Lisboa evocou o percurso de Dom
António Francisco dos Santos, falecido em setembro de 2017, anterior presidente
da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios. Dom Manuel Clemente destacou a
proximidade do anterior bispo do Porto, que “tinha sempre tempo para todos”, a
“natureza pascal do ministério” sacerdotal que defendia e o “ânimo para
prosseguir” que demonstrou nas várias responsabilidades que assumiu. Para o Presidente
da Conferência Episcopal Portuguesa, as três caraterísticas da biografia de Dom
António Francisco são um testemunho para todos os sacerdotes, “especialmente
agora”.
A seguir, Dom Manuel Clemente referiu-se aos acontecimentos
“graves e patentes” que se referem a membros do clero, afirmando a necessidade
de uma “conversão e correção permanentes” a partir do “Evangelho de Cristo”.
***
O Prefeito
da Congregação para o Clero defendeu uma ação “ampla e constante” para prevenir
a “chaga” dos abusos sexuais e assegurar a proteção dos menores, declarando:
“Certamente, as recentes situações emersas nas manchetes jornalísticas
trazem à tona situações dolorosas, que dizem respeito aos sacerdotes e recaem
duramente sobre a vida da Igreja”.
Para o Cardeal
Stella, há que oferecer os melhores recursos para a formação dos futuros
padres, reforçando a “obra de purificação”, já foi iniciada, com o apoio de
todos. E frisou:
“É significativo observar que o Papa Francisco não pensa o problema dos
abusos como uma realidade a ser enfrentada somente pela hierarquia da Igreja e
pelos padres; pelo contrário, o próprio clericalismo, e ter resumido muitas
vezes a Igreja a uma elite, gerou um modo anómalo de entender a autoridade que
desvalorizou a graça batismal e, não poucas vezes, contribuiu para as formas de
abusos, em primeiro lugar sobre a consciência das pessoas”.
Este alto responsável
do Vaticano vê o Simpósio do Clero, promovido pela CEP e pela Comissão
Episcopal Vocações e Ministérios, como “uma preciosa ocasião para aprofundar a
riqueza do magistério do Papa Francisco sobre o perfil do sacerdote e os
aspetos fundamentais da sua formação e ministério pastoral”.
Segundo o Cardeal
Stella, “é necessário exprimir um sincero
reconhecimento ao trabalho, precioso e escondido, de tantos sacerdotes
espalhados pelo mundo, que oferecem quotidianamente suas vidas a serviço do
Povo de Deus”.
***
Em
entrevista à Rádio Renascença, o
Cardeal Dom António Marto, no contexto do Simpósio do Clero, fala dos desafios
que hoje se colocam ao sacerdócio e admite que os escândalos de abuso sexual na
Igreja podem afastar os jovens. Com efeito, para o Bispo de
Leiria-Fátima,
“uma sociedade, para viver bem, precisa também de ter saúde espiritual”.
A polémica dos abusos no seio da
Igreja também não passou ao lado do Prefeito da Congregação para o Clero que,
em entrevista à Rádio Renascença, defendeu que a
Igreja deve assumir “a dolorosa realidade” e enveredar pela via da purificação
e conversão.
Porém, Dom António Marto,
Vice-Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, frisa que o simpósio foi
programado antes dos recentes acontecimentos, mas que a finalidade se mantém: “uma renovação em ordem à vivência do
ministério sacerdotal”, porque se vive “sempre de um modo novo em função
das circunstâncias novas do nosso tempo e também das diferentes etapas da vida
pelas quais passa uma pessoa e, por conseguinte, também um padre”. Neste sentido,
o Cardeal vê nestes encontros “uma descoberta da beleza e da riqueza deste dom
do sacerdócio para a Igreja hoje, neste nosso tempo e neste nosso mundo e
também para a sociedade”.
Quanto às circunstâncias da sociedade, hoje mais difíceis do que antes e
às grandes dificuldades que a vocação
sacerdotal hoje enfrenta, considera que esta
enfrenta naturalmente
“dificuldades diferentes”, mas que foi sempre uma vocação que exige muita
reflexão, muita seriedade”. E, falando da sua vivência pessoal, refere:
“Eu,
quando entrei para o seminário, no primeiro ano éramos 64 e só chegámos ao fim
dois, o que significa que muita gente ficou pelo caminho. Muita gente entrava
no seminário para fazer os seus estudos; e o seminário foi uma escola de
promoção de jovens que não tinham outro meio de acesso aos estudos.”.
Em concreto, sobre o mundo hodierno e
as vocações sacerdotais, diz:
“Hoje,
o mundo assemelha-se a um supermercado mundial, com a maior diversidade de
ofertas de modelos e projetos de vida, muitos deles longe do Evangelho de
Cristo. A geração nova sente-se confundida, sente falta de uma orientação e,
por isso, requer mais maturidade. Ultimamente, as vocações que têm surgido na
minha diocese de Leiria-Fátima, são de jovens já com o curso universitário
feito, gente para cima dos 22, 24 anos.”.
E, no
atinente ao impacto dos escândalos provocado por atos de membros do clero,
assente:
“É
natural que esta mediatização dos escândalos que aconteceram tão longe de nós –
embora haja aqui também um ou outro caso – provoque interrogações nos jovens e,
porventura, os afaste à partida da sua vocação, que requer uma santidade e um
testemunho de vida”.
Relativamente à urgência de formação e de purificação, entraves à purificação e dificuldade em
viver a conversão a que se apela, o Cardeal discorre, salientando o facto de
sermos humanos, envoltos em ambiências culturais por vezes adversas, e de ser difícil
mudar as pessoas:
“Nós todos somos humanos e estamos
sujeitos àquilo que o Papa Francisco chama ‘mundanização’, que é viver a vida
segundo critérios meramente humanos, da moda dominante, de quem se deixa levar
pelas aparências, pela vaidade, pela ostentação, pela vontade de poder, pelo pansexualismo
que hoje, muitas vezes, circula nas redes e na internet, pelo desânimo fácil. Porque
hoje vive-se nesta tendência de querer ter resultados imediatos. Mas quem lida
com pessoas, não é como quem lida com máquinas; lidar com as pessoas é lidar
com o seu mistério interior e isso requer tempo, muita escuta, disponibilidade
e serviço.”.
Assim, os males mundanos também tocam o clero e a hierarquia, não ficando ninguém isento – o que, segundo o eminente prelado,
“exige da nossa parte, da parte dos padres e bispos e também dos cristãos
em geral, este cuidado pela vida espiritual”, que não se pode dar por adquirida. E afirma que, por outro lado, não se pode “pensar
que é só um controlo mais apertado ou punições mais severas que mudam isto”. Ao
invés, “tem de se mudar por dentro”,
isto é, “tem de mudar o coração, a interioridade e a mentalidade”, para,
depois, se “criar uma cultura em todo o
povo de Deus”. E, citando o Papa Francisco, sublinha:
“É
onde o Papa põe o acento na sua última carta: criar uma cultura, isto é, o modo
de pensar, de estar, de se relacionar, de cuidar uns dos outros. Uma cultura de
prevenção e de proteção que não permita que aconteçam semelhantes factos.”.
Por fim, sobre o sacrifício que tudo isto implica e o eventual desânimo “por ver tanta gente que, provavelmente, não está disposta a abandonar a vida que leva”, tranquiliza com desapego:
“Jesus
não converteu o mundo de um dia para o outro. Começou com tão poucos… por isso,
nós hoje, nesta mudança de época – e as mudanças de época são sempre difíceis,
porque não se vê o futuro esboçado com clareza – nós ainda estamos numa época
mais de sementeira do que de colheita. E não podemos desanimar em continuar a
lançar a semente e lançá-la com generosidade e em toda a parte. E a colheita deixamo-la
a Deus.”.
***
E, sim, Deus
permita que o Simpósio do Clero faça eclodir uma significativa reviravolta na
Igreja que vive em Portugal colocando os seus agentes mais ativos na rota de
uma espiritualidade forte e integral com efeito em toda a vida das pessoas e da
sociedade, mas sem desanimar perante os fracassos e colocando-se na ótica da
sementeira generosa para deixar a colheita para Deus. Que do Simpósio resulte
mais trabalho e comunhão, com cheiro a ovelhas ou, como prefere Dom Pio Alves,
pela “caridade na verdade”, expressão tão cara a Bento XVI.
2018.09.05 –
Louro de Carvalho
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